PorBérgson Frota
Parece que foi ontem, para repetir já uma velha introdução dos que narram coisas passadas. Mas sim, parece que foi ontem que num anoitecer de um dia calmo e cheio de expectativas, a sociedade fortalezense se preparou para testemunhar e usufruir o que de mais moderno em termos de sétima arte era inaugurado em Fortaleza.
.
O Cine São Luiz.
.
Quem dera estar eu presente lá e ver pela primeira vez o luxo que ainda ostenta hoje, porém um pouco gasto, forças do tempo, mas na época novinho. As formas arquitetônicas clássicas, os gigantes lustres tchecos e as belas paredes de mármore carrara na monumental sala de espera. Internamente os desenhos e esculturas de baixo relevo com as luminárias originais da sala de projeção.
.
A emoção de pela primeira vez ver aquelas duas cortinas abrirem-se indo uma para cada lado, mas antes quando fechadas formarem uma só, e finalmente depois de algum tempo, para iniciar a projeção, quando já recuadas exibirem a gigantesca tela branca.
.
Foi pensando assim que neste artigo, vencendo o tempo e espaço, baseado em filmes e textos da época, tendo inclusive assistido ao primeiro filme exibido, que retrocedi e recriei em texto Fortaleza, no que foi a noite do dia 26 de março de 1958, uma quarta-feira.
.
A cidade tinha na época cerca de 500.000 habitantes, havendo desde cedo grande movimentação, comum no antigo centro da cidade. Resolvi passar em frente ao cinema, lá se lia em placa grande São Luiz – Inauguração hoje, às 20 horas – Anastácia, com Ingrid Bergman. Era fim de tarde e observava com curiosidade, as pessoas, suas roupas e os prédios hoje já não mais existentes.
.
Tinha que esperar até as oito horas. Com sorte havia me lembrado de mandar fazer meu paletó, típico do fim da década de 50, e consegui um convite conservado de alguém que por azar não pode ir, sem o mesmo seria barrado.
.
Logo a noite avançava. Começaram a chegar os carros com autoridades, o governador Flávio Marcílio e sua esposa desceram, e a multidão observava já fazendo um círculo em torno do vistoso edifício.
.
As mulheres de saias longas, típicas da década de 50, e meia luva. Os homens todos empaletozados e prontos para assistir a glamorosa inauguração.
.
Muitos populares, adolescentes em geral, não vestidos a rigor observavam comportados, num misto de orgulho e admiração aos expectadores que com luxo desciam de carros e bem vestidos entravam no cinema, entre o círculo de isolamento que se formou em torno da entrada do cine-teatro e eles a distancia era pequena.
.
Consegui romper o cordão, e logo me aplumando aproximei-me da entrada. Mostrei o convite, e entrei.
.
Que maravilha era aquele cinema.
.
Só para dar uma idéia, a maciez do tapete era tanta, que parecia fazer os sapatos sumirem. O ar refrigerado trazia logo um bem-estar em quem entrava, um clima diferente como se saíssemos de Fortaleza e em alguma temperada cidade européia adentrássemos.
.
O filme tratava-se de uma princesa russa, que havia escapado do massacre da família imperial na época da Revolução Socialista Soviética.
.
A sala estava lotada, na parte superior da mesma, ficaram as autoridades.
.
Não demorou e as luzes foram aos poucos se apagando e finalmente a fantástica tela se iluminou.Também o som era inovador, nunca antes visto em cinemas de Fortaleza. A platéia repleta de pessoas bem vestidas, até parecia a entrega do Oscar, pensei. Assim, comportados assistíamos o início da história de um cinema que hoje, se não detém o título de o mais antigo da capital alencarina, certamente é com merecimento o melhor e mais belo até hoje aqui construído.
.
E lá se foram 50 anos.
.
Um dia na metade dos anos setenta um garoto do interior o conheceria e se deslumbraria pela primeira vez, não com o drama de Anastácia, mas com as peraltices dos Trapalhões. Quem era este garoto é um mistério, mas daquele dia em diante para ele o São Luiz tornou-se um rico palco de diversões que até hoje, passado tanto tempo, jamais foi superado.
.
Foto : Cine São Luiz, o dia da inauguração. ( Arquivo Aba Film )
__________________________________
Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzido artigos de relevância atual.