Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

28.6.07

O BODE IOIÔ

Por
Bérgson Frota


Fortaleza conheceu na primeira metade do século XX, uma figura popular e pitoresca. Era um bode que com desenvoltura circulava entre os cafés boêmios da cidade, fazendo uma rota que mais lembrava um ioiô.

Sua história é um pouco rocambolesca, mas ao mesmo tempo curiosa.

Na seca de 15, chegou a Fortaleza um sertanejo trazendo consigo como único bem, um bode. O retirante necessitado vendeu o animal à Rossbach Brazil Company, conhecida empresa inglesa instalada na Praia de Iracema.

O bode logo tomou gosto pela cidade e com certa familiaridade circulava pelas ruas, indo diariamente à Praça do Ferreira, centro da cidade na época onde funcionavam os principais cafés.

Em pouco tempo, o bode já era tratado com familiaridade pelos freqüentadores e transeuntes que faziam quase sempre a mesma rota do caprino.

Ioiô ficou famoso por freqüentar cafés aonde iam grandes escritores tais como o famoso e inesquecível Java. Muitos dos boêmios e poetas relatam em obras da época, fatos sobre o carismático bode Ioiô.

O bode era portanto, um “membro” da elite intelectual da cidade, participando de atos políticos em coretos e praças.

Corre a lenda urbana de que na inauguração do Cine Moderno, comeu a fita inaugural do mesmo.

O bode Ioiô foi para muitos uma figura caricata e para outros um personagem que em muito incorporava a íntima relação do cearense com o humor e a brincadeira.

Quando faleceu em 1931, Ioiô foi empalhado e até hoje pode ser visitado no Museu do Ceará.

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(Artigo publicado no jornal O Povo em 15.04.2007)
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Foto do Bode Ioiô empalhado:
www.citybrazil.com.br/ce/fortaleza/curioso.htm
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Bérgson Frota, formado em Filosofia/Licenciatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), é um prestigiado cronista ipueirense e pesquisador da história e da geografia da cidade de Ipueiras, no Ceará. É professor visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor de Grego Clássico no Seminário da Prainha - Fortaleza.

REABILITAÇÃO

Por
Jean Kleber Mattos


Um de meus melhores amigos, um conterrâneo, envolveu-se certa vez num acidente com arma de fogo quando morava em Goiânia. Ele saíra em grupo para uma ‘caça ao pombo” e não percebera que sua arma não era confiável.

O primeiro tiro, literalmente, “saiu pela culatra”. A carga explodiu sobre seu rosto e um chumbinho rompeu o osso frontal alojando-se no tecido do cérebro. Queda imediata. Hospitalização. Neurocirurgia de emergência. Hemiplegia.

O fato dele não conseguir andar assustava a todos. Seus familiares permaneciam ao seu lado dia e noite, ainda no hospital. Cartazes com frases de auto-ajuda estavam afixados por toda a parede do apartamento. Ao chegar alguém conhecido seu, o cumprimento, um aperto de mão, tinha a força de uma tenaz. Não falava. Olhava-nos fixamente nos olhos.

Um mês depois, voltando de uma reunião em Cuiabá, passei por Goiânia para ver como ele estava. Em casa, deitado numa rede, continuava hemiplégico mas já falava e seu costumeiro bom humor estava voltando. A rede estava úmida de urina colorida pela medicação. Meu amigo muito mal controlava a micção e a evacuação. Ainda não firmava a passada. A família, numerosa, continuava a lhe dar total apoio. Os integrantes revezavam-se nos cuidados, mesmo morando à distância. Amor, fé e orações. Ao seu lado, sua mãe pediu-me que a ajudasse a levá-lo ao banheiro.
-Tia, você tem dois cabos de vassoura? Perguntei.
Ele lançou-me um olhar assustado do tipo: "o que estará ele tramando?”

Obtidos os cabos, tentei ensinar-lhe como, em movimentos sincronizados, locomover-se apoiado nas peças de madeira. Para sua garantia neste primeiro momento, caminhamos ao seu lado, apoiando-o, eu e sua mãe.

Algum tempo depois, chegando à Fortaleza, reencontrei-o, desta vez na casa do pai. Ele já caminhava com algum desembaraço dentro de casa e no quintal. Medicação controlada. Convidei-o então para, à noite, integrar comigo um grupo de amigos que estavam indo a um forró, desses tão comuns em Fortaleza. Relutante de início, pensou melhor e aceitou o convite.

Chegados ao forró, não demorou para que todos dançássemos. Eu fora privilegiado. Dançava com Vânia, um pé de valsa. Leve como uma pluma. Meu amigo dançava com Margareth, verdadeira professora. Forró e lambada eram com ela mesma. Em dado momento ele acercou-se de mim e pediu:
-Jean, me dá a Vânia. Ela é levinha. Margareth rebola muito e eu tenho medo de cair...!

Hoje meu amigo é um fisioterapeuta diplomado, altamente prestigiado na área, atuando em Fortaleza. Faz algum tempo que não o vejo. Quando o reencontrar vou perguntar-lhe se já incluiu em seu manual de reabilitação, a técnica dos cabos de vassoura e a dança com uma mulher levinha...
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Foto Cadeira de Rodas:
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Jean Kleber de Abreu Mattos, cearense, nascido em Fortaleza, viveu em Ipueiras dos dois aos oito anos de idade. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco. Atualmente doutor em Fitopatologia, é professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

25.6.07

LONGO AMANHECER

Por
Marcondes Rosa

Ante o poço sem fundo da corrupção "neste País", a me pautar "paciência histórica", um forte spleen me invade. Decido calar-me e encostar a caneta. "Justo quando te reconheces quixotesco e o Fórum Social Mundial aponta outro mundo possível?", cobra-me Isolda Castelo Branco (UFC).

Para os dicionários, o termo diz do "romântico, sonhador a se meter em estripulias" (Aurélio Séc. XXI), hoje a assumir a conotação de quem se vale da "ordem desordenada da arte, a superar a da própria natureza" (Cervantes), num resgate de Heráclito: "A ordem mais bela é um monte de detritos amontoados ao acaso". O mitológico "no princípio, o caos", e o bíblico apocalipse, em tom de "revelação e aviso". Na mídia, tento decifrar: docentes e guardas a atirar cadeiras e gás de pimenta, uns contra os outros, na agressiva e narcísea "Fortaleza Bela".

Nas ruas, rincões, favelas, prisões, alto escalão, a violência a nos irmanar. Na política, o "passar a limpo o País", com o basta ao salto alto de uns e os tamancos de outros, persistentes UDNs, o povo a exigir, destes, os pés no chão. Aos turistas, o "relaxe e goze", da sexóloga ministra, sedução masoquista de apagões aéreos, ícones do "próspero". Tempos de murici, cada qual a cuidar de si, sob as sombras das mal-humoradas mangabeiras a nos desenhar futuros...

Em nossa bandeira, "ordem e progresso" a chocar-se com a criativa desordem. Mais que império da maioria, quer-se respeito às minorias a compor dissonantes acordes. "Um longo amanhecer", no depoimento otimista deixado por Celso Furtado, no qual, a CNBB "não vê atitude de desesperanças", mas "a metáfora de um país que ainda não encontrou o caminho de um desenvolvimento sustentado"

Pedrinho, o neto, guerreiros voadores seus à mão: "vô, para onde nós vamos?". E eu, a abraçá-lo com emoção: "Porto seguro"!
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Publicado originalmente em "O Povo" - 25/06/2007 Fortaleza-Ce.
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Créditos da foto do ipê na Esplanada dos Ministérios:
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Marcondes Rosa de Sousa, advogado, é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECe). É uma das maiores autoridades em educação do Brasil. Ex-presidente do Conselho de Educação do Ceará e do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, é Colunista do jornal " O Povo ", onde mantém seus artigos quinzenais.

23.6.07

CAMINHANDO PELO CERRADO

Por
Carlos R. Spehar

Sem compreendermos como funciona a dinâmica de interações com seres vivos, não logramos estabelecer equilíbrio duradouro. Início de caminhada. Ambiente insólito. Árvores tortas, dando a impressão de haverem sofrido escaramuças na luta pela sobrevivência. Algumas, vigorosas, como o carvoeiro, crescem rapidamente, para depois morrer.

Deixam um ambiente modificado, onde outras espécies se beneficiam. Parece que, por pertencerem à família das fabáceas, contribuem nitrogênio às plantas sucessoras. Esse elemento, que antes estivera no ar, foi passado à planta hospedeira que em troca, forneceu produtos da fotossíntese às bactérias simbiontes conhecidas como rizóbio. Durante a caminhada são vistas tantas outras plantas, com características peculiares.

Em uma análise mais profunda percebe-se que estão inter-relacionadas, como esse exemplo que acabamos de relatar. Algumas, já se sabe, são acumuladoras de silício, elemento pouco abundante nos solos ácidos do Cerrado. Certamente, suas folhas, ao se decomporem liberam o elemento, trazido das camadas mais profundas do solo, às plantas que habitam um ambiente mais próximo à superfície.

Outras plantas acumulam alumínio que pode ser tóxico a muitas outras, principalmente as cultivadas. O provável é que, ao ciclarem apenas nutrientes, criam um ambiente menos hostil à sua volta, trazendo para o seu interior, o elemento tóxico. Dessa forma permitem que outras espécies se associem a elas. Estas, por sua vez, retêm alguns nutrientes em seus detritos, os mesmos que estariam sujeitos à lavagem pelas chuvas torrenciais, caso livres no solo. Parece que a mistura de espécies é uma necessidade recíproca.

Cada qual ocupa seu nicho, porém não se isola. Abrem espaço para a diversidade, pois dela dependem, numa combinação imensa de possibilidades, das quais aventamos apenas alguns casos. Muitos outros estão por ser desvendados, não apenas com o intuito de conservar amostras de tão exuberante vida em um ambiente aparentemente hostil.

Quando se pratica agricultura em tal domínio, modificando-o, com adição de nutrientes e corretivos do solo deixa-se a impressão que os problemas estão resolvidos. Contudo, não é o que se presencia. Por mais que haja ciência auxiliando na solução de problemas inerentes ao ambiente. Sem compreendermos como funciona a dinâmica de interações com seres vivos, não logramos estabelecer equilíbrio duradouro.

Estaríamos reavivando Darwin ao afirmarmos que nossa percepção, ainda que ampliada com lente de aumento em relação ao seu tempo, ainda é estreita. Em sua época ele reclamava a necessidade de se aperfeiçoarem os estudos geológicos. Hoje, com todas as ferramentas modernas da biotecnologia, ainda arranhamos, patinamos, esperneamos.

Só nos faz lembrar da máxima atribuída a Sócrates, quando lhe chamaram de sábio. Ao que ele respondeu “só sei que nada sei”. Portanto, na caminhada pelo Cerrado, redescobrimos o gosto de buscar, indagar, num processo em que não vale a pena relacionar com a cronologia humana. Não pode haver desânimo, diante de tanto que falta saber.

O mais importante é conscientizar as gerações novas sobre a importância daquilo que ainda não se conhece. A caminhada no Cerrado permite apreciar o tamanho de nossa ignorância e ao mesmo tempo ousadia. Num desespero de sobrevivência, modificamos o meio, criando prosperidade temporária. Isso, à custa de reduzir a diversidade.

A ameaça não tarda a chegar, dinâmica como a vida ao redor, propiciada pela abundância de luz e calor. Entretanto, vem desenfreada, em franco desequilíbrio. Não dá para ignorar o apelo da natureza, que cobra com juros por nossa solução simplista. Vejam-se os exemplos de epidemias, ameaças crescentes aos cultivos que sustentam grandes contingentes de humanos. Portanto, antes que o Cerrado seja extinto sem que o conheçamos, caminhemos por ele, para começar.

Quem sabe ele nos inspire a buscar entender aquilo que por desconhecermos, nos atinge mortalmente.

Obs.: Artigo enviado originalmente pelo autor ao “JC e-mail”
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Foto do Campo Cerrado:
www.cnpm.embrapa.br/projects/grshop_us/373.html
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Dr. Carlos Roberto Spehar é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Lavras (1973), tem mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas pela University of Wisconsin - Madison (1977) e doutorado em Genética Melhoramento e Nutrição de Plantas pela University of Cambridge (1989). Pesquisador aposentado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, participa hoje como orientador, do Programa de Pós-graduação em Ciências Agrárias da Universidade de Brasília.

O LATENTE PRECONCEITO


Por
Bérgson Frota


No curso de Filosofia, precisamente no 3º semestre, aconteceu um fato triste, não sei se desencadeado pelo meu nome somado a forma apaixonante do tema que escolhi e expus.

Como chefe de equipe, fiz então uma longa explanação sobre o nascimento e perseguição do povo hebreu, citando nomes de destaque nas ciências, política e literatura, e como um lapso, inconsciente, devo relatar só depois me dado conta, omiti a figura de Cristo, ao mesmo tempo em que falei do grande legislador Moisés.

O fato é que notei certa mudança no tratamento a mim reservado a partir de então pela mestra. Antes atenciosa passou a ser alguém distante a meus questionamentos, coisa que pouco me fazia entender o porquê da atitude.

Passaram-se várias semanas e um dia, ainda no pátio, antes de entrarmos em sala de aula, acerquei-me dela e fiz-lhe uma pergunta. Ela disparou quase me fuzilando com os olhos.

- Você é judeu ?
Fiquei sem ter chão para pisar.
- Não, sou católico, sou de uma família católica praticante.

Ela me olhou como se tivesse tirado uma tonelada de cima de si, e notei seu olhar mudado em minha direção.
- Então por que defende tanto os judeus?

Aquilo era demais, estava lá, latente o preconceito.

Perdi-me, falei que explanei meu ponto de vista e o da equipe, assim como defenderia se fosse a exploração do povo negro ou indígena.

Depois daquela pequena conversa tudo voltou ao “normal”, para ela, quanto a mim, enchi-me de pena ao ver numa docente de universidade, a estreiteza do sentimento humano tão arraigado numa criatura.

Na UECE o curso de filosofia prosseguiu.

E muito tempo depois de formar-me, lembrei deste triste fato, que relato não para divulgar o papel de “vítima inocente” o qual passei, mas como uma denúncia ao mais nocivo preconceito que nos prende e rebaixa sempre que nos quedamos em estreitas definições de respeito ao ser humano.
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Bérgson Frota, formado em Filosofia/Licenciatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), é um prestigiado cronista ipueirense e pesquisador da história e da geografia da cidade de Ipueiras, no Ceará. É professor visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor de Grego Clássico no Seminário da Prainha - Fortaleza.

ALMA PENADA E CRIANÇA PENANDO











Por
Dalinha Catunda


Menina mijando na rede,
até mocinha ficar.
Descasquei muito tijolo,
e, háaaaaja lençol pra lavar.!

Não adiantava prometer surras,
nem me fazer limpar chão.
Porque eu mijava na rede,
com medo de assombração.

Minha mãe me falava de alma,
que batia nas panelas.
E, no meio da madrugada,
abria porta e janelas.

Minha Tia catequista,
me ensinava a oração.
Mas também falava de diabo,
com espeto de fogo na mão.

Sempre à boquinha da noite,
com cadeiras na calçada.
A família reunida,
falava de alma penada.

Desenterravam defunto,
que não tinha mais nem o pó.
Deixavam as pobres crianças,
num medo de fazer dó.

Era alma dando botija.
Alma pegando no pé.
Alma querendo reza,
e eu rezando com fé.

Até meus dias de hoje,
não vislumbrei uma só alma.
Por isso perdi o medo,
meu sono é pleno de calma.
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Foto assombração: www.postais.info/step1.asp?cat_fldAuto=99...
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – POETISA, ESCRITORA E CORDELISTA. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens.

SOMOS SÓ PROFESSORES?


Por
Lin Chau Ming

No ano passado, resultado de uma incrível coincidência, acabei me encontrando com a Élide, uma colega do curso primário, aqui em Botucatu. Assim como eu, saiu da cidade de São Paulo, por motivos diversos da vida, vindo se fixar nesta terra. Ficamos a rememorar fatos daquela época, finais dos anos 60, os velhos amigos, colegas da sala, os professores, a escola (o estadual da Penha), as brincadeiras de criança; foi uma volta ao tempo bastante emocionada, cada qual se surpreendia com as memórias, parecendo frescas ainda, do outro.

Uma pessoa que marcou bastante a vida de nós dois, comentamos, foi Dona Lídia, nossa professora do terceiro ano. A partir de uma foto antiga, daquelas que a turma da escola tira ao lado da professora, que a Élide ainda guardava em seus arquivos, conversamos sobre ela. Lembrávamos de sua dedicação e paciência, na lida diária com seus pequenos alunos. Sobre ela recaiu alguma coisa de nossa posterior personalidade, trabalhada nas pequenas, mas corretas ações que a nossa mestra nos indicava.

Resolvemos tentar manter contato com ela. A memória mais prodigiosa de minha colega me fez lembrar seu nome completo, e saímos, com auxílio da internet, a tentar procurar seu telefone. Depois de alguns minutos de busca, havia apenas uma pessoa cadastrada com aquele nome. Anotei o número e ligamos. Foi uma conversa incrível, ela, aposentada há muitos anos, ainda se lembrava dos nomes da maioria de seus alunos, incluindo os nossos. Após alguns elogios e palavras de saudades mútuos, falou que iria à secretaria da nossa antiga escola, pegar os registros dos alunos da classe, para facilitar a tentativa de manter contato, ou de, pelo menos, saber alguma coisa de cada um. Doce professora, vou visitá-la em breve, prometo.

Fico imaginando agora, será que algum professor se lembra dos nomes de seus alunos, após passados alguns anos? Tentaria saber de alguma coisa deles, ou mesmo procuraria nos arquivos da faculdade o paradeiro de cada um? Claro que são épocas diferentes, as classes do primário tinham bem menos alunos, a relação entre professor e aluno também está de outro tipo, mas me parece que há uma coisa que fez com que isso tudo se modificasse. A carreira de professor está desprestigiada, cada vez mais.

A profissão, que deveria ser incluída na categoria de uma das mais importantes numa sociedade, hoje, não tem recebido o crédito que merece, sendo dia-a-dia vilipendiada. Penso que a questão salarial é importante, baixos salários desestimulam bastante o professorado, porém não é a única a justificar essa contínua deterioração.

Tenho dito aos alunos que ingressei na carreira docente por um acaso de minha vida profissional. Saíra da faculdade com a idéia fixa de poder ajudar os pequenos agricultores, devolvendo um pouco a eles, aquilo que uma universidade pública pode me proporcionar, como compromisso ético. Fiquei nessa atividade extensionista por cerca de 9 anos, era bastante prazeroso e gratificante.

Junto ao trabalho, desenvolvi também intensa atividade sindical, motivo que me levou a outras boas experiências e, também, a processos judiciais, pelas manifestações e greves que o sindicato recém-formado pela categoria, organizava, na luta por direitos trabalhistas e na redefinição das linhas de trabalho de uma extensão rural voltada aos interesses dos setores menos favorecidos do campo.

Com a perseguição política tomando grande vulto, decidi, por um tempo, “me esconder” na universidade, isto é, resolvi fazer o curso de Mestrado. Ficaria mais tranqüilo, longe da influência dos governantes da época. E assim, continuei os meus estudos, Mestrado, Doutorado, concurso na UNESP e... hoje, sou professor.

O que faz, ou o que deveria fazer um professor na UNESP? Pela lógica, está na cara que é dar aulas. Houve uma portaria da Reitoria, não me lembro ao certo o ano, estabelecendo que cada docente deveria dar, pelo menos, 8 horas de aula por semana em cada semestre. Acho que isso não é levado estritamente ao pé da letra, pois deve haver professor que não atingem essa cota e, ao que eu saiba, não há nenhuma sanção sobre ele.

Além das aulas, o professor faz pesquisa, cada qual em sua área de especialização. E também faz extensão, mas deste assunto falarei em uma outra oportunidade.. A pesquisa serve para produzir novos conhecimentos, que, numa área tecnológica que nem a Agronomia, ou mesmo outros cursos, são demandados num ritmo extremamente veloz. E esses conhecimentos, em aulas, são repassados aos alunos, alimentando os conteúdos das aulas, e estimulando outros, num círculo permanente.

Ocorre que a Universidade tem tomado um rumo bastante diferente do que preconizado em suas origens. Boa parte dos docentes dedica maior tempo de seu trabalho em atividades de pesquisa. Como a estrutura universitária já não tem condições ideais de atender às necessidades da pesquisa, o professor (ou pesquisador, como queira) se vê obrigado a procurar recursos externos, sejam eles públicos ou privados, para poder tocar seus projetos.

Essa busca por recursos toma horas e horas diárias do professor, que investe esse tempo sabendo que poderá colher frutos (novos conhecimentos), associar alunos de graduação e pós-graduação, fazer as pesquisas e depois, outro objetivo claro, publicar os resultados em periódicos indexados.

Esse círculo tem um aspecto ingrato. Para poder ter recursos para pesquisa, o professor, ao enviar seus projetos, sofre uma avaliação por pares (“peer review”), que levam em consideração, com muita ênfase, sua produção científica, ou seja, se ele não produz muito (leia-se, publicação de artigos científicos) ele é mal avaliado e não tem seu projeto aprovado. Quem tem boa produção científica é bem avaliado e tem seu projeto avaliado. Ou seja, para se ter projetos aprovados é preciso um bom currículo, precisa publicar; e para publicar é preciso ter projetos de pesquisa. Quem não tem, dança e, com isso, não pode oferecer aos alunos, em aula, novos conhecimentos produzidos por ele, e sim, apenas repassar conhecimentos produzidos por outros.

No meio acadêmico, o bom professor não é aquele que sabe dar uma boa aula, prepara com esmero a metodologia, se preocupa com a parte didática, oferece bom e adequado conteúdo, se importa se o aluno está interessado ou não em sua aula. O bom professor é aquele que tem um bom currículo, balizado por sua produção científica, quase que exclusivamente. Procure consultar a base dos currículos no CNPq (Lattes), ou mesmo a súmula curricular da FAPESP dos professores e veja se as atividades de ensino são levadas em consideração? Infelizmente, isso pouco vale, os valores estão um tanto invertidos.

As prioridades dos docentes passam a ser outras, afinal, eles precisam ter tempo para dar aulas, ops, desculpe, para pesquisar.
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Foto Sala de Aula: obras.rio.rj.gov.br
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Lin Chau Ming é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Ensino "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (1981), doutor em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995). Atualmente é professor adjunto da UNESP em Botucatú-São Paulo. É editor chefe da Revista Brasileira de Plantas medicinais. Este ano (2007), Está hoje em Nova York, na Columbia University, fazendo pós-doutorado na área de Etnobotânica.

13.6.07

AS FESTAS JUNINAS

Por
Bérgson Frota


Em junho chegava o período das fogueiras, das festas de Santo Antônio, São João e finalmente São Pedro.

Delas a que mais brilhava era a de São João, também a mais conhecida e cantada.

Isso narro não para o tempo presente, mas como a montar da memória retalhos. É de Ipueiras, ainda eu garoto, ao ver do alto do morro do Cristo a cidade à noite, cheia de fogueiras que mais pareciam pontos fortes de luz oscilantes a variar entre o amarelo e o vermelho, das ruas amplas às ruelas até findar-se nos braços alongados aonde a cidade ia por fim acabar-se.
Havia lá as quadrilhas, as quermesses, com sorteios para o benefício da paróquia e finalmente a devoção aos santos de cada festa.
Balões riscavam o céu da pequena cidade, uns a pender quase caindo, mas por fim subindo, outros já em queda final e outros a subir até a vista finalmente apagar.
Cada santo tinha uma ligação com o viver e o necessitar humano. Pobres padroeiros, responsáveis por tantas preces, e ainda hoje há de se atestar quantas estão por atender.

Assim havia nas quadrilhas os casamentos matutos, os lances hilários do padre e finalmente, na dança os “anarriês” e “alevantous”, resquícios das típicas danças nobres francesas, perdidas da raiz e, incorporadas a uma tradição que de tão rica por si se bastava.
Salões cheios de comidas. Aluás, bolos de milho, cocadas, pés-de-moleque, batata doce, quentão e jerimuns assados.

As festas juninas evoluíram, não acabaram e quiçá nem hão de findar-se, mas no interior em muitas cidades pequenas, ao atento observador, há de perceber ainda traços arcaicos destas festas folclóricas, já não mais presentes nas realizadas em grandes centros.

Expressão maior da alegria da alma nordestina, pois na região inteira faz-se forte a tradição, segue sob o grande luar e o céu estrelado a troca de pares na dança em que cavalheiros de chapéu de palha e damas de longos vestidos de chita fazem num ritual da dança a quadrilha junina, e ao dançarem nas noites que saúdam os santos, e repetir a cada ano no mesmo mês tais festas, levam-nos a concluir que, muitas coisas mudam, mas as essenciais permanecem, nelas o espírito junino do nordeste, fruto da alegria que este povo aprendeu a criar e ao mesmo tempo lançar no ato de tudo à comemorar.
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Foto da quadrilha: http://www.gazetanews.com/
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Bérgson Frota, formado em Filosofia/Licenciatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR),é um prestigiado cronista ipueirense e pesquisador da história e da geografia da cidade de Ipueiras, no Ceará. É professor visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor de Grego Clássico no Seminário da Prainha - Fortaleza.

FESTAS JUNINAS


Por
Dalinha Catunda

É o mês de junhoChegando
Mudando a cor do sertão.
Sertanejos fervorosos,
Demonstram sua devoção.
Fazem festa para São Pedro,
Santo Antônio e São João.

O "arraiá" é enfeitado
com bandeiras multicor.
Aluá, cachaça e quentão,
Dão a festa aroma e sabor.
Fogos fogueira e fagulhas,
Encanto, magia e fulgor.

Batata doce e macaxeira,
Pé-de-moleque e canjica,
Pamonha e milho verde,
Sem provar ninguém fica.
É o gosto Nordestino,
E fartura em mesa rica.

A quadrilha ensaiada.
Gritador está de plantão.
Sanfoneiro puxa o fole,
Começando a animação.
O noivo não quer casar,
Mas não tem outra opção.

"Olha pro céu meu amor,
vê como ele está lindo".
Velhas canções embalam,
As paixões que vão surgindo.
Transformando os mais antigos,
Em sonhadores meninos.

É quadrilha e casamento,
Fogueira e animação,
Cantiga, bebida e comida
Dando cor as tradições
É o sinal de fumaça,
Reunindo multidões.
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, escritora e cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens.

NOTÍCIAS PARA O BLOG

Do site
Energia solar é alternativa no interior de Ipueiras


A partir de agora alunos da comunidade de Engenho Velho, na zona rural de Ipueiras, viveram novas experiências na escola Municipal São José, contando com os benefícios da energia solar.
Os painéis solares, instalados pela equipe da Secretaria de Obras do Município, ficam ao lado da Escola e captam a luz solar, que em seguida é armazenada em oito baterias, gerando energia suficiente para suportar um aparelho eletrônico, tipo Televisão e Vídeo, por até 3 horas, e lâmpadas na sala de aula por 5 horas. De acordo com o Prefeito Municipal, Raimundo Melo Sampaio, esse tipo de ação reflete diretamente na melhoria da qualidade do ensino e comprova que é possível diminuir as diferenças estruturais nas escolas e gerar melhores condições de ensino.

12.6.07

A PRAÇA DO PECADO

Por
Luiz Alpiano Viana

Em Ipueiras existe um local que foi batizado pelos conservadores de Praça do Pecado. Nos anos 70 esse assunto foi muito comentado e criticado pelas beatas, as chamadas pulgas de igreja. Nem por isso os casais pararam de freqüentá-la.

Ela está localizada no lado esquerdo da igreja matriz, com amplas calçadas e jardins arquitetonicamente projetados que convidam os visitantes a um breve passeio. Naquela época a iluminação era precária. A Prefeitura substituía constantemente as lâmpadas quebradas por vândalos, entretanto estava sempre às escuras.

Comentavam algumas pessoas que os namorados, propositalmente, as quebravam para ficar do jeito que eles queriam, escuro. O funcionário da empresa de eletrificação vivia constantemente no alto dos postes colocando lâmpadas novas e no outro dia estavam de novo quebradas.

Eu andei algumas vezes por lá, até porque era o caminho de ida e volta por onde eu passava todos os dias para o colégio. Qualquer jovem diria, sem titubear, que era mesmo um bom lugar para namorar. Não adianta dizer que não, porque a garotada sabe o que lhe satisfaz mesmo que não seja o que queiram os pais. Dificilmente eles conseguem mudar o comportamento dos filhos. Em algumas situações é perda de tempo, pois eles estão em plena busca de liberdade e identificação e disso não abrem mão. Qual de nós não conheceu a Praça do Pecado!

Quando estou em Ipueiras tenho a impressão de que volto no tempo. Num dado instante lembro-me, com esmerado detalhe, o vai-e-vem dos rapazes e moças daquela época. Paqueravam-se, beijavam-se e se agarravam num ritmo alucinante sem se preocuparem com quem estivesse por perto. Naquele chamego excitante sem experiência do que fazia, uma hora estava numa praça, outra hora noutra, A coisa mais importante era viver intensa e emocionalmente a época. Nessa permanente sintonia com o desconhecido, o jovem acaba descobrindo que a vida vale à pena. E aproveitava para vivê-la em boa companhia, à noite, nos bancos da praça da igreja.

Os bancos não eram personalizados. Não obstante, estavam sempre ocupados pelas mesmas pessoas que chegavam mais cedo e permaneciam até altas horas da manhã. Aquele que chegasse tarde não mais encontraria lugar. Era uma disputa engraçadíssima, cada um queria ficar num lugar mais escondido, menos visível. A noite silenciosa e romântica sabia que algumas gravidezes saíriam dali! Prova é que por entre as plantas dos jardins encontravam-se resquícios de absoluta liberdade sexual.

Diziam os mais velhos que podiam ser vistas, sem muito esforço, cenas de sexo explícito. Se aqueles bancos falassem, segredos viriam à tona que até então somente conheciam a lua e as estrelas.

Durante a noite as pessoas mais idosas desviavam o caminho porque os casais abusavam da liberdade e sem cerimônia praticavam atos libidinosos. Até mesmo no recuado das portas da igreja eles se aninhavam esperta, cômoda e despreocupadamente para chamejarem. A sociedade conservadora não via nada disso com bons olhos, pois feria profundamente os princípios cristãos orientados pela Paróquia.

Toda reclamação sobre assunto dessa natureza era direcionada à igreja. Se as cenas eram desse jeito a ponto de senhoras e crianças não poderem ver, por que, então, as autoridades calavam? Eu vivi a fase de adolescente nessa mesma época, no entanto não dou notícia de nenhum comportamento exagerado da meninada. Tenho razão para falar assim: eu era um deles!

Esporadicamente, e sem avisar, o padre aparecia na Praça, acompanhado de duas ou três pessoas para constatar as denúncias. Outras vezes quando ele apontava no portão da casa paroquial, os casais se dispersavam para não serem identificados.

Orientados pelo sacerdote os pais se reuniam constantemente com os filhos para tratar de reeducação e aconselhamento familiar. A igreja atuava com muito rigor e conservadorismo na vida das famílias. O povo era obediente demais e aceitava as orientações e reclamações que viessem de fontes educativas como a igreja. Diziam os grupos de catequese que quem namorava naquele lugar não teria a salvação garantida e estava condenado ao purgatório, àquele lugar onde só iam as "empregadinhas domésticas"! Que discriminação, não é mesmo? É como se elas não fossem seres humanos, cidadãs, filhas de Deus.

As moças de família também freqüentavam a Praça do Pecado embora as mães não acreditassem. Como não sabiam de nada eram as primeiras a falarem mal da filha do vizinho. A imperfeição do ser humano só enxerga o cisco no olho alheio. Eu até acho que os comentários eram demasiado grandes sobre os coitados dos namorados! Quem não gosta de namorar! Qual adolescente principalmente o de nossa época, que não tem uma história! Ele sente-se envaidecido ao lembrar os grandes momentos inesquecíveis de sua juventude, sua virilidade, enfim, um homem completo na verdadeira acepção da palavra, eternamente perseguido pela mulherada.

Mesmo que a maioria das pessoas não se iniba em se amar em qualquer lugar em plena luz do dia, ainda há quem se constranja em fazê-lo em público. Por mais que o mundo tenha-se modernizado, nós da jovem guarda ainda preferimos namorar e beijar em lugar escondido, entre quatro paredes .

Mas isso depende da forma como o indivíduo foi educado. As instituições religiosas são totalmente contra, não admitem cenas de amor em lugares freqüentados por pessoas idosas e crianças. Aliás, todo excesso deve ser evitado. E é justo que o faça a Igreja porque é bom para a estruturação da família cujos frutos tendem a serem cidadãos de bem.

Mas vale lembrar que namorar é um deleite da alma e é sem dúvida a melhor coisa que se faz no mundo! Faz bem à saúde, à pele, à circulação; o olho brilha, o coração bate forte, o sangue ferve. Quem disser o contrário certamente nunca viveu um momento tão sublime. Para os que ainda não passaram pela experiência, a Pracinha do Pecado ainda existe e oferece essa oportunidade.

Aproveite-a, porém não quebre todas as lâmpadas senão fica escuro demais.
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Foto da escultura: xexe.tipos.com.br/arquivo/2004/11/28/as-coisa...
Foto do luar: heliojenne.multiply.com
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Luiz Alpiano Viana, nascido e criado em Ipueiras, morou mais tarde em Crateús. Atualmente é funcionário aposentado do Banco do Brasil e mora da cidade de Sobradinho, no Distrito Federal.

10.6.07

SANTO CASAMENTEIRO

Por
Dalinha Catunda


Meu Santo Antônio querido,
Tenho por ti devoção.
Por isso, suplico e te imploro
Um pouco de compaixão.

Estou ficando passada,
Com a validade vencida
E um casamento agora
Seria uma boa pedida.

Não sou lá muito exigente,
O que quero é me casar.
Se for de segunda mão,
Mesmo assim vou aceitar.

O que não quero, meu santo,
É ficar para titia.
Me poupe desse vexame,
Me livre dessa agonia.

Seja até uma união,
Sem noivado e casamento.
A esta altura, meu santo,
Topo até ajuntamento...

Comprei velas e mais velas
E tenho um pressentimento:
Antes de que feche junho,
Vai me pintar casamento.

Lembrei-me agora, meu santo,
E isso não vou esquecer:
Assim que a graça alcançar,
Teu menino vou devolver!

Daquele pote com água,
Também vou te resgatar.
Flores e toalha rendada,
No oratório vão te aguardar
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Foto de Santo Antônio:
www.wmaker.net/portorl/index.php?subaction=mo...
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, escritora e cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens.

BRECHÓ NO VILLAGE

Por
Lin Chau Ming

Três anos atrás, meu filho mais velho morava na cidade de São Paulo e fazia um curso de teatro, profissão que pretende seguir. Fazia em uma escola onde alguns artistas já consagrados ministravam aulas e workshops.

Visitamo-lo num final de semana, dormimos no apartamento onde morava, perto da Nove de Julho. No domingo, saímos para almoçar, andando pelas ruas da capital, subindo em direção à Avenida Paulista. Diferente do corre-corre dos dias de semana, os domingos são tranqüilos, com poucos carros pelas ruas.

Naquele dia, porém, algo estava diferente. Havia muita gente nas ruas naquela região. À medida em que subíamos em direção à crista da avenida, grupos cada vez mais numerosos de pessoas estavam à nossa volta. Outro detalhe: todos vestidos com roupas extravagantes, fantasias coloridas.

Os adereços usados já indicavam o evento. Estávamos indo em direção à Parada Gay, cujo nome oficial não é esse, pois esta envolve não apenas seguidores dessa orientação sexual, mas de todas elas, incluindo os héteros apoiadores.

Era uma festa divertida, diversos tipos de pessoas estavam por lá, muitos fantasiados, outros nem tanto. Muitos balões com as cores do arco-íris, representando esse movimento. A alegria era marca da grande maioria. O dia ensolarado ajudava no estado de espírito das pessoas.

Encontrei, no meio da multidão, um professor da UNESP. Outro da USP. Como sabia? Eram meus conhecidos, de encontros em congressos científicos. Havia algum da UNICAMP ou de outra universidade? Sim, decerto, mas não os conhecia. Já faz tempo que “sair do armário”, jargão que se tornou popular para designar as pessoas que assumiam sua nova orientação sexual, não causa mais aquela insegurança, medo às vezes, para essas pessoas. Se mostrar abertamente passou a ser uma atitude corriqueira.

Nada tenho contra a escolha de cada um, talvez apenas um pequeno estranhamento, causado por educação mais conservadora, mas que, com o tempo, tenho tirado de minha cabeça, pelo convívio com pessoas de diferentes orientações.

Aqui nesta cidade, penso que essas questões estão também sendo superadas. É muito comum encontrar casais homossexuais pelas ruas. Como eu sei? Não perguntei, isso não é coisa que se faça, mas alguns comportamentos não me deixam mentir. Mãos dadas e pequenos afagos, mútuos, devem indicar uma relação mais íntima.

Não conheço Amsterdan ou alguma outra cidade européia, onde, dizem, a liberalidade é bem maior, mas os Estados Unidos, país até bem conservador algumas décadas atrás, estão andando com ventos mais arejados. São Francisco, na Califórnia, é um marco desses novos tipos de ares que passaram por aqui, na costa leste americana..

Houve um caso recente em que o governador de New Jersey assumiu publicamente sua condição de homossexual, “getting out of the closet”, causando uma certa celeuma pelo cargo que exercia (renunciou no dia do anúncio, com a esposa ao lado) e depois pelo processo judicial movido para a guarda da filha, mas depois, nada mais. Penso que a sociedade americana absorveu a situação.

Certos locais em Manhattan são bastante freqüentados por eles. No Village, há lojas exclusivas para esse público. Bares e casas noturnas já são comuns há um pouco mais de tempo. Como morei nesse bairro por um tempo e andava bastante pelas ruas, era possível estar perto deles.

Conheci um travesti, John, ou Johnny, como preferia, dono de um pequeno brechó, numa esquina perto da Broadway. O brechó não era legalizado, utilizava a calçada em frente a uma loja de roupas e objetos usados (esta sim, legalizada) para colocar umas mesas, caixas e araras, dispondo seus produtos. Trazia-os dentro de uma pequena van, e fazia seu trabalho itinerante, já que a este lugar vinha apenas nos finais de semana.

Era um homem alto, forte, cinquentão, e usava, invariavelmente, em todas as vezes que por lá estive, uma jaqueta que imitava pele de onça, uma calça roxa, tipo colant e um chapéu tipo militar, preto, além de uma bota de cano longo, combinando com o chapéu.

Comprei algumas coisas, todas muito baratas. Pechinchar com ele não era difícil, sempre dava o desconto que eu pedia ou fazia um preço que eu considerava acessível. Que tal um sobretudo de lã e uma jaqueta de couro, por apenas 7 dólares cada? Outro sobretudo, desta vez para mulher, por cinco? E uma maleta, dos Seabees, um grupo musical de Minnesota, dos anos 40, por 10? Uma verdadeira bagatela.

Deixei encomendadas outras coisas. Prometeu ir atrás, pois não as tinha no momento. Seu companheiro, um mexicano radicado há vários anos aqui, iria ajudá-lo nesta empreitada. Uma força a mais na busca de outros produtos baratos da cidade.

Voltarei ao Village outras vezes, ver se conseguiram arranjar meus pedidos.
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Lin Chau Ming é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Ensino "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (1981), doutor em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995). Atualmente é professor adjunto da UNESP em Botucatú-São Paulo. É editor chefe da Revista Brasileira de Plantas medicinais. Este ano (2007), Está hoje em Nova York, na Columbia University, fazendo pós-doutorado na área de Etnobotânica.

9.6.07

SONHOS ENTORPECIDOS

Por
Ângela Gurgel


Ao tragar aquela fumaça
Ele acendia sua desgraça
Tornando-se escravo de um vício.
Que o jogaria no precipício.

Deixava-se envolver pela alegria contagiante
Que durava apenas alguns instantes
Mas quando passava o efeito
Voltava àquela velha dor em seu peito.

E a fumaça virou pó
Depois pedra, algo injetável
E mesmo assim sentia-se só
Perdido e cada vez mais miserável.

Da criança pequena e amada
Resta muito pouco ou quase nada
Apenas um corpo completamente perdido
Sem vida, sem esperança. Entorpecido.

Todos os sonhos foram queimados,
Sugados por alguma seringa contaminada
E seu corpo hoje todo picado
Abriga apenas uma vida destroçada.

Não há mais sonhos ou dignidade
E o que começou como curiosidade
Nos tragos, cheiros, picadas
Matou o homem a golpes de “pedradas”.

Vendo-se morto e abatido
Ele nada consegue fazer
Foi pelo tormento vencido
Agora só resta em vida morrer.

E a mesma dor lhe acompanha
Somada a uma outra ainda pior
Nascida de uma fraqueza tamanha
Que torna o sofrimento ainda maior.

Acreditou nos sonhos de fantasia
Viveu uma vida vazia
Deixando de lado tudo que aprendeu
Agora não pode voltar atrás – morreu!

Seu corpo esquelético e sem vida
É apenas mais um a virar estatística
Em algum instituto de pesquisa
E ser esquecido logo em seguida.
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Ângela M. Rodrigues de Oliveira P. Gurgel, poetisa, nasceu em Mossoró-RN, tendo vivido em outras cidades do Rio Grande do Norte (Almino Afonso, Caraúbas, Caicó e Natal) e do Pará (Tucuruí e Marabá). Atualmente mora em Mossoró-RN. Graduada em Ciências Sociais, cursa atualmente Filosofia na UERN (Universidade do Estado do RN) e Direito na UnP (Universidade Potiguar). Já exerceu o cargo de Secretária de Educação em Caráubas, onde também foi Diretora de uma escola de Ensino Médio.

8.6.07

DETE E ZÉ GAMELA

Por
Jean Kleber Mattos


Tarde da noite de um dia comum. Brasil, século vinte, anos cinqüenta, cidade de Ipueiras, Estado do Ceará. Dois rapazes afixaram um pequeno cartaz na parede de uma casa na esquina leste da Praça Getúlio Vargas, em frente ao Educandário. Após retiraram-se, minha avó, D. Luizinha, chamou-nos para ver. Lá, anunciava-se um espetáculo de música, mágicas e palhaçadas com dois protagonistas: Dete e Zé Gamela. Seria no salão da prefeitura.

Minha mãe, D. Mundita, analisou o anúncio e comentou: "acho que conheço esse povo!". Lembrou de uma ex-colega da Escola Normal em Fortaleza que tinha dotes musicais e que casara com alguém do ramo, pois tinha planos de seguir a vida de trupe. Bernadete era o nome. Não deu outra.

Chegada a trupe, hospedaram-se na pensão do Meton, próximo à nossa casa. Fizemos-lhe uma visita. Era realmente Bernadete, a ex-colega de D. Mundita. Cabelo longo, levemente oxigenado, sobrancelhas bem raspadas, maquiagem destacada. Típica artista do “show business”. O marido, um autêntico comunicador. Dom da palavra. Perfil aristocrático.

Três noites de show apenas. Os dois cantavam bem. Dete fazia “cover“ de Carmen Miranda, ao vivo, pois não havia “play back” naqueles idos. O casal fazia ainda o famoso número mágico das adivinhações. Com os olhos vendados e de costas para a platéia, Dete respondia com precisão às perguntas que o marido lhe fazia sobre as vestes e os objetos portados pelos espectadores. O ponto alto era quando ele solicitava a um dos presentes que lhe mostrasse dinheiro em cédula. Dete, à distância, recitava o número de série da nota respondendo à pergunta de Zé Gamela. Truque antigo. Código de palavras. Impressionava, contudo.

Os filhos, um menino e uma menina assistiam a tudo. Volta e meia, a menina, ainda muito pequena, fazia um dengo. Zé Gamela pedia então ao filho, de oito anos, para dar uma voltinha com a irmã. O show estaria incompleto sem as piadas e as palhaçadas. Zé Gamela dizia que nós deveríamos ter o estômago na barriga, para virar o prato de comida direto lá. O nariz deveria ser na axila para bem fechá-lo aos maus cheiros, e o olho, na ponta do dedo indicador para facilitar buscas e olhares furtivos. Neste momento, fazia um gesto malicioso.

No segundo dia, em meio ao show, Dete teve um acesso de pranto. Retirou-se por breves instantes aos bastidores, enquanto o marido fazia a “cortina”. Cuidadoso, Zé Gamela perguntou à platéia se ocorrera algo extra. A resposta, em coro, foi não. Dete logo voltou sorridente. Pediu desculpas.
Interpretando, minha mãe e minha avó acharam que a presença delas na platéia, testemunhas que haviam sido da adolescência da artista, motivara aquela emoção. Sabe-se lá o que passa na mente das pessoas. Talvez a síndrome do “tudo o que poderia ter sido e não foi”.

O casal fez-nos uma visita para um café vespertino no dia seguinte. Crianças incomuns. A vida nômade de trupe parecia amadurecê-los precocemente. O garoto, da minha idade, era mais falante e parecia mais seguro que eu. Em dado momento, segredei à Rita Mourão que, menina, estava conosco naquele dia, o apelido que a meninada da escola pusera no garoto: “gamelinha”. Rita sorriu. A confidência irritou Gamelinha, que atacou com um discurso moralista, dizendo que segredos ao pé do ouvido não eram coisa para homem.

A cidade dividiu-se quanto ao show. Alguns, mais liberais, se haviam divertido com o espetáculo. Os mais conservadores ou puritanos no entanto, implicaram com a “barriga de fora” da “cover” de Carmen Miranda e com os gestos “indecentes” de Zé Gamela, ao descrever o olho no dedo.

Nunca mais os vimos, nós lá de casa. O casal foi rapidamente esquecido na cidade. Restou-me além, a visão do salão da prefeitura lotado e os leques das senhoras abanando o calor de Ipueiras em ritmo acelerado. Um espetáculo à parte.
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Foto do prédio da Prefeitura de Ipueiras:
Foto: afixando cartazes:
Foto de Carmen Miranda:
Foto de palhaços:
oglobo.globo.com/.../08/08_MVG_cult_palhaco.jpg
Foto de mulher chorando:
Foto de senhora com leque:
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Jean Kleber de Abreu Mattos, cearense, nascido em Fortaleza, viveu em Ipueiras dos dois aos oito anos de idade. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco. Atualmente doutor em Fitopatologia, é professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

7.6.07

QUESTÃO DE GOSTO

Por
Dalinha Catunda

Ipueiras para mim, sempre teve um sabor especial. Revivo nas lembranças do presente o doce gosto do passado. Muitas vezes incomodo os menos saudosos com minha cantilena, porém, conto com uma boa parcela de adoradores do passado que se enlevam com meus saudosos suspiros. Minha intenção não é apenas remoer tristezas, meu prazer maior é desenterrar e espalhar alegrias.

Assim sendo, vou falar dessas coisinhas de cidade do interior que ficam grudadas na gente, e por mais tempo que se possa ter numa cidade grande, elas não arredam. Eu sempre relaciono comer a prazer, e prazer a pecado e pensando assim, muitas vezes pequei pela gula. Difícil resistir às guloseimas que invadiam Ipueiras nos bons anos de minha alegre existência.

Aos sábados era sagrado comer bolo manzape na feira. Por mais que espalhassem que aquele bolo gostoso, embrulhado na palha da bananeira, era amassado com os pés, não inibiam os fiéis compradores.

Na esquina do Simão se tomava oricuri, na esquina do Guarani chupávamos o picolé de dona Joaninha. O de abacate era saborosíssimo, ficou na História. A bodega do Nicácio era o "point" dos estudantes do colégio Otacílio Mota que faziam fila para merendar pão recheado com doce de leite. Era a merenda da hora.
Ah!!! E as palmas do Olegário? A criançada vivia de boca branca de tanto comer palma, mas não bastava ser palma, tinha que ser do Olegário. No "bulim" (biscoitos feitos com goma), as mãos mágicas eram de dona Etelvina, mãe da professora Alice Paiva. Os biscoitos feitos por ela desmanchavam-se na boca.

Tínhamos ainda, dona Neném do Genáro especialista em pirulitos, aqueles... vendidos em tábuas, aos gritos dos meninos. Recordo-me das chupetinhas feitas com o mesmo material do pirulito, porém não sei quem as fazia.Fica aí uma pergunta no ar.
O peito de moça era um pão de massa fina, melado por cima, e super saboroso. Acho que todos os padeiros da época faziam o tal pão. Engraçado que este pão era vendido, num cesto, só à tarde, de porta em porta. Há um salgado, chamado canudinho, recheado com paçoca, que nunca comi em outro lugar, com aquele gosto. Este eu considero um sabor típico de Ipueiras. Lá ainda se faz, mas o recheio é cremoso, porém, prefiro o sabor antigo.

Um sabor que ficou impregnado em mim, foi o do buriti. Sempre que chego em Ipueiras procuro a pamonha de buriti, para fazer doce ou a sembereba, que é um suco engrossado com farinha. Só que depois de tomado, bate um sono... A bolacha fogosa, não foi uma de minhas preferidas, mas sei que fez a alegria de muitos. Farinha de pipoca! Comi muito. Mas, outro dia fui tentar e me entalei. Com certeza perdi a prática.

Outra coisa que comi em criança, de me lambuzar, mas meu paladar adulto não aceita mais, é ovo batido com açúcar. Eu não me perdoaria se terminasse esse relato sem falar de Vicente, o padeiro mudo, que falou quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima passou por Ipueiras vinda de Portugal. Dele era o pão mais gostoso que já provou minha cidade.

Vou sempre afirmar que, Ipueiras tem um sabor especial, mas lógico, que é questão de gosto.
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Foto doce de buriti: sites.uai.com.br/.../lontra_docedeburiti.htm
Demais fotos: próprias deste blog
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, escritora e cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens.