Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

28.6.08

EU SOU CONTRA JOSÉ DE ALENCAR !

Por
Raymundo Netto

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Entendo que o título deste breve artigo pode causar estranheza no leitor, mas não se preocupe que explicarei, rapidamente, a razão de tal rompante. Caso, mesmo após a devida justificativa, não me perdoe, paciência...Na verdade, eu sou é contra a mudança do nome do bairro Alagadiço Novo para José de Alencar.
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Ah, você não sabia? Pois sim, li no jornal que a Câmara Municipal, dia 26 de dezembro de 2007, aprovou a mudança, por reivindicação da comunidade (falou-se de 800 assinaturas), da denominação Alagadiço Novo para José de Alencar, alegando ser o bairro de nascimento do escritor, onde ainda hoje se ergue a sua casa.
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Concordo que a Casa de José de Alencar é um equipamento de grande valor cultural e patrimonial até porque foi lá, no sítio Alagadiço Novo, que morou o Senador Alencar (que além de tudo ainda ocupou o cargo de Presidente da Província), nasceu seu filho, o bom José, e onde implantou-se o primeiro engenho a vapor no Ceará (1836).
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Sim, isso tudo aconteceu no Sítio Alagadiço Novo.Não desmereço a homenagem ao escritor, mas, confesso, o nome Alagadiço Novo já era uma homenagem ainda mais completa e, historicamente, mais significativa.Li também que a iniciativa partiu do humorista João Neto que, a meu ver, não foi muito feliz na idéia. Aliás, eu nem vejo nada de “pejorativo” na antiga denominação. Acho até poética e “romântica”, viu, João?
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Eu lamento muito que devido a essas “iniciativas”, tenhamos perdido a nossa rua da Alegria, a do Cajueiro, a das Flores, a das Belas e outras tão bucolicamente denominadas por nossos antepassados. Com essas perdas, infelizmente, se vão também os registros de memória! Penso que o José de Alencar não precisa disso e que, seguindo a mesma lógica, daqui a alguns anos, alguém poderá cismar que esse nome de Fortaleza também deva ser trocado para “Alencarina”... .
Eu, desde já, sou contra!
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Legenda da foto de O POVO: as ruínas do velho engenho do sítio encontradas na Casa de José de Alencar já estão abertas à visitação.
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Raymundo Netto é escritor, apaixonado nem sabe o porquê por esta Fortaleza, e a ela dedicou o romance Um Conto no Passado – cadeiras na calçada e mais algumas horas.

25.6.08

VIOLETA E RUTH, DUAS GRANDES PERDAS

Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau faleceu a 17 de junho de 2008 com 82 anos, no Rio de Janeiro, vitimada por câncer de pulmão. Nascida no Crato (Ceará), migrou ainda adolescente para o Rio, em companhia do irmão Miguel Arraes. Lá, estudou nos colégios Sacre-Coeur de Marie e Santo Amaro. Ali conheceu o Padre Hélder Câmara, de quem se tornaria colaboradora. Militou no Secretariado Nacional da Ação Católica. Formou-se em sociologia pela PUC do Rio. Estagiou no Centro Internacional de Economia e Humanismo, dirigido pelo famoso Padre Lebret. Em Paris conheceu o futuro marido, Pierre Maurice Gervaiseau. Por ocasião do golpe militar de 1964, quando Miguel Arraes foi deposto do cargo de governador de Pernambuco, o casal, que atuava no governo, foi preso e exilado, voltando então a viver em Paris. Lá, Violeta conviveu com intelectuais como Celso Furtado e Jean Paul Sartre. Sua residência era ponto de encontro de intelectuais e refúgio de brasileiros exilados. Na volta ao Brasil com a redemocratização, assumiu, entre outros cargos, a Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará em 1988, no primeiro governo de Tasso Jereissati. Violeta Arraes manteve um discurso de procurar ir além da produção de obras e eventos. Em 1997 assumiu a Reitoria da Universidade Regional do Cariri (URCA), para a qual contribuiu em bandeiras como a defesa do reconhecimento da Chapada do Araripe como área de proteção ambiental. Ali permaneceu até 2003.

Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso faleceu ontem, 24 de junho de 2008, aos 77 anos, em decorrência de problemas cardiovasculares. D. Ruth Cardoso, como era conhecida pelos brasileiros, nasceu em Araraquara-SP em 1930. Doutora em Antroplogia pela Universidade de São Paulo (USP), lecionou na mesma universidade. Também foi professora na Universidade do Chile, na Maison des Sciences de L'Homme em Paris, Universidade de Berkeley na California (USA) e na Universidade de Columbia (Nova York-USA). Atuou também na Inglaterra, em Cambridge. Ela estava casada havia 55 anos com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem teve três filhos. O casal, que se conheceu ainda nos tempos de universidade, chegou a viver junto no Chile, durante o exílio que lhes foi imposto pelo golpe militar ocorrido no Brasil a 1º. de abril de 1964. Primeira dama do país no governo do marido, não era vista à sombra do presidente. Tinha vida própria. Brilhava por si. Ruth Cardoso publicou vários livros sobre a problemática social humana. Em 1995, durante o mandato do ex-presidente, fundou o programa Comunidade Solidária, de combate à pobreza e à exclusão social.
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Fotos:
D. Violeta: site urca.br
D. Ruth: site veja.abril.com.br
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NOTA DO BLOG: O blog Suaveolens associa-se a dor dos familiares e amigos dessas duas heroinas brasileiras. É grande a perda para o povo brasileiro de duas mulheres que souberam assumir como brasileiras seu papel na construção de uma grande nação. Recentemente (2013) recebemos a informação de Carlos Saraiva (URCA) de que D. Violeta Arraes nasceu na verdade em Araripe-CE.

24.6.08

REAL AERONORTE POUSANDO NO CRATO

Por
José do Vale Pinheiro Feitosa

O cariri cearense faz parte da história nacional desde o século XIX. Aliás, isso quer dizer que desde sempre, uma vez que o nacional brasileiro só passou a existir de fato neste século. Em outras palavras o que era nacional e fazia parte da evolução histórica do mundo sempre esteve presente na região. Independente de no início a cidade do Crato ser muito acanhada, também o era o império brasileiro inteiro. Então o fato é sempre estivemos pari passu com a dinâmica do mundo. O que surpreende não é o fato, mas a geografia onde tal ocorria. O cariri fica no centro do hinterland nordestino (assim a chamava Padre Gomes) distante do arco do litoral do qual se afasta na média de 650 quilômetros ou mais.

Os modernos meios de transporte, como o trem e caminhões, facilitaram enormemente este papel da região. A avidez por meios rápidos foi total. Nada diferente do que ocorreu em todas as populações do século XX, mas de muito maior significado, foi o advento do avião, das fabricantes dos mesmos e a conseqüente aviação comercial e militar. Até hoje ainda repercute na cidade do Crato o histórico do seu filho Brigadeiro Zé Macedo, dada a importância que teve no nosso imaginário tanto subjetivo como objetivo (algo que considerar sobre o bombardeio aos retirantes do Caldeirão?). Mas o tema mesmo é o avião e sendo avião fazer um guisado composto de memória e pesquisa.

Gledson, sua vírgula de barba sob o lábio inferior. A camioneta, ou sopa, ou o que nome se tenha, que era exclusivamente para idas e vindas ao Aeroporto Nossa Senhora de Fátima bem no cimo da chapada do Araripe. Isso numa época em que as chuvas atolavam os veículos que pretendiam subir a ladeira das guaribas. Quem há de esquecer a freqüência com que Cândido Figueiredo, magro, risonho, alegre com a vida, subia até o aeroporto para pegar mercadoria. Pois bem, Cândido é responsável pelo maior mito automobilístico que até hoje guardo: um Cadilac Rabo de Peixe, conversível, verde claro. E aí João que furo nos demos, porque não conseguimos guardar até hoje aquele carro do teu pai? Você não teria fotos do mesmo? Envie para o Dihelson que ele publica neste tapete persa em que se tornou a rede do blog do Crato. Mas o Dihelson é isso mesmo: tem mania de grandeza como o Crato.

Aos mais antigos que eu e meus contemporâneos sabe o que me veio na memória? O Coringa da Real Aerovias e depois Real Aeronorte posto bem na frente da aeronave. O símbolo da companhia era um corcunda que eu não associava ao baralho, remetia-me ao romance de Victo Hugo. Dizem que o coringa se originou de duas lendas: uma em que um dos fundadores da Real e sua verdadeira alma, o comandante Lineu Gomes, ex-piloto da TACA, gostava de jogar baralho e o coringa valia qualquer coisa, era a sorte no baralho. Ele teria comprado a primeira aeronave da companhia no carteado. Mas outra versão há que o coringa era uma referência a um funcionário corcunda da empresa que era uma espécie de mascote da sorte do próprio Lineu.

A Real teve uma história não muito longa: durou 14 anos, de 1946 até 1960. Aliás, esta é a natureza das companhias aéreas: quantas gigantes não já sucumbiram nos últimos 60 anos? No entanto sua história é fantástica: chegou a ter em sua frota 116 aeronaves, sendo classificada pela IATA na sétima posição do ranking mundial. A empresa se expandiu comprando outras e se associando a gigantes, terminando por formar um consórcio sob a bandeira dela. Ela é uma das primeiras empresas brasileiras a de fato fazer rotas internacionais regulares, como Miami e Chicago no ano de 1956. Foi uma aviação pioneira na travessia do Pacífico, quando recebeu quatro Constellations, inaugurou um vôo para o Japão, isso numa época em que se voava naquela imensidão sem horizontes com um sextante e fazendo duas escalas a partir dos EUA: Honolulu e Ilha Wake.

A Real também foi a primeira a ter vôos regulares para Brasília ainda em sua fase de construção (1957). Chega o ano de 1960, a companhia comemora seu aniversário com cifras impressionantes: 12 milhões de passageiros transportados, rotas para sete países e uma das melhores estruturas do país (escola própria para formação de suas equipes, mais de um milhão de horas voadas etc.). Neste ano três desastres abalam a empresa. O primeiro deles ocorreu em fevereiro, uma aeronave vinda de Campos no Estado Rio de Janeiro choca-se com um avião militar americano que vinha de Buenos Aires para o Galeão. Morrem 26 pessoas na aeronave da Real e 35 no avião americano. A investigação da Aeronáutica apontou que a culpa teria sido do piloto americano, mas a investigação independente da US Navy culpou as condições de controle do tráfico aéreo brasileira, eximindo os dois pilotos. Esta história faz parte das referências primeiras para o exame do recente desastre da Gol.

Em junho de 1960 uma aeronave Convair 340 da Real realizando uma aproximação noturna do aeroporto Santos Dumont no Rio, chocou-se com o mar, morrendo 49 passageiros e 4 tripulantes. Este faz parte dos grandes desastres em número de vítimas da aviação comercial brasileira no século XX. Não tive como comprovar, foi impossível achar a lista de passageiros, mas acho que neste acidente morreu um comerciante do Crato, cujo nome me foge à memória agora, o qual era dono de um posto de gasolina Texaco bem no final da rua da Vala. O terceiro acidente foi na Serra do Cachimbo no Pará, numa rota entre Manaus e Cuiabá, quando o avião começou a perder altura, a tripulação ainda jogou a carga fora, mas não conseguiu evitar o choque com a serra.

A Real é vendida por mais de dois bilhões de cruzeiros para a VARIG numa transação que envolveria "forças ocultas", as mesmas que logo a seguir estariam na renúncia do Presidente Jânio Quadros segundo explicações dele mesmo. A transação de compra foi rápida e VARIG assumiu toda a malha e as aeronaves e logo os cratenses começaram a observar nova bandeira comercial em seu aeroporto. Aquilo também marcou a transitoriedade das empresas filhas dos homens e como eles mortais: Lineu Gomes estava no fim da vida.
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Foto do avião CONVAIR 340: site wonwinglo.scale-models
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José do Vale Pinheiro Feitosa – nascido na cidade de Crato, Ceará, em dezembro de 1948, morando no Rio de Janeiro há 34 anos. Médico do Ministério da Saúde. Publicou o Romance Paracuru em 2003. Assina matérias em alguns blogs e jornais. Em literatura agita crônicas, contos, poesia e ensaios de temas variados. Gosta de pintar e tem alguns trabalhos de escultura. Colabora no Blog da Cidade do Crato.

20.6.08

QUADRILHA

Por
Dalinha Catunda

Maria bonita
vestida de chita
dançava São João.
Em meio a quadrilha,
seguia a trilha
do seu coração.
Coração aventureiro
gostava de Pedro,
e queria João.
João tava difícil,
não foi sacrifício
pegar noutra mão
Viva S. Pedro!
Viva S. João!
Maria era bonita!
E com laço de fita
virou perdição.
Com cabelos trançados,
e seu requebrado,
chamava atenção.
Dançando faceira
esqueceu-se de Pedro,
e também de João.
Nos braços de Antônio
perdeu-se nos sonhos,
ardeu-se em paixão.
Foi aí que Maria
perdeu sua fita
rolando no chão.
Maria aflita
sem laço de fita
engrossou a cintura
e fugiu do sertão
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Foto: acervo da autora.
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Nota do blog: com estes versos de Dalinha Catunda o blog Suaveolens integra-se ao apelo das festas juninas.
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, Escritora e Cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio: (cantinhodadalinha.blogspot).

17.6.08

A PRAÇA CENTRAL DE IPUEIRAS

Por
Bérgson Frota

Toda cidade tem seu “marco zero”, o local exato de onde a cidade nasceu e cresceu.
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Quando Ipueiras completou 50 anos de municipalidade, em 1933, o então prefeito da época Sr. Luiz Moreira de Carvalho para comemorar a data resolveu construir uma praça. Diferente de outras cidades do interior, Ipueiras não cresceu em torno da Igreja Matriz, talvez devido a pouca ostentosidade do templo, que mais parecia uma capela. Portanto o local escolhido foi justamente o maior espaço aberto na época já quase todo cercado por casas.
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Limpou-se e aplainou-se o terreno, pois não era plano e tinha algumas caranaúbas.
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A praça começou a ser feita, derrubaram-se árvores nativas e plantaram pés-de-figos que serviriam para ornamentar a obra.
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No centro um obelisco foi construído, de cor branca e com duas listras azul celeste, separando as passagens de cada fase. Ao pé do mesmo uma placa de bronze indicava que o monumento fora construído em comemoração ao cinqüentenário do município.
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Esta praça como foi construída, permaneceu inalterada até meados da década de 40, quando o obelisco foi demolido e decidiu-se então por ser um período posterior à Segunda Guerra, homenagear o grande presidente Getúlio Vargas.
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No lugar do obelisco foi erguido um busto ao chefe da Nação.
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Algumas características foram mantidas, entre elas uns bancos clássicos da praça primeira, bem como o desenho da calçada de passeio.
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Quanto ao obelisco, este ficou somente em fotos raras, relegada ao acesso de poucos. Então novas mudanças vieram.
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Na década de 70, fez-se duas novas praças. A primeira logo demolida, pois era sem graça e tinha poucas árvores, pouco demorou a segunda, com jardins altos e no centro uma fonte, no meio, em cima de duas paredes paralelas feito colunas, o busto de Getúlio Vargas. Assim ficando até a metade da década de 80, quando novamente sofreu a terceira modificação.
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A praça que ainda tinha o nome do ex-presidente, sobreviveu ao início do século XXI, mas sofreu uma mudança drástica, o monumento ao ex-presidente foi transferido para um dos lados da mesma e no centro foi construído um quiosque de alvenaria, ainda existente.
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Quanto ao busto do presidente, este acabou por ser retirado da praça, e finalmente desapareceu.
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Dois ou três anos depois, a praça passou a chamar-se Maria Lima, nome pelo qual é oficialmente conhecida.
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Esta praça guarda para a cidade de Ipueiras uma fonte rica de dados, foi nela que fatos importantes, alegres e determinantes para a história da cidade ocorreram.
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Mesmo já tendo sofrido muitas mudanças, hoje, embora com outro nome, ainda lá está, no coração da cidade. É a praça principal, a praça que para os da terra, não importa o nome oficial que se dê, será sempre a eterna e mutável Praça Central de Ipueiras.
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(Foto pertencente ao acervo do autor.)
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Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzido artigos de relevância atual.

14.6.08

DIÁLOGO NA PORTA DO CÉU

Por
Jeremias Catunda

São Pedro muito contrito
Disse baixinho a Jesus:
Marido de mulher feia
Já carrega a sua cruz.

E Cristo compadecido
Embora mui carrancudo
Disse Pedro abra também
O céu a quem for chifrudo.

E Madalena num canto
Com ares de arrependida
Disse Pedro deixe entrar
A mulher prostituída.

Nisso um anjo unissex
Se rebolando enfeitado
Pediu a entrada franca
Do bicha do bom veado

Vendo isso um nobre arcanjo
Gritou alto em tom viril
Com essa anarquia toda
O céu ja virou Brasil...

(Ano da Graça de 1983)
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Figura: site planetanews.comprodutos
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JEREMIAS CATUNDA MALAQUIAS. Ipueirense poeta, escritor, esportista, intelectual. Hoje octogenário, permanece sendo uma das maiores referências da intelectualidade ipueirense. Jeremias é pai do escritor e pesquisador Bérgson Frota, destacado membro da equipe de colaboradores deste blog.

12.6.08

NAMORO À MODA ANTIGA

Por
Dalinha Catunda
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Quando nos conhecemos
Era eu, uma flor em botão,
Você um quase menino,
Pleiteando meu coração.
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Quase afundou minha rua,
De tanto passar por lá,
Olhava-me e até piscava,
Sem coragem de chegar.
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Quantas dificuldades,
Imagine a emoção,
Até ficar lado a lado,
E pegar em minha mão.
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Foram cartas e bilhetes,
Recados pelos amigos,
No rádio canções ofertadas,
Encantavam-me os ouvidos.
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Depois da primeira dança,
Pintava o primeiro beijo,
E nós, jovens adolescentes,
Embalávamos os desejos.
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Surgiam então as brigas,
Como era de costume,
E o choro dos namorados,
Em nome do velho ciúme.
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Depois do vendaval,
Alegria e reconciliação,
As brigas só temperavam,
O amor e a paixão.
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Hoje é tudo tão fácil,
E um tanto sem sabor
A mulher já não é caça,
Nem o homem caçador.
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Ficar é a pedida,
Foram-se os rituais.
Namoro à moda antiga,
Com certeza nunca mais.
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NOTA DO BLOG: Com estes versos de Dalinha Catunda, o blog Suaveolens homenageia o Dia dos Namorados!
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Foto: site oglobo.globo.com
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, Escritora e Cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio: (cantinhodadalinha.blogspot).

9.6.08

RE/UNIÃO PELO CEARÁ

Por
Marcondes Rosa de Sousa
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Virgílio Távora, 20 anos de morte! Data em branco quase, justo quando cobramos, de nossos dispersos políticos, um Ceará não mais perdido de seu projeto, como agora. VT, o histórico ícone de tal união, único político lembrado "cearense do século XX".
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Infante em Ipueiras, tal qual o oscilar entre a grandiloqüência das cheias e a solidão das cacimbas no rio Jatobá, vi UDN e PSD em crônico litígio. Cena que me ficou: dois inimigos políticos, em luta na coxia em frente de onde morávamos, desarmados por meu pai, conciliador, que, por uma janela, atirou-me para dentro de casa...
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Nos anos 60, estudante universitário de esquerda, veria Virgílio postar-se ao lado de João Goulart e a costurar tendências em luta na "União pelo Ceará", sob o pacto do Plameg (Plano de Metas Governamentais), a lhe pautar horizontes: integrando-o pela BR-116 ao País, industrializando-o a partir da energia de Paulo Afonso, gerando trabalho e renda, a educação a se democratizar...
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Anos 80, fim de ciclo. E, sobre essa época, a confissão que nos fariam os do Movimento Pró-Mudanças contra os "coronéis": "Quem mais nos deu apoio foi VT. Por ironia, um coronel!"
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Novo ciclo, sem dúvida, agora. No País, cheias prenunciando grandezas. Mas nós, perdidos do horizonte de um novo amanhecer. Nossos políticos, em seus narcíseos arquipélagos, sob o falso deleite dos pés de murici, cada um a cuidar de si. E, infantes, todos nós a saborear o ilusório "sem porto" das bolsas... Nossa educação, entre as piores do mundo, morrendo na praia. Praia a não atingir, em sadio desenvolver-se, o cidadão (ser social), o profissional (o construtor pelo trabalho) e a pessoa (o ser transcendente).
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Hora das cheias a sepultar solitárias cacimbas. E a nos enfrasar na esperança de janela em mim marcada desde a infância, rumo ao sustentável futuro!
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Publicado originalmente no jornal O Povo, de Forteleza-CE, em 09/06/2008
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Foto: Cel. Virgílio Távora, governador do Ceará nos anos 60, século XX. Site veja.abril.com.br
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Marcondes Rosa de Sousa, advogado, é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECe). É uma das maiores autoridades em educação do Brasil. Ex-presidente do Conselho de Educação do Ceará e do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, é Colunista do jornal " O Povo ", onde mantém seus artigos quinzenais.

3.6.08

A LAGOA DA BESTA

Por
Luiz Alpiano Viana
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Meu avô cavou uma cacimba no leito do Rio Jatobá, exclusivamente para dar de beber aos animais dos quais cuidava periodicamente na propriedade. Entre outras coisas ele era também um domador de cavalos. Adestrava-os conforme o pedido de seu dono.
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A cacimba ficava a uns dois km do cercado da pastagem. Todos os dias fazíamos o mesmo caminho tocando jegues, cavalos e mulas. O velho nos ordenava levar os bichos ao bebedouro no horário de meio dia, sol a pino. De tanto gado que tratava, o único animal de seu era uma égua meio caduca que não estranhava cinco meninos montados. Disputávamos sua montaria às pressas. Quem ia, quem não ia, era uma questão de chegar primeiro. Os guris ela transportava de ida e volta à cacimba sem dar um trote sequer. Caminhava simplesmente como quem diz: Quem corre cansa. Entendíamos também que tinha cuidado para não nos machucar. Nem todos os humanos têm instinto afetivo com suas crias.
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O tempo passava e os garotos cresciam sem parar, e cada dia eles aumentavam de peso, mas mesmo assim ela os carregava sem reclamar. De longe se via um cordão de menino trepado no seu dorso. Ninguém montava outro animal porque a maioria do lote era desconhecida e arisca. Somente ela não se opunha aos mandos da criançada. Os indiozinhos nus e pés descalços adoravam o vai-e-vem diário à fonte d'água. Até os da vizinhança participavam alegres do comboio. Uma aventura que não tinha diferença da vida numa aldeia indígena.
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Os quase cem animais enchiam a estrada. Uma nuvem de poeira levantava e as folhas das àrvores que ladeavam o caminho tinham uma coloração avermelhada e suja. O som dos chocalhos e a pisada forte do gado produziam um barulho ensurdecedor que me lembrava o estouro de uma manada de búfalos selvagens.
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A besta era mesmo uma besta!
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Um dia quando nos levava de volta para casa, escorregou na lama da lagoa. Desse escorregão não mais se levantou. E como não existiam naquela época os recursos veterinários que temos hoje, não salvamos a coitada! O jeito derrengado e escarrapachado dentro da lagoa demonstrava que a dor era insuportável. As lágrimas escorriam em gotículas até as narinas. Respirava com esforço e num tom abafado que se ouvia de longe o ruído. Ela ficou mais de uma semana sem beber e sem comer porque era impossível fazê-lo na posição em que se encontrava. E aos poucos foi enfraquecendo, e se desidratava a cada dia, e morreu atolada no lamaçal.
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Não tardou, os urubus apareceram e começaram as tarefas de limpeza da área. À distância, víamos uma tuia de carnívoros famintos, desesperados por um pedaço de carne. Assistimos àquela cena cortados de dó. Finalmente é assim a Lei de sobrevivência da selva.
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Todos os anos meu irmão plantava naquela lagoa, arroz, e, nos aceiros – que são áreas menos úmidas - conjugava milho, feijão e melancia. Em honra à égua não mais plantou um pé de couve, admitindo que o lugar tinha que ser preservado. Criou-se, portanto, uma lenda de que a besta, revoltada, destruiria as plantações. E nós, que éramos seus passageiros no dia do acidente, nos culpávamos pelo que acontecera.
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Ficou, pois, determinado que a única lavoura a ser feita naquele espaço teria que ser capim de boa qualidade para matar a fome da miserável beroba.
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Há bem pouco tempo obedeciam-se essas regras. Não sei se ainda hoje elas vigem.
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Algumas pessoas afirmam tê-la visto troteando nas várzeas, altas horas da noite, com vários meninos a cavalo. Como crianças, vivíamos muito assustados. A estória se espalhou com rapidez. Nossa preocupação era tão grande que qualquer tropel seria o espírito eqüino em evidência. Os cavaleiros que galopavam pela estrada traziam-nos a sensação de medo. - É ela, só pode ser ela, - pensávamos ao mesmo tempo em que procurávamos abrigo.
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Com a morte do animal de estimação, meu avô batizou a lagoa de Lagoa da Besta que serve até hoje de ponto de referência para os mateiros e lenhadores da região. Esse nome permanece.
A égua realmente existiu e morreu assim mesmo! A estória é verdadeira, e aconteceu no Pai Mané onde nasci e morei até os onze anos de idade
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Foto: site portugalweb.pt/cavalo-sorraia
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Luiz Alpiano Viana, nascido e criado em Ipueiras, morou mais tarde em Crateús. Atualmente é funcionário aposentado do Banco do Brasil. Morou no Distrito Federal até meados de 2007 quando finalmente voltou a morar no Ceará, em Fortaleza.