Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

27.2.18

MEMÓRIAS CAPÍTULO 2 : AS PLANTAS E OS NOSSOS TEMPOS MÁGICOS - ENCONTRO DE PAJÉS


ENCONTRO DE PAJÉS
Por Jean Kleber Mattos

Aconteceu na Chapada dos Guimarães o Primeiro Encontro nacional de Pajés de 22 a 25 de outubro de 1987. Os jornais noticiavam que era promovido pela FUNAI, o que era verdade, mas havia um convênio com a Sociedade Maharishi para o financiamento parcial do evento. Uma colega nossa da FUNAI, que eu conhecera no curso de pós graduação em Pernambuco, Ronice, convidou-me, bem como a alguns estudiosos de plantas medicinais. A Sociedade Maharishi enviou um botânico e alguns assessores. Partimos de Brasília num voo para Cuiabá no dia 21. De Cuiabá, fomos todos de ônibus para a Chapada. O cenário do encontro era o Sítio Morrinhos, cedido pelos proprietários somente para o evento. Calculava-se o comparecimento de cerca de 100 pajés de diferentes etnias.
Lá encontrei vários colegas de jornadas de plantas medicinais: o Dr. Carlos Alberto do Hospital Regional de Planaltina, Dra. Evani e a botânica Maria Luiza, do projeto “Fitoterapia” de Olinda, em Pernambuco e o jornalista Francisco Pereira, estudante de comunicação da UnB cujo trabalho final de mestrado era um vídeo sobre plantas medicinais, com o qual eu estava colaborando. O superintendente regional da FUNAI, Eraldo Fernandes em entrevista havia dito que a expectativa era a troca de saberes entre as aldeias e as universidades, bem como a criação de um Conselho de Pajés e de uma escola de medicina de saber indígena.

Os Xavantes haviam sido contratados para fazer o cenário, que constava de uma grande oca central, que seria o auditório, rodeado de ocas menores onde se abrigariam os pajés das diversas etnias e seus familiares. Não havia cadeiras no “auditório”. A plateia se acomodava no chão mesmo. Cada pajé era convidado a falar e demonstrar que uso fazia das plantas que trouxera como amostras. Havia intérpretes das etnias, geralmente jovens estudantes descendentes que falavam português e também a língua da tribo. O sistema de som era perfeito. Como as práticas de cura por vezes envolvem mantras e transes mediúnicos com danças, havia espaço suficiente para tais manifestações. Índios famosos estavam presentes, tais como Raoni Metuktire, Takumã Kamaiurá e Jerônimo que, presumia-se, havia ultrapassado os cem anos. Eu tinha curiosidade de saber como o Raoni se alimentava portando aquele botoque labial que o caracterizava. Almocei ao seu lado certa feita. Nenhum problema. Comia de colher, confortavelmente. 

Alguns eventos extra reunião mereceram minha especial atenção. O banho de cachoeira foi um. Havia várias cachoeiras na área. Numa manhã grupos que se formaram espontaneamente, em torno de dez pessoas cada um partiram para o banho de cachoeira. Meu grupo incluía colegas de Brasília, Recife e Goiânia. Quase ninguém lavara roupa de banho. O jeito era tomar banho de vestido mesmo ou sunga. Maria Luiza me falou de um grupo que incluía três índios, que, desinibidos, tiraram os calções e banharam-se pelados. Os homens e mulheres brancos do grupo, para não constrangerem os índios, fizeram o mesmo. Quando eu soube, comentei: “Errei de grupo...!”. Numa manhã, em pequeno grupo, passamos mais de uma hora ouvindo Takumã Kamaiurá sobre o episódio do desaparecimento do filho menino de um cacique. De como ele, utilizando recursos de magia, obteve sucesso no encontro do garoto que perdido na floresta foi guiado de volta até à aldeia com a ajuda de gamos encantados. O dia e a hora precisos em que a criança reencontraria a aldeia foram previstos por ele. E se confirmaram. Um privilégio ouvi-lo... Um pajé bem idoso, se bem me lembro um guarani, disse na assembleia que antes de utilizar a planta chamava um espírito que se juntava à planta. Perguntaram-lhe: e como você faz isso? Cantando... - respondeu ele. Pode cantar para nós? Perguntou o moderador. – Sim, respondeu ele. E começou a entoar um mantra. Fez-se um silencio sepulcral enquanto ele cantava. Algumas pessoas da plateia começaram a entrar em transe. Um diretor do INCRA que estava ao meu lado perguntou com olhar assustado: afinal, o que está acontecendo aqui?...

Entre os brancos rolavam alguns fenômenos. Uma amiga minha jurava estar vendo um “caboclo” devidamente caracterizado, seguindo nosso grupo de cachoeira e nós nada estávamos vendo...Um dos colegas da equipe Mararishi tinha o dom da premunição. Logo começou a ser solicitado a fazer adivinhações. Um casal simpático que morava na região e que se integrou ao nosso grupo estava se divertindo com as adivinhações até que a esposa perguntou – Este será meu último casamento? O adivinho respondeu quase de chofre: não !... Silêncio. Situação constrangedora. O marido, que estava ao lado, entrou em pânico. Mais tarde, comentei com colegas que o dom deve ser utilizado com responsabilidade. Nem tudo pode ser dito. À noite, o grupo todo ia para o bar tomar chope. Descobriram que Dra. Evani Araújo tocava violão. Ninguém queria largar a doutora. A cantoria prolongava-se até tarde. Musicas dos anos 60s. Evani mal tinha iniciado uma das tais e uma mocinha falou: “minha mãe cantava essa música para eu dormir”...(todos riram). 

Ligações interurbanas eram feitas em cabines no meio da cidade. Eu precisava ligar para Brasília, para dar noticias à Heloísa. No meio do papo ela me perguntou: “tem aí um rapaz bem branco com barba curta, parecendo um espanhol?”  Tem ...é da equipe da Sociedade Mararishi. Interessante, disse ela:... “ele pertence a uma sociedade religiosa mas não se liga em espiritualidade. É cético. Tem uma ligação forte com a Espanha não sei se com uma mulher...parece que tem uma criança envolvida...” Dei risada da adivinhação. Despedimo-nos. Nem bem saí da cabine dei de cara com o rapaz. Começamos a conversar e no meio da conversa perguntei se ele se sentia um cético. Ele confirmou, desconfiado. Falei então de sua possível ligação com a Espanha e de uma criança envolvida. Ele arregalou os olhos e perguntou: “como você soube disso?” -  “Via EMBRATEL, amigo” – respondi.

No terceiro dia a entrada foi liberada para a imprensa. Rede Globo com destaque. Filmavam e entrevistavam os destaques, notadamente o cacique Raoni. O acampamento era bem iluminado, portanto favorável para boas imagens e para a identificação do que interessava à mídia. A beleza das mulheres Terena chamava a atenção. Uma delas estava com seu nenê no colo e amamentando. Certamente saiu em todos os vídeos.

Quando terminou o encontro, voltamos para Brasília. Aqui recebi uma carta de uma importante filha de índios, se não me engano uma enfermeira, Sandra, relatando uma experiência extra sensorial. Quando ela foi se despedir de Jerônimo, o pajé centenário, ele segurou por um instante suas duas mãos. De repente ele viu-se transportada para um plano astral onde não havia a barreira do idioma. Ele deu a mensagem e num clic ela estava de volta à presença física dele.

Numa noite, de volta do acampamento o carro passou por uma área de cerrado totalmente escura. Milhares de vagalumes voando. Poucas vezes na vida vi tanta beleza. Lembrei-me dos versos de meu padrinho de crisma, o poeta cearense Costa Matos:

PIRILAMPOS
Por
José Costa Matos
Mal chega o inverno, à noite, o bando aéreo
Dos vagalumes esburaca a bruma...
Parecem bolhas de oiro e luz na espuma
Negra de um oceano de mistério...
Serão fagulhas verdes da bigorna
Em que Deus faz estrelas? São fagulhas
Que voejam costurando como agulhas,
O noturno lençol que o mundo exorna?
Aladas, misteriosas ardentias...
Deles, só sei que surgem já crescidos,
Demandando ideais desconhecidos
E que são pagens fiéis das invernias.
Mistério igual a minha vida empalma:
Aos temporais dos fados, - bons e adversos -,
Nascem revoadas brancas dos meus versos...
Pirilampos da noite de minh´alma...
*

(Ipueiras-CE, 1947)

MEMÓRIAS CAPÍTULO 1: AS PLANTAS E NOSSOS TEMPOS MÁGICOS - OS COMEÇOS


AS PLANTAS E NOSSOS TEMPOS MÁGICOS - CAPITULO PRIMEIRO
Por
Jean Kleber de Abreu Mattos

A COLEÇÃO DE “ZINHA”. O COMEÇO DE TUDO

Para concluir o curso de agronomia, o estudante precisa submeter a uma banca de profissionais um trabalho de pesquisa, tipo banco de dados, experimental de campo, estufa ou levantamento. O aluno procura um professor para orientá-lo na disciplina denominada Estágio Supervisionado. Procurou-me em 1980, uma aluna dizendo que gostaria de trabalhar com plantas medicinais. MARIA ÂNGELA DAS GRAÇAS, carinhosamente apelidada de “Zinha”, por seus familiares. Naquela época eu ainda não trabalhava com o assunto. Meu campo de trabalho eram hortaliças convencionais. – Não sei quase nada sobre plantas medicinais- disse. Ela pareceu decepcionada. Tudo bem -falei - que tal aprendermos juntos? Ela topou. Daí eu perguntei: você tem avó? – Tenho sim e ela sabe muito de plantas medicinais. – Traga sua avó, então. Vamos começar a aprender com ela...
Dito e feito, alguns dias depois ela compareceu com a avó. Fomos à fazenda experimental da universidade para já iniciar o plantio da coleção, pois a avó trouxera mudas de aproximadamente quinze espécies. Manjerona, hortelã, manjericão, salvia, alecrim, tomilho, capuchinha e outras. Recuperamos o nome botânico de cada uma e iniciamos a revisão bibliográfica. Anunciamos que estávamos fazendo a coleção de forma que quem quisesse colaborar, trazendo mudas das mais diversas possíveis, seria de grande ajuda. Não demorou e estávamos com trinta espécies no campo. Zinha apresentou o trabalho e obteve a menção máxima. A coleção prosperou e começou a receber visitas de colegas de Brasília e de outras estados. Um amigo meu, farmacêutico José Maria, radicado na Paraíba nos visitou um dia e relatou que estava conduzindo um projeto semelhante em uma comunidade daquele estado, tipo horto medicinal comunitário. Levou algumas mudas. Combinamos que faríamos intercãmbio. Um amigo, o agrônomo Donizete Tokarski lá esteve. O irmão dele Rogério Tokarski empresário do ramo, mantinha uma produção no Núcleo Rural de Vagem Bonita. Era, portanto, vizinho nosso. Começava ali um intercâmbio produtivo que teria muitos desdobramentos felizes. A coleção de Zinha começava sua história e nos traria muitas surpresas, obviamente agradáveis.

GLOBO RURAL
Montei uma coleção viva de plantas medicinais na Fazenda Experimental Água Limpa, da Universidade de Brasília. Um amigo meu farmacêutico, o José Maria, certo dia visitou a área e ficou entusiasmado com o projeto. Ele conduzia um projeto de fitoterapia e medicina popular no interior da Paraíba. A equipe do Globo Rural procurou-o para filmar a experiência. Ele recusou e recomendou aos repórteres que me procurassem para filmar a coleção da UnB. Fomos então filmados e “saímos” no Globo Rural do dia 16 de julho de 1984, com o repórter Hamilton Ribeiro. Depois fiquei sabendo que aquele repórter era um herói de guerra tendo sido atingido por uma mina ao cobrir a Guerra do Vietnam. Somos amigos até hoje. Aquela exposição deu grande popularidade ao projeto. Recebemos mais de dez mil cartas em busca de apostilas e informações diversas. Vieram também convites para que proferíssemos palestras em congressos e semanas agronômicas promovidas por centros acadêmicos. Começava ali a maratona universitária que duraria vários anos.

DEPRESSÃO
Em 1982 fui acometido de uma forte depressão, também chamada de obsessão na nomenclatura de meus colegas espíritas. Para manter a mente ocupada, eu lia compulsivamente o livro “Plantas Daninhas do Brasil: terrestres, aquáticas, parasitas, tóxicas e medicinais.” de Harri Lorenzi. Lendo-o, aprendi muito no período, embora sofrendo com a situação. Minha noiva levou-me à Comunhão Espírita de Brasília para fazer uma consulta. O médium recomendou-me um tratamento à base de passes magnéticos (às quartas feiras, após a palestra) e orações diárias matinais. Dentro de dois meses ocorreu a cura. Eu voltava do Congresso de Fitopatologia em Fortaleza num ônibus, e quando chegamos se bem me lembro à cidade de Bom Jesus da Lapa, senti vontade de comer macarronada, o que era inusitado, pois eu não tinha fome e dormia mal há bastante tempo. Minha magreza era visível. Desci com minha noiva, entramos no restaurante e fizemos o pedido. Após a macarronada senti-me curado. A sensação era de que algo estava indo embora de mim. Nunca mais tive aquela depressão. Já se passaram quarenta anos.

ACCORSI
Eu estava proferindo uma palestra no Congresso Brasileiro de Olericultura em julho de 1984 em Jaboticabal, no interior de São Paulo. No meio da palestra entrou na sala um senhor idoso, orientado por uma recepcionista. Sentou-se ao fundo e ficou atento. Terminada a palestra a recepcionista apresentou-se o tal senhor:
- Este é o professor Accorsi !
Tomei um susto. Estava eu ali diante do maior líder da medicina herbárea do Brasil.
- Eu o ouviria com prazer por mais duas horas! -disse-me ele.
Aquela frase teve em mim o efeito de uma unção. A partir dali ficamos grande amigos. Por coincidência, vários centros acadêmicos do Centro-Sul, ao promoverem encontros sobre plantas medicinais, convidavam a mim e a ele e nos alojavam sempre no mesmo apartamento no hotel. Trocávamos ideias até altas horas. Foi quando descobri que o professor Accorsi era espírita como eu, e que recém escrevera um livro sobre Jesus. Tenho-o até hoje, autografado. Na ultima vez que o vi com vida, tomamos um café com pão de queijo no aeroporto de Brasília, em companhia de sua filha farmacêutica Walterli, momentos antes de seu embarque para São Paulo. Ao despedir-se abraçou-me e disse:
- Nunca abandone as plantas medicinais!
Ele tinha então 90 anos naquele momento. Dr. Walter Radamés Accorsi faleceu dois anos mais tarde.

ECO-92
Recebi um e-mail de um jovem chamado Marco Antônio, convidando-me para um seminário sobre plantas medicinais onde eu seria um dos palestrantes. O seminário ocorreria dentro da famosa ECO-92, evento internacional a realizar-se no Rio de Janeiro. Eu não conhecia o Marco. Conhecia sim, de ver, na TV, o pai dele, Carlos Imperial, artista famoso da televisão e do cinema. Cheguei ao Rio na data aprazada. Entre os convidados reconheci logo alguns amigos. Outros, contudo, eu estava vendo pela primeira vez. Era o caso do pesquisador Silvio Panizza, de quem eu lia os livros, e da apresentadora Maly Caran, que aparecia no quadro "Cheiro de Mato" sobre plantas medicinais na TV Bandeirantes, assim como Silvio Panizza que a sucedeu.
- Eu li seus artigos ! Você é meu ídolo! – disse Maly Caran no momento em que fomos apresentados, enquanto me abraçava.
Ficamos todos juntos hospedados numa mansão em Pedra de Guaratiba. Nossos papos prolongavam-se noite adentro. Nossa anfitriã era Vera Fróes, conferencista conhecida pelo enfoque místico de sua abordagem sobre plantas medicinais. Aliás, o apelo mediúnico de quem trabalha com plantas medicinais é bastante comum. Nossas conversas extra seminário exploravam as diferentes visões no trato com as plantas, do enfoque indígena ao africano, passando pelo oriental-místico. Um período enriquecedor. Na noite anterior à minha partida, numa reunião informal com Vera Fróes e uma amiga, cada uma cantou um mantra relacionado ao Santo Daime. Pediram-me que cantasse algo. Eu não conhecia mantras. “Serve o que você conhecer”, disseram. Cantei então um hino a Santo Antônio recitado em procissões de beatas no interior do Nordeste:
“Se queres milagre
Busca Antonio Santo
Que por natureza
É da Graça encanto”.

MARCELO MEZEL
Eu estava em Recife e havia marcado um encontro com meu amigo Marcelo Mezel, médico acupunturista, no centro de Recife, nas proximidades do Centro de Turismo, antiga Cadeia Pública. Uma amiga que me acompanhava encantou-se com a conversa que então mantivemos, num bar próximo escolhido por Marcelo, ao dizer: “Vamos conversar ali, tomando uma cachacinha”. “Meu consultório fica numa casa com jardim e playground – dizia ele – “meus pacientes se sentem em casa e ainda levam as crianças que ficam a brincar. Eu abraço e cheiro meus pacientes. Esse envolvimento afetivo faz parte do processo de cura”. ‘Cheiro’, no Nordeste, é uma forma de carinho menor que um beijo porém maior que um abraço. Marcelo Mezel era Secretário de Saúde da Prefeitura de Olinda.

O SENHOR CONHECE O ROCHA ?
O Jardim Botânico de Brasília estava promovendo uma semana de palestras sobre plantas medicinais. Eu seria o palestrante do sábado. Na véspera, um jornal da cidade publicou uma reportagem sobre um simpático casal que cultivava as plantas em casa, na região de Sobradinho. Era 1996. Eu havia publicado um pequeno livro sobre a matéria e pretendia disponibiliza-lo durante o evento. Palestra iniciada,  identifiquei na plateia o casal que vira na reportagem. Ao final, algumas pessoas acercaram-se da mesa. Ex-alunos, amigos e pessoas que eu ainda não conhecia. Eu ainda autografava alguns exemplares do livro quando o referido casal chegou à mesa. A senhora disse-me: “tenho uma pergunta a lhe fazer, mas somente ao final”. Acenei que sim com a cabeça. Quando finalmente ficamos somente eu e o casal ela perguntou:
- O senhor conhece alguém de sobrenome Rocha ?
-Tenho um aluno com esse sobrenome – respondi.
-É desencarnado... – ela falou.
Percebi então que estava diante de uma vidente.
Ela continuou: “ele estava ao seu lado o tempo todo e parecia estar na torcida, acenando positivamente com a cabeça cada vez que o senhor concluía um raciocínio”...
- Não estou lembrando ninguém no momento, mas vou verificar – respondi.
Já em casa, eu estava mexendo na minha estante quando encontrei um de meus livros de cabeceira, escrito em 1947: “Formulário Terapêutico do Doutor Dias da ROCHA”...

ACONTECEU EM RECIFE
Em 1987 eu recebi um convite para dar uma semana de aulas, juntamente com um colega do Paraná, num curso de pós-graduação que aconteceria na sede da EMATER-Pe na cidade de Carpina. Cheguei à Recife e encontrei os coordenadores. Disseram-me que seriam 32 horas de aula. Perguntei se seriam 16 minhas mais 16 de meu colega. Confirmaram-me que seriam 32 horas para cada um. Fiquei preocupado. Naquela época eu não tinha a experiência de dar um curso intensivo. - Será que tenho papo para 32 horas? Pensei...
À noite no hotel, liguei para minha mulher, Heloísa, que ficara em Brasília. Relatei minha preocupação. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e depois falou: “Vai dar tudo certo. Vejo um auditório. Também pessoas aplaudindo, algumas emocionadas. Você vai ser chamado para dar um segundo módulo mais tarde”. Estava evidente que se tratava de um flash premonitório. Enfim, tudo correu bem. Terminado o módulo, os coordenadores me chamaram numa sala. –“Queremos mais um módulo”- disseram. Combinamos então para dois ou três meses depois. Dalí fomos todos para o auditório para a solenidade de encerramento do período. Na minha vez de falar disse que me formara em Recife e que a experiência do curso havia sido para mim um precioso reencontro. A audiência aplaudiu e notei nas primeiras filas algumas pessoas visivelmente emocionadas... 

Maharishi Mahesh Yogi , o guru dos beatles
O professor Fernando Lo Iacono em seu blog descreveu os eventos ocorridos em Brasília em março de 1985 quando o “Maharishi Mahesh Yogi  e os médicos hindus (Vaidyas) realizaram o primeiro congresso de Ayurveda no Brasil,  em Brasília, no Hotel Nacional, com participantes de toda América Latina, USA, Europa, Canadá e do Brasil! ... A idéia era a de se fundar uma Faculdade de Naturopatia em Brasília - DF e oferecer ao governo brasileiro o know-how da utilização correta das plantas medicinais locais, regionais”.
A Sociedade Maharishi fez contato com a CEME-MS para obter a lista dos pesquisadores de plantas medicinais para convida-los. Como cadastrado, fui convidado por telefone, se bem me lembro. Cheguei ao Hotel Nacional ainda parcialmente desinformado sobre a natureza do congresso e seus participantes. Ao chegar à noite para a abertura, em companhia da minha esposa Heloísa, o meu colega Donizetti Tokarski estava na portaria. Estava havendo um coquetel farto, quase um jantar. Já viu o guru? Ele me perguntou. Que guru? Perguntei. O guru do Beatles ! Ele está aí...em pessoa!
Estava mesmo. Era o Maharishi Mahesh Yogi. Depois de cumprimentar meus colegas Rogerio Tokarski, Dr. Vinhólis, Dr. Fernando Hoissel, Dra. Maria Elizabeth Van Den Berg, e mais alguns convidados, compareci à sala de reuniões para a sessão inaugural orientado pelo mestre de cerimônia e intérprete, Benjamim. Na sessão, cada um expôs a titulação, o que fazia e onde trabalhava.
No segundo dia Benjamim chamou-me e também minha esposa, bem como um colega da UnB paquistanês, para uma sala onde teríamos uma audiência particular com o guru. Minha mulher impressionou-se com o ritual. Precedendo a entrada do Maharishi, havia um pequeno cortejo de acólitos tocando um pequeno sino, espargindo fumaça de incenso e entoando mântras. O ambiente todo ornamentado com flores naturais, especialmente o trono do guru. Não dava para crer que em seguida dialogaríamos com uma pessoa simples e bem humorada. O Maharishi era assim. Conversamos então sobre o comércio de fitoterápicos no Brasil.
No terceiro dia houve uma ampla reunião onde recebi, juntamente com meus colegas, o convite para integrar o corpo docente da Faculdade de Naturopatia que a Sociedade pretendia inaugurar em Brasília. Compromissos com a UnB me impediram de aceitar. Posamos então para a posteridade. Tiramos fotos sentados numa cadeira ricamente ornamentada de flores naturais. Parecia que nosso encontro terminava ali. Não demoraria muito porém, e eu interagiria novamente com a Sociedade Maharishi num outro evento, o Primeiro Encontro nacional de Pajés. Mas isso é outra historia...

18.2.18

BESTEIROL


BESTEIROL
 
Por Dalinha Catunda

*Já trepei na cumeeira
De lá espiei o chão
E na hora de coisar

Dispensei o meu colchão
Eu gosto duma zoeira
Mas nunca fui Zé Limeira
Pois é muita pretensão.
*
Eu já briguei com diabo
Fiz as pazes com Jesus
Com medo do satanás
Eu fiz o Sinal da Cruz
Lá no confessionário
Levei pro senhor vigário
Prato e meio de cuscuz.
*
Eu parti a rapadura
Dela fiz pé-de-moleque
Acabei na sepultura
Meu carro perdeu o breque
Num dia de pouco vento
Eu me escanchei num jumento
E me abanei com um leque.
*
Não tenho medo de arame
Não sendo ele farpado
Pulei cerca de faxina
Pra ver um cabra safado
Quando ele deitou no chão
Esbarrou num cansanção
E brochou lá no cercado.
*
A lua nasceu bonita
Por detrás lá do serrote
Eu sei que você tem sede
Mas eu vou quebrar o pote
Eu gosto de cobra cega
A que enxerga não me pega
Porque só come caçote.
*
Quando a seca sapecava
O povo do meu sertão
Eles vinham pra São Paulo
Em busca de salvação
Agora a coisa mudou
São Paulo também secou
Quem me disse foi São João.
*
Perereca saltitante
Só cai em boca de cobra
Cobra atrás de perereca
De tamanho ela dobra
Na bunda de cangaceiro
Vira o maior salseiro
Um juiz assina a obra.
*
Estes versos sem sentido
Pra fazer tive razão
Já estou de saco cheio
Só se fala em ladrão
O povo besta brigando
E o político tentando
Se firmar na profissão.
*
 


Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, Escritora e Cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio: (cantinhodadalinha.blogspot).
 



14.2.18

MEMORÁVEIS CARNAVAIS




MEMORÁVEIS CARNAVAIS

Por Dalinha Catunda

Ipueiras nos bons tempos viveu, memoráveis carnavais. Carnavais esses, que eram prestigiados por uma sociedade festeira e bem participante.
*
Figuras renomadas, como: Seu Camaral e Simão Matos, ficaram eternizados na lembrança dos ipueirenses que durante muitos anos foram testemunhas das peraltices desses dois distintos foliões, nos carnavais de salão.
*
Ao primeiro: tam... tam, tam, tam, tam... tam, tam, tam....Estavam lá os dois, seu Camaral, animado feito criança, puxando seus incansáveis cordões. E, Simãozinho dançando uma dança bem singular inventada por ele mesmo. Era a dança da cobrinha. Quem não ouviu Simão falar dessa dança? Nós, meninas-moças, vestidas de havaianas com colares coloridos e roupas estampadas. Ou, fantasiadas de gregas. Vestido de laquê preto, um lado maior do que o outro, com alça apenas de um lado. Algumas se vestiam de índia , outras improvisavam fantasia e assim se apresentava a juventude sadia dos velhos tempos nos alegres bailes de carnaval na cidade de Ipueiras.
*
Nas tardes que antecediam os bailes carnavalescos, os rapazes começavam a beber cedo e improvisavam um carnaval de rua. Onde Maisena, araruta, talco e água, eram jogados nas pessoas que passavam, num autêntico mela-mela com direito a ovo e tudo. Num penico zerado, eles colocavam cerveja e lingüiças e saiam bebendo e tirando o gosto rua à cima e rua a baixo, numa animação que contagiava a população da cidade que aos poucos ia se juntando aos foliões. Nesse time, Vavá, Moraisinho, Antônio Manoel, encabeçavam o bloco.
*
José Arimatéa Catunda, nosso Dedé, quebrava a rotina da Rádio Vale do Jatobá tocando marchinhas típicas de carnaval, como: Me da um dinheiro aí, Taí, Você pensa que cachaça é água, Bandeira Branca, Picolé de Cachaça e tantas outras, que agora me fogem a memória.
*
A cidade inteira entrava no clima, até vesperal para a criançada existia e era animada. Os adultos levavam as crianças e já aproveitavam para esquentar os motores para noite.
*
Sinto saudades dos antigos carnavais. Da animação, das marchinhas, das fantasias, dos blocos e do grande encontro social que nos oferecia o Carnaval de salão. Esse tipo de carnaval em Ipueiras, infelizmente, está morto e sepultado.
*
Um hábito antigo, conserva a cidade, na quarta feira após o carnaval, grande parte da população, que é católica, continua indo a igreja para receber cinzas.
*
Hoje, não só em Ipueiras, como em todo Brasil, a grande pedida, são os trios elétricos, que arrastam multidões com sua musica baiana, sufocando assim, as velhas e graciosas marchinhas e a beleza do frevo, e por que não dizer, enterrando de vez a beleza dos antigos Carnavais.



Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, Escritora e Cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio: (cantinhodadalinha.blogspot).