Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

27.3.09

HOMENAGEM PÓSTUMA A EDMUNDO MEDEIROS


Nesta data (27.03 2009), o Sr. Edmundo Medeiros, se vivo fosse estaria completando 95 anos. A sua família lhe presta esta homenagem póstuma, com eterna saudade fazendo votos a Deus de que em sua misericórdiosa bondade o tenha colocado em bom lugar.
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IPUEIRAS PERDEU UM GRANDE HOMEM

Por
Renato Bonfim

Edmundo Bezerra de Medeiros de todos conhecido, simplesmente, por Edmundo Medeiros, filho mais velho do casal Cesário de Sousa Medeiros e de Maria de Paiva Bezerra, nasceu a 27 de março de 1914 e que veio a falecer, a 12 de maio de 2005, aos 91 anos de idade. Ainda em tenra idade e agindo diferentemente dos jovens da época, migrou do campo para a cidade, na ânsia de estudar e, em decorrência, vislumbrar novos horizontes e melhores dias para sua vida.
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Demonstrou, ao longo de sua existência, talento e obstinação, a ponto de, ainda jovem, tornar-se escrevente do 1º Cartório de Nova Russas entre os anos 1932 a 1934. O seu apego a Ipueiras, seu inesquecível torrão natal, era tamanho que o fez a ela retomar definitivamente. Bafejou-lhe a sorte, nesse ínterim, ao encontrar Edite veio, logo depois, exatamente, no dia 8 de dezembro de 1936, a se tornar sua fiel esposa e inseparável companheira durante 69 anos.
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Desse enlace matrimonial entre Edmundo e Edite adveio proles numerosas, constituídas de 15 filhos, dos quais 10 ainda vivos Renato Bonfim, Edésio, Nemésio, Aglaê Machado, Dagmar Costa, Leda Bonfim, Graça Formiga, Fátima Fontenele, Antônio Bonfim (Tuíca) Mimosa Pessoa. Sendo 4 homens e 6 mulheres, todos bem sucedidos nas diferentes atividades que abraçaram.
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Possuidor de rara inteligência, Edmundo Medeiros sempre dignificou os cargos e funções que exerceu, com destaque para:- Correspondente do Banco do Brasil, S.A., agências de Sobral e Ipu, por 33 anos- 22 de julho de 1942 a 6 de outubro de 1975, data em que foi instalada a unidade daquela Instituição Financeira em nosso município.- Correspondente do Banco de Crédito Comercial e do Sul América por vários anos.- Correspondente do Jornal O POVO, por 30 anos, tornando-se, assim, membro da Associação dos Jornalistas do Interior. -Colaborador para a melhoria da justiça desta terra, exercendo a função de adjunto de promotor, por 6 anos, com todas as atribuições do cargo.- No campo político, Edmundo Medeiros foi vereador em três legislaturas e Prefeito Municipal no biênio 1947/1948.- Contribuição com a Educação, exercendo a função de supervisor do Ensino de 1º Grau do estado do Ceará.
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A par de todas essas atividades, era o comércio de tecidos, a que lhe garantia a sobrevivência própria e da família. Assim, durante 70 anos, manteve-se à frente de sua loja, constituída em seu próprio nome, onde de maneira honrosa, amável e atenciosa, atendia a todos que procuravam, quer clientes, quer amigos, quer pessoas simples do povo que necessitavam de sua orientação e de seus prestimosos serviços. Edmundo Medeiros, com certeza, amou tanto sua terra, a ponto de fazer dela a razão de ser sua vida. A prova maior disso que de lá nunca se afastou.
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Quis o destino, no entanto, que, embora não fosse essa a sua íntima vontade, viesse a baixar à sepultura, sua última morada, num jazigo no Parque da Paz, repousando definitivamente na companhia de Francisco, filho querido e Edite, dileta esposa que acompanhou, durante toda a vida, e agora por toda eternidade.
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Em síntese, soube ser Edmundo, em vida, vivificante exemplo de cristão fervoroso, de pai dedicado e de cidadão de inesgotáveis qualidades morais, razões pelas quais, aqui e agora, rogam seus entes queridos que Deus, na sua infinita misericordia, lhe dê o repouso eterno e o privilégio de privar de sua beatitude celestial.


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Renato Bonfim Medeiros é ipueirense, filho de Edmundo Medeiros e conceituado empresário residente em Fortaleza, no Ceará.

25.3.09

DESI(ÁGUA)LDADE - PARTE I

Por
Lin Chau Ming

Tenho, desde pequeno, uma questão na minha cabeça. Porquê consumimos água engarrafada?

Meu avô tinha um restaurante na cidade de São Paulo, servia comida chinesa. Íamos com freqüência para lá, visitar os avós e tios, além de comermos por lá mesmo, outra coisa boa. No salão do restaurante, havia uma geladeira com propaganda da Coca-Cola (sim, desde aquela época havia esse esquema publicitário) para resfriar os refrigerantes e outras bebidas. Não era igual a essas geladeiras atuais, as garrafas ficavam imersas em um água gelada, na verdade, esse equipamento mais se parecia a uma grande bacia com água gelada.

No meio das garrafas geladas, misturadas entre as de guaraná Antarctica, Pepsi, Crush, Coca, Grapete e algumas marcas de cerveja (lembro-me da Antarctica, Caracu e Malzebier), encontrava garrafas de água mineral Lindoya. Suas garrafas não apresentavam um padrão definido, ora eram azuis, ora verdes, brancas, variando também no formato. Um rótulo em papel, que acabava se desprendendo por causa da água da geladeira, dava as informações sobre o produto.

Na minha cabeça de menino, achava estranho beber uma água que estivesse engarrafada, pois estava acostumado a beber água da torneira fervida, bebida morna, hábito chinês durante as refeições. Outras bebidas eu ainda aceitava serem engarrafadas, afinal, passaram por um processo industrial, sendo-lhes acrescentados outros produtos, não eram apenas água.

E então, água, que poderia ser obtida nas torneiras das casas, potável, porquê comprar uma coisa tão facilmente disponível, praticamente de graça? Não entrava na minha cabeça o fato de ter que pagar por uma garrafa de água. E venho com isso desde então nos meus pensamentos.

Passados uns tantos anos dessa época, me lembro claramente quando houve uma notícia de que a água mineral Lindoya, obtida de fontes da cidade de mesmo nome no estado, estava contaminada por coliformes fecais, levando ao hospital diversas pessoas que haviam tomado dela. A venda dessa água despencou, por motivos óbvios.

Semanas depois, aconteceu o lançamento de uma outra água mineral, a Minalba, pertencente à Nestlé, sim, a empresa suíça de alimentos. Bastou algum tempo de mídia impressa e televisiva e esta nova marca abocanhou um naco considerável do volume de vendas de água mineral. Uma bela estratégia, pensei, na época, já ressabiado com as ações das empresas transnacionais. Nem sei se era verdade a informação sobre a água Lindoya, fico na dúvida até hoje.

Há também uma estratégia, bem montada por sinal, para tentar desqualificar a água de torneira, dizer que não é boa para beber, não por causa da qualidade do tratamento, mas pelo caminho que ela toma, desde as estações de captação até as torneiras de nossa casa. Mas, limpando adequadamente as caixas d’água, porque não bebê-la? Na minha opinião, e das companhias públicas de água domiciliar (por dever institucional), a qualidade dessa água é plenamente aceitável para consumo humano.

Fico pensando: todas as águas não são iguais, não são todas H20? Muita gente diz que não, que além desses elementos, há outros minerais dissolvidos, dando-lhes outras características, tanto físicas quanto químicas ou de sabor. Até concordo com isso, pois eu nunca aceitei a definição da água dada na escola primária, de que água é incolor, inodora e insípida.

Mas, apesar dessas diferenças, a água de torneira é potável e saudável. E eu a bebo rotineiramente, sem maiores pudores, matando minha sede e economizando no bolso.

Tento colocar esse pensamento na cabeça de minha família, com sucesso parcial. Tenho em casa um filtro de barro, desses que têm uma vela em seu interior, a qual lavo de tempos em tempos, com açúcar, esfregando bem para tirar a crosta de sujeira nela impregnada, sinal que está fazendo um bom trabalho. Gosto do sabor da água quando fica nesse tipo de filtro, é diferente, não acham?

Pelo interior do Brasil, visitei várias famílias com tipo de potes diferentes para armazenar água. Os que mais me atraíram atenção foram os que encontrei entre os posseiros da região do rio Araguaia, fabricados com barro da região. De tamanho médio, uma boca grande, com cerca de 15 cm de diâmetro, normalmente era colocada em algum canto da sala da casa de pau a pique, à sombra, suspensa por uma forquilha de árvore com três pontas. Um prato de ferro esmaltado servia-lhe como tampa, encimado por um caneco de alumínio, para todos poderem beber o valioso líquido, usando o mesmo caneco.

Realmente, após uma caminhada pelo cerrado calorento, uns bons goles d’água daquela tina não tinham preço.
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Foto: açude de Ipueiras "sangrando". site ipueiras.ce.gov.br/www/
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Lin Chau Ming é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Ensino "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (1981), doutor em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995). Atualmente é professor titular da UNESP em Botucatú-São Paulo. É editor chefe da Revista Brasileira de Plantas Medicinais. Cursa atualmente o pós-doutorado na área de Etnobotânica na Columbia University, em Nova York.

17.3.09

A SAGA DOS ARIGÓS

Por
Bérgson Frota

Entre os anos de 1942 a 1945, no Ceará a seca continuava a fazer emigrantes que sem opção para sobreviver abandonavam seu torrão natal, muitos em sua maioria para sempre.

Os sertanejos cearenses sofriam a fome nutrindo a esperança de um favorável inverno, ou eram atraídos para o sonho de ‘enriquecimento” fácil na Amazônia, uma outra frente de batalha que se dava longe dos palcos sangrentos da Europa denominado de Guerra da Borracha .

Calcula-se que em todo Nordeste 55 mil pessoas foram para a Amazônia, metade vindo a falecer devido aos precários meios de transporte, falta de assistência médica, alimentação escassa e finalmente lutas na grande floresta dos seringais.

O Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) ,fazia forte campanha publicitária. A Amazônia era o “paraíso” para o homem nordestino, seu destino e triunfo na sagrada missão nacional de engrandecimento da Pátria.

A borracha traria para os aliados a vitória frente ao nazi-facismo que ameaçava o mundo.

No SEMTA, depois de superficial exame médico, o trabalhador recebia um chapéu, alpargatas, blusa branca e calça azul, uma caneca, um talher, um prato, rede e cigarros, com salário de meio dólar por dia. Logo eram embarcados para a Amazônia.

Passaram a ser chamados de “arigós”, tal apelido vinha da pequena ave de arribação nordestina, que por característica vaga de lagoa a outra buscando alimento.

O número de cearenses que partiram é calculada em 15 mil, que junto aos outros iam em vagões de trem, carroceria de caminhões e na terceira classe de navios. Em sua maioria os arigós levavam toda a família.
Três meses de viagem, com caminhões a virar e navios naufragarem.
A rota seguia de navio em direção ao Maranhão, Belém, Manaus e Rio Branco. Desta última eram divididos para pequenas cidades, concentrando-se portanto em grande número no atual Estado do Acre.

Para os arigós logo o sonho se desmanchava e o “paraíso” esperado começou a ser chamado de “inferno verde”.

O trabalho era duro e a disciplina exigida também. Em dupla trabalhavam os seringueiros enfrentando além da chuva constante as moléstias como a malária, febre-amarela, beribéri, a completar o quadro dantesco, onças, jacaré e cobras gigantes estavam sempre a espreita dos incautos.

O trabalho arrastava-se de 4 horas da manhã às 7 da noite. Era uma escravidão não oficializada. Outro meio nefasto que contribuía ainda mais para esfacelar as esperanças dos arigós era o tão odiado “sistema de aviamento”, onde comida, roupas, ferramenta e remédios eram vendidos a preços exorbitantes sendo estas lojas de provimentos mantidas pelos próprios patrões.

Numa caderneta o empregado do patrão anotava os débitos dos funcionários, trabalhando de forma minunciosa a fazer com que o empregado solicitante nunca saldasse o devido, cobrando até cinco vezes mais o valor da mercadoria. Enquanto que o valor da produção individual dos mesmos sempre vinha em inferioridade ao débito feito.

Terminada a II Grande Guerra, os americanos já obtinham borracha do oriente e não tardou inventarem a borracha sintética.
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Os arigós foram abandonados a própria sorte e destes um número mínimo voltou para casa.
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Assim encerrou-se na época “A Batalha da Borracha”, dos quase 60 mil soldados desta “guerra” na verde Amazônia, metade, em proporção quase 30 mil pessoas deixaram seus sonhos e últimos alentos de vida nas úmidas e sempre verdes terras do Norte.
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Fotos: site colegiosaofrancisco.com.br
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Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.

13.3.09

TRÊS POETAS E UMA SAUDADE

Na foto, a poetisa
Por
Dalinha Catunda

Dia quatorze de março
Dia Nacional da poesia.
Presto minha homenagem
Com carinho neste dia,
A três bardos cearenses
Que nos deram alegria.

O céu está em festa
Vejam que constelação,
Com Patativa do Assaré,
E Gerardo Mello Mourão,
Juntos com Costa Matos
Versejando sobre o sertão.

Patativa muito encantou
Aquele que pode escutar
A cantiga da vaca estrela
Junto com o boi Fubá.
E com a “Triste Partida”,
Fez muita gente Chorar.

Nossa cultura popular
Deve muito a Patativa.
Sua alma de poeta
Era de sua terra cativa.
Mesmo com sua partida
Sua história é bem viva.

Cantou as amarguras
De um povo sofredor.
Cantou a beleza da rosa,
Cantou alegria e a dor.
Cantou a vida sofrida
Do pobre agricultor.

Costa Matos meu poeta,
Poeta de minha infância,
Seus poemas que eu li
Quando ainda era criança,
Num livro emprestado,
Ainda trago na lembrança.

Mais tarde eu recebi
Vindo de suas mãos,
Livros a mim ofertados,
E foi grande a emoção.
Pra ele fiz um poema,
Demonstrando gratidão.

O poeta fez de Ipueiras,
Um poema de amor.
Cantou a beleza da serra,
Cantou os ipês em flor,
Cantou os pirilampos,
Com borboletas brincou.
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Poeta segue tua trilha,
Pois brilharás no além.
Aqui ficou a saudade,
Dos que lhe querem bem.
Nas alturas sei que os anjos,
Certamente dirão, amém.
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Meu muito querido amigo,
Gerardo Mello Mourão,
Dele fui muito próxima
Segurei em sua mão
Cada palavra que ele dizia
Eu ouvia como oração.

Ainda hoje não esqueço
Minhas visitas ao seu lar.
Era ele quem mais falava,
E eu gostava de escutar.
E sua sala de visita
Chegava a me encantar.

Por mim ele foi recebido
Num evento cultural
Na cidade de Ipueiras,
Em nossa terra natal.
Sua alegria era tanta,
E a minha sem igual.

Tenho parte de seus livros,
Que ele mesmo me deu.
Adoro “Rastro de Apolo”,
E “O Bêbado de Deus”.
O livro “Invenção do Mar”
Perde quem nunca leu.

Gerardo se foi há dois anos,
Costa Matos partiu agora.
Março não foi camarada,
Mas era chegada a hora.
O centenário de Patativa,
Em março se comemora

A saudade eu sei é grande,
Mas na história ficará
Os feitos destes poetas,
Que gostavam de versejar,
E espalharam pelo mundo,
Um canto bem singular.
*
Maria de Lourdes Aragão Catunda – Poetisa, Escritora e Cordelista. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio: (cantinhodadalinha.blogspot).

12.3.09

PAZ, FRUTO DA JUSTIÇA

Por
Marcondes Rosa de Souza

Professor da UFC e da Uece
O POVO 02 Mar 2009 - 01h24min

Fortaleza-CE

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (a CNBB) lança, para este ano de 2009, sua Campanha da Fraternidade, sob o lema “A paz é fruto da justiça”, a ter início nesta quaresma.

Na verdade, em boa hora, a CNBB nos mostra que a violência a habitar entre nós não há que se reprimir tão só pela força policial. Ela tem origem nas diferentes formas de injustiça, entranhadas em nossa vida social. Oportuna, pois, a campanha proposta, a envolver os segmentos mais amplos de nossa vida social: igrejas, famílias, escolas, comunidades, num amplo espectro das diferentes manifestações da violência que fincou morada entre nós: a doméstica, a do trabalho escravo e a dos crimes de colarinho branco em nossa vida social e política a atentarem contra a ética, a vida econômica, a gestão pública enfim.

Refletir sobre a violência, em nossos dias, há que se ir mais longe que fixar-se na solitária repressão a ela, à ronda policial ou mesmo ao sistema policial. Ela se entranha, de forma mais ampla, em toda a nossa vida social. E refletir sobre ela pode ser importante para o necessário e urgente desenho de democracia, nestes tempos de crise do capital, para o lançamentos das bases de nova convivência democrática.

De certo que pouco avançaremos se a campanha restringir-se ao tempo da quaresma. Terá que ir mais longe. Vivemos apocalípticos tempos de crise a resvalar no “para além do capital” e a buscar, de forma crescente, a justiça social.

O papa Bento XVI nos tem surpreendido ao divisar, em abraço, a fé e a razão. Mais que isso, ao refletir sobre a vida cristã em construtivo diálogo entre fé, esperança e caridade. Sem dúvida, aí estão as bases lançadas pelo pontífice de uma sociedade mais justa e mais equânime. E, sem dúvida, de uma social-democracia mais cristã.

Essa, a nossa esperança!
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Foto: site papagaio.files.wordpress.com/2007/02/doves.jpg
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Marcondes Rosa de Sousa, advogado, é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECe). É uma das maiores autoridades em educação do Brasil. Ex-presidente do Conselho de Educação do Ceará e do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, é Colunista do jornal " O Povo ", onde mantém seus artigos quinzenais.

8.3.09

EM HOMENAGEM AO COSTA MATOS.

Por
Hélder Sabóia
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“O mundo é um cavalo e o cabresto é o dinheiro”. Com esta oração o ficcionista Costa Matos inicia o romance intitulado o Rio Subterrâneo centrado na ambiência sócio-cultural da Ipueiras dos idos de 1950, início da década seguinte, onde o enfoque sociológico se volta para os conflitos políticos que se desencadeavam ao longo das virulentas campanhas eleitorais, em que os chefes políticos da localidade disputavam a liderança do poder municipal.
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Este intróito não traduz qualquer pretensão de querermos adentrar na crítica da produção literária do genial Costa Matos. Não, longe de nós qualquer intenção nesse sentido, pois, mesmo se o quiséssemos, faltar-nos-iam engenho e arte para tamanha empreitada.
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Na certa, algum dos seus pares, da honrada e vetusta Academia Cearense de Letras o farão com brilhantismo, bem à altura do porte intelectual do falecido cuja memória reverenciamos nesta noite. Mesmo nos eximindo deste ingente encargo não poderíamos deixar de ressaltar a grandeza da sua poesia, vez que profunda como o oceano e imensa como o infinito.
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Foi telúrico quando, como filho amoroso, arpejou, nas cordas do coração, o amor à terra natal. Assim falou o poeta: “Aquele riozinho é o Jatobá gemendo sob a ponte. Os feitiços da cor no anseio do horizonte e a desintegração do céu em mil perfumes. O Cristo Redentor, minha casa, as colinas, o terço ao por do sol, mãos postas, pequeninas, e a névoa do Senhor abençoando os cumes”. E, saudoso da mãe terra distante, lamuriou-se: “Fevereiro atiçou fogueiras aurorais na combustão floral que acende ipês na serra.
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Como deve estar linda agora a minha terra, se andou chovendo assim, qual leio nos jornais. Um vôo de festa de andorinhas hibernais, sobre a igrejinha branca, em leque, se descerra. E, vencendo a distância, a minha saudade erra pelo torrão que guarda as cinzas de meus pais”. Versejou, pelos apaixonados, os amores inesquecíveis e, em Bilhete Azul: “Hoje, ao pegar nas cartas que me mandastes e, ao manda-las de volta, eu me lembrei pois já não te ama o coração que amaste nem sei se ama o coração que amei....Se algum dia eu falar deste passado feliz que o tempo há muito devorou, não penses que para ti terei voltado e que a felicidade derrama seus dulçores por tudo aquilo que passou... Saudade, apenas, não te quero mais, adeus”.
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O menestrel, na sua condição humana, teve, como todos nós, momentos de incertezas e desalento quando disse “Num momento de descrença e sem esperança rasquei sem pena todos os meus versos. Desajudado e só, frente aos fados adversos, a luta é vã, sem glória ou recompensa.Quando se esmaga um poeta a indiferença pesa bem mais que os gelos milenares das paisagens sem sol dos círculos polares”.
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Na teologia escatológica vislumbrou o final dos tempos e vaticinou “Na agonia da Terra as truculentas massas profanam sem piedade as últimas carcaças da esperança e do amor, na assombração do escuro. E eu, mudo de terror, a minha angústia escondo, enquanto escuto, ao longe, pavoroso estrondo, destas horas sem Deus fecundando o futuro”. E no plano individual disse o vate: “Morrer, voar, abraçar no espaço os gênios de outras eras e colher uma flor em cada estrela acessa. Ver de perto a criação de mundos”.
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Não esqueceu de agradecer ao Senhor o dom da vida e assim orou: “Não encontrei motivo, em toda minha vida, para amaldiçoar o meu caminho. O bem que eu quero ter, sem muita lida, cedo ou tarde se integra em meu caminho. Quis Deus Nosso Senhor minha alma rica da Grande Paz, de luz, do amor profundo que eu desejei, e agora multiplica prêmios, por tudo que eu sofri no mundo”. Muito e muito mais teríamos a reproduzir da poesia do Costa Matos, enfeixadas, dentre outras, nas obras:Pirilampos.As Viagens. O Sonho das Respostas, Estações de Sonetos.
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Naquela pequena estatura, à semelhança de Rui Barbosa, se abrigava um gigante que, mesmo aprisionado na corporeidade, se manifestava, pujante, na força incontida de sua majestosa produção intelectual. Tentamos ser sucinto, ressaltando o que, de mais belo, à nossa sensibilidade, quer transmitir a riqueza multifária de sua manifestação poética. Falamos do intelectual que, aqui e alhures, conquistou vários prêmios literários. Do ser humano, ficam sua generosidade, a simplicidade própria de todo gênio, a alegria de viver e os ditos jocosos sobre as figuras folclóricas da velha Ipueiras.
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Em que pese sua erudição no campo da ontologia, não se rendeu à frieza da razão pura, que bem caracteriza todo intelectual. Permaneceu, humilde, ante à incógnita do sobrenatural, fiel à sua fé inquebrantável em Deus, que a demonstrava, com convicção, nas crônicas quinzenais no Diário do Nordeste, eivadas de profunda filosofia e, às vezes, com o registro de admiração pelo apóstolo Paulo, o precursor da evangelização ecumênica de todos os povos. Ficam, também, o exemplo de vida, de pai amoroso, do eminente professor e, acima de tudo, permanece entre nós, familiares, amigos, conterrâneos e admiradores, a luz de sua radiante presença aqui na Terra.
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E os rastros dessa luz hão de perpassar o tempo, fecundando o futuro, porque a luminescência, que se irradia lá dos páramos, carrega a eterna sabedoria de um homem simples que viveu para fazer o bem, transmitido a todos que o circundavam a preciosidade de seus conhecimentos, em especial aos discípulos, de antanho, na Ipueiras querida, na Faculdade de Filosofia em Sobral e, os de agora, nos círculos universitários aqui sediados, pois mestre consagrado de filosofia, de literatura e da língua pátria.
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Esta é a nossa sincera homenagem. Homenagem e gratidão de ex-aluno e amigo, conterrâneo e admirador.
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Francisco Hélder Catunda de Sabóia
Fortaleza-Ce

4.3.09

O POETA NUNCA MORRE

Por
Luiz Alpiano Viana
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O poeta nunca morre, pois é assim que dizem os saudosos. Ele estará sempre presente no coração de cada um de nós. Sua obra é o combustível que aciona os leitores e termina inundando de lágrimas os olhos de quem ler.
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Dizem que o poeta sabe o dia de sua morte, e por isso faz registro de tristeza de saudade. O que ele não sabe é que seus poemas incentivarão, mais ainda, o leitor a chorar amargamente sua perda.
*
Palavras de Costa Matos na inauguração da Praça Sebastião Matos: Eu devia ter escrito... eu devia ter pensado... eu devia não dizer nada...
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Como imaginar que um homem de sua envergadura deveria ter escrito o que falar! Da mesma forma, sua invejável cultura dispensaria o pensar quando o improviso é o seu mais forte instrumento de comunicação! Sem dúvida nenhuma, naquela hora, não deixaria de falar para não dizer nada. Ele não seguiria, jamais, essa linha de comportamento, dado o seu potencial literário.
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Costa Matos tinha o trabalho como oração e por isso mesmo deixa um cabedal de obras em prosa e outras tantas joias em poesias de nomeadas. Ler tais maravilhas significa enriquecimento cultural; acondicioná-las em lugar seguro, e de destaque, é respeitar seu autor e conduzi-lo no topo dos mais lidos do mercado editorial.
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O tempo conservará no arquivo de doces lembranças, o trabalho de um homem que sempre se honrou diante do que produziu. A belaza das rimas, a disposição dos versos, o toque singelo da seriedade de um poeta que emudece para o mundo material, mas que permanecerá vivinho no coração de seus admiradores de última hora.
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O Professor continuará para sempre como nosso mestre. Em momento algum se deixou envaidecer por ser poeta. O Escritor que escreveu de manhã, de tarde e de noite, às portas fechadas, no primeiro andar de seu sobrado em Ipueiras, precisava mesmo de tempo e de isolamento para seu trabalho dar frutos de qualidade.
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Somente agora se sabe que para ser poeta e escritor como ele, tem que sofrer as duras penas dos pequenos e grandes críticos que julgam saber tudo e nada sabem.
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Quem quiser seguir as pegadas do Professor terá que ser humilde de coração, pequeno de egoísmo, mas de disciplinada aspiração futurística como ele foi.
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Esteja com Deus, Professor!
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A presente foto de Costa Matos foi obtida no Diário do Nordeste, de Fortaleza, ontem (a foto é de Everton Lemos, do dia 11/03/1987)
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Luiz Alpiano Viana, é um ipueirense apaixonado por sua terra natal. As suas memórias e saudades de Ipueiras estão sempre presentes em suas crônicas, a exemplo de “Saudade” e “O astuto cirurgião”, narrativas que trazem de volta velhas e boas recordações. Tendo morado na cidade de Crateús/CE e em Brasília/DF, atualmente reside em Forteleza/CE e é funcionário aposentado do Banco do Brasil.

3.3.09

COSTA MATOS NO SITE DA PREFEITURA


O site oficial da cidade de Ipueiras no Ceará assim noticiou o passamento do poeta Costa Matos.

MORRE AOS 81 ANOS, COSTA MATOS

Faleceu, na madrugada de segunda-feira, 02, o professor, educador e escritor ipueirense Costa Matos. O velório e o sepultamento ocorreram no Cemitério Jardim Metropolitano.

José Costa Matos nasceu no dia 29 de outubro de 1927, em Ipueiras. Formado em Letras Anglo-Germânicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ensinou em diversas instituições de ensino em Fortaleza e no Interior, além de ser funcionário público do Tesouro Nacional. Também fundou em sua cidade natal a Escola Normal Rural e o Colégio Otacílio Mota. Era casado com dona Maria Alderi Moreira Matos e deixa quatro filhos e sete netos.

Autor de vários livros de prosa e poesia, em que o sertão se configurava como paisagem principal, ele ocupava a cadeira número 29 da Academia Cearense de Letras (ACL). Ganhador de diversos prêmios no Ceará e em outros estados, também era sócio honorário da Academia Fortalezense de Letras. Atualmente, Costa Matos ocupava o cargo de 1º vice-presidente da ACL na gestão de Pedro Henrique Saraiva Leão.

Assessoria Executiva de Comunicação 2-03-2009 às 14h28

HOMENAGEM A COSTA MATOS

Por
Maria Auxiliadora
*
Vai, poeta, nesta estrada de luz
de sonhos líricos que em cores se faz
na esperança que o conduz
para a eterna paz!

Fica o legado de mestre
do amor ao saber,
do ufanista familiar
a Ipueiras gratificar.

Da juventude enaltecer
e tentar compreender
o brado de querer crescer
trilhar outras eras, esferas,
assim tu eras!
sabor e dissabor que ora encerra
e pouca gente soube entender
esse grito de guerra.

Fica costa de verdes matos
onde está posto um andor
para ti, andarilho das letras,
e da poesia um construtor.
E nesse entorno,
enfileirados aprendizes,
voando como perdizes
em busca de novas rotas
para seguir seus destinos
sem mestre e sem lampião,
e descobrir túneis da vida
tambem em escuridão,

E com fé no reencontro
ao som de clarinetas divinas
sob um clarão celestial
e com muita ternura
aquele abraço angelical
no plano transcendental.

Da Auxiliadora de D. Brígida

COSTA MATOS, MAIS UM POETA IPUEIRENSE QUE DEUS CHAMA

Por
Francisco Tadeu Fontenele
*
Amigas e amigos,
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Quando chega uma notícia dessas para mim, logo mentalizo o mapa das ruas e praças de Ipueiras. E, na rua em que morou o falecido, exatamente na casa de sua família, faço as minhas reminiscências.
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Foi o que fiz hoje no sobrado do Professor Costa Matos, localizado em parte alta da cidade, de aspecto destacado, pois em seu entorno a predominância de casinhas de taipa, da vila formada pelas famílias de operários da fábrica de algodão do Major Sebastião Matos.
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O sobrado que frequentei na minha infância, pois amigo de Lalu e Carlito. Na adolescência, quando a família já não residia em Ipueiras, o local ficava a disposição dos dois filhos para passarem as férias de julho e do final do ano.
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Nós, também de férias, nos juntávamos aos demais amigos da cidade e praticávamos o futebol no campinho que fazia parte da propriedade dos Matos. E aí, a utilização do espaço ficava intercalada entre sessões de leituras de revistas de esportes, de quadrinhos, de então proibidas revistas de sexo, de encontros para umas primeiras golpadas de bebidas nas ocasiões que antecediam a ida para as tertúlias em casas das namoradas ou no Grêmio.
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Já em Fortaleza, na casa da Avenida Bezerra de Menezes, depois daquelas saudáveis farras de sábado para domingo, terminávamos dormindo nas redes carinhosamente dispostas pela Dona Alderi, no quartinho dos fundos. Lá pelas 10, 11 horas chegava o Professor para conversar, saber como foi a noitada. Ouvia, contava umas daquelas estórias de causos e pessoas de Ipueiras e, depois, uma longa sessão de conselhos e orientações.
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Tive o privilégio de ser seu datilógrafo em trabalho literário, um conto que o Professor Costa Matos inscreveu para concurso literário no Paraná, que, por certo foi mais um vitorioso dentre inúmeros em que participou.
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Na sua atuação como dirigente da Receita Federal, aqui em Fortaleza, lembro de uma solidária manifestação que fez a minha família, na pessoa de um irmão que, caixa de Banco, tivera um grande prejuízo ao pagar a mais um valor de um cheque. A pessoa que recebeu o numerário não foi honesta e levou o dinheiro. Ocorreu falta de caixa.
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A solução encontrada foi promover uma rifa em que, com a arrecadação, seria coberto o prejuízo. Fui até a Receita Federal e, gentilmente, no seu gabinete, o Professor Costa Matos adquiriu cartelas que muito contribuiram para resolver aquele problema.
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Guardo dele o carinho especial que tinha quando se encontrava comigo. Sempre com um sorriso aberto e com palavras para provocar sorrisos. E sempre se dirigia a mim chamando-me Pequeno Tadeu. Ao nosso grande Poeta, pequeno na estatura física, a lembrança de um conterrâneo que reconhece ser pequeno diante da grandiosidade de exemplos por ele deixados nestes 81 anos de vida terrena.
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Abraços do Francisco Tadeu Fontenele.

2.3.09

UM POETA MAIS PERTO DE DEUS - COSTA MATOS

Por
Carlito Matos

Amigos: cumpro o doloroso dever de informar a todos vocês o falecimento, no início da manhã de hoje (02.03.2009), do nosso grande poeta, pai e amigo COSTA MATOS. Um extraordinário homem, que transformava pequenas coisas em grandes lições de vida e de amor.

Um verdadeiro alquimista, que convertia metais comuns,aparentemente sem valor, no mais puro ouro. Fica comigo, de forma muito clara, o exemplo da simplicidade, do agradecimento permanente a Deus, por tudo que Ele nos oferece: ninguém é melhor do que ninguém.

Ele dizia sempre: as pessoas têm o direiro de serem tudo que quiserem. MENOS BESTAS. E era assim que ele vivia ultimamente: cortava laranjas e mangas e colocava na janela do apartamento para alimentar as abelhas, colibris. Ou quem chegasse.

Alimentava as rolinhas do predio com arroz. Todos os dias. Já no hospital, perguntava por elas, que, religiosamente, iam ao encontro diário com ele. Chorava com os poemas que dele musiquei: Isolamento, A Mentira das Aparências Sensoriais, Eu Hoje, Tudo Igual.

Cometia, às vezes, o sacrilégio de dizer que eu era mais poeta do que ele. Impossível. Ele é um dos maiores poetas que este País já conheceu e, tenho certeza, o tempo ainda vai mostrar isto.

O sepultamento vai ser no Cemitério Jardim Metropolitano, com o velório e a missa no mesmo local, a partir do meio dia. Saibam todos os amigos que meu pai partiu brando, cheio de paz e certo que foi e vai ser eternamente amado nesta terra de transição. Grato pelas orações de vocês. Que Deus abençoe a todos.


Carlito Matos.

1.3.09

HINO CLANDESTINO

Por
Carol Nogueira


Palavra que, quando inventei de escrever sobre a bandeira do Distrito Federal, não imaginava que ia causar tamanha polêmica – mas confesso que me diverti muito com ela. Só esclareço para que não pairem dúvidas sobre minhas intenções, ao falar agora do hino do Distrito Federal. Não quero levantar discussões acaloradas – mas não vou achar ruim se vocês se animarem a elas.
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Isso para dizer que, por pouco original que pareça, eu também não sinto nada pelo hino oficial do DF. Mas agora vou mais longe: ouso dizer que você, caro leitor, também não. E não só porque hinos em geral são desconhecidos, meio aborrecidos, meio foras-de-moda. Mas porque mesmo quem acha que conhece o hino do DF provavelmente acha errado.
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Acontece com o hino de Brasília um fenômeno bem parecido com aquele do hino do Flamengo: a música que todo mundo canta achando que é o hino, “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, não é. No fundo, no fundo, não faz a menor diferença, porque todo mundo continua cantando. E o hino mesmo, oficial, “Flamengo, Flamengo, sua glória é lutar”, continua sendo o hino oficial, mas e daí ? Pouca gente conhece, ninguém gosta de cantar no estádio. A oficialidade que ele tem não o faz nem um centímetro mais querido.
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O hino do DF para valer, reconhecido por lei e tudo, diz assim que “todo o Brasil vibrou, uma nova luz brilhou”, e por aí vai. Foi criado pela maestrina Neusa França e pelo poeta Geir Campos, passou pelo rigoroso crivo de uma comissão especial constituída pelo Ministério da Educação e da Cultura, em 1960, e publicado em decreto, virou hino oficial em 1961.
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Acontece que, nessa mesma época, um radialista, violeiro e compositor caipira muito do empolgado, emocionado com aquela história toda de nova capital, decidiu compor também sua musiquinha sobre Brasília. Ele, nascido Ariovaldo Pires, já transformado em Capitão Furtado, o nome artístico que adotou ao longo da vida, compôs ao lado do maestro italiano Enrico Simonetti a melodia que ficou conhecida como “Brasília, capital da esperança”. Não é o nosso hino oficial, mas é como se fosse. E desse, sim, eu gosto.
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Devo ter herdado pelo sangue o sentimento que meus pais carregavam quando chegaram por aqui, vindo cada um de um canto do país, lá pelos finais dos anos 1960. Esperança, essa era a palavra – e a música do Capitão Furtado traduzia esse sentimento com perfeição. Me acostumei desde pequena a ouvir esses versinhos em uma versão que é a cara daquela época: o barulho da agulha passeando pelo LP, o tom empostado da voz, os erres vibrados que só quem nasceu na primeira metade do século passado consegue empregar. Não sei se é saudade infantil ou se a musiquinha é boa mesmo, o fato é que esse hino me transmite um civismo brasiliense.
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Fiquei feliz de perceber que não sou a única a simpatizar mais com o hino clandestino que com o oficial – até na página do GDF, onde as duas músicas aparecem vizinhas, “Brasília, capital da esperança” é descrito como o “hino mais popular e mais interpretado”. Essa gravação que segue aí embaixo é exatamente a mesma que eu ouvi durante toda a minha infância, nas manhãs de quarta-feira, assistindo o hastear das bandeiras, de lancheira na mão e mochila nas costas.
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Não é o hino oficial de Brasília, mas quem se importa? Para mim, é.
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Foto do Palácio do Burití:
site arpdf.df.gov.br/sites/200/226/palacio.jpg
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Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris. Em Brasília, ela foi repórter do Correio Braziliense e do Jornal do Brasil e hoje é servidora licenciada da TV Câmara. Mãe dos gêmeos João e Pedro, faz mestrado em literatura lusófona na Sorbonne. Ela tem um blog chamado Le croissant. (Fonte curricular de Carol: Blog do Noblat)