SOMOS SÓ PROFESSORES?
Por
Resolvemos tentar manter contato com ela. A memória mais prodigiosa de minha colega me fez lembrar seu nome completo, e saímos, com auxílio da internet, a tentar procurar seu telefone. Depois de alguns minutos de busca, havia apenas uma pessoa cadastrada com aquele nome. Anotei o número e ligamos. Foi uma conversa incrível, ela, aposentada há muitos anos, ainda se lembrava dos nomes da maioria de seus alunos, incluindo os nossos. Após alguns elogios e palavras de saudades mútuos, falou que iria à secretaria da nossa antiga escola, pegar os registros dos alunos da classe, para facilitar a tentativa de manter contato, ou de, pelo menos, saber alguma coisa de cada um. Doce professora, vou visitá-la em breve, prometo.
Fico imaginando agora, será que algum professor se lembra dos nomes de seus alunos, após passados alguns anos? Tentaria saber de alguma coisa deles, ou mesmo procuraria nos arquivos da faculdade o paradeiro de cada um? Claro que são épocas diferentes, as classes do primário tinham bem menos alunos, a relação entre professor e aluno também está de outro tipo, mas me parece que há uma coisa que fez com que isso tudo se modificasse. A carreira de professor está desprestigiada, cada vez mais.
A profissão, que deveria ser incluída na categoria de uma das mais importantes numa sociedade, hoje, não tem recebido o crédito que merece, sendo dia-a-dia vilipendiada. Penso que a questão salarial é importante, baixos salários desestimulam bastante o professorado, porém não é a única a justificar essa contínua deterioração.
Tenho dito aos alunos que ingressei na carreira docente por um acaso de minha vida profissional. Saíra da faculdade com a idéia fixa de poder ajudar os pequenos agricultores, devolvendo um pouco a eles, aquilo que uma universidade pública pode me proporcionar, como compromisso ético. Fiquei nessa atividade extensionista por cerca de 9 anos, era bastante prazeroso e gratificante.
Junto ao trabalho, desenvolvi também intensa atividade sindical, motivo que me levou a outras boas experiências e, também, a processos judiciais, pelas manifestações e greves que o sindicato recém-formado pela categoria, organizava, na luta por direitos trabalhistas e na redefinição das linhas de trabalho de uma extensão rural voltada aos interesses dos setores menos favorecidos do campo.
Com a perseguição política tomando grande vulto, decidi, por um tempo, “me esconder” na universidade, isto é, resolvi fazer o curso de Mestrado. Ficaria mais tranqüilo, longe da influência dos governantes da época. E assim, continuei os meus estudos, Mestrado, Doutorado, concurso na UNESP e... hoje, sou professor.
O que faz, ou o que deveria fazer um professor na UNESP? Pela lógica, está na cara que é dar aulas. Houve uma portaria da Reitoria, não me lembro ao certo o ano, estabelecendo que cada docente deveria dar, pelo menos, 8 horas de aula por semana em cada semestre. Acho que isso não é levado estritamente ao pé da letra, pois deve haver professor que não atingem essa cota e, ao que eu saiba, não há nenhuma sanção sobre ele.
Além das aulas, o professor faz pesquisa, cada qual em sua área de especialização. E também faz extensão, mas deste assunto falarei em uma outra oportunidade.. A pesquisa serve para produzir novos conhecimentos, que, numa área tecnológica que nem a Agronomia, ou mesmo outros cursos, são demandados num ritmo extremamente veloz. E esses conhecimentos, em aulas, são repassados aos alunos, alimentando os conteúdos das aulas, e estimulando outros, num círculo permanente.
Ocorre que a Universidade tem tomado um rumo bastante diferente do que preconizado em suas origens. Boa parte dos docentes dedica maior tempo de seu trabalho em atividades de pesquisa. Como a estrutura universitária já não tem condições ideais de atender às necessidades da pesquisa, o professor (ou pesquisador, como queira) se vê obrigado a procurar recursos externos, sejam eles públicos ou privados, para poder tocar seus projetos.
Essa busca por recursos toma horas e horas diárias do professor, que investe esse tempo sabendo que poderá colher frutos (novos conhecimentos), associar alunos de graduação e pós-graduação, fazer as pesquisas e depois, outro objetivo claro, publicar os resultados em periódicos indexados.
Esse círculo tem um aspecto ingrato. Para poder ter recursos para pesquisa, o professor, ao enviar seus projetos, sofre uma avaliação por pares (“peer review”), que levam em consideração, com muita ênfase, sua produção científica, ou seja, se ele não produz muito (leia-se, publicação de artigos científicos) ele é mal avaliado e não tem seu projeto aprovado. Quem tem boa produção científica é bem avaliado e tem seu projeto avaliado. Ou seja, para se ter projetos aprovados é preciso um bom currículo, precisa publicar; e para publicar é preciso ter projetos de pesquisa. Quem não tem, dança e, com isso, não pode oferecer aos alunos, em aula, novos conhecimentos produzidos por ele, e sim, apenas repassar conhecimentos produzidos por outros.
No meio acadêmico, o bom professor não é aquele que sabe dar uma boa aula, prepara com esmero a metodologia, se preocupa com a parte didática, oferece bom e adequado conteúdo, se importa se o aluno está interessado ou não em sua aula. O bom professor é aquele que tem um bom currículo, balizado por sua produção científica, quase que exclusivamente. Procure consultar a base dos currículos no CNPq (Lattes), ou mesmo a súmula curricular da FAPESP dos professores e veja se as atividades de ensino são levadas em consideração? Infelizmente, isso pouco vale, os valores estão um tanto invertidos.
As prioridades dos docentes passam a ser outras, afinal, eles precisam ter tempo para dar aulas, ops, desculpe, para pesquisar.
1 Comentários:
Este é um tema recorrente, porque inportante. E professor Lin, o abordou com indiscutível competência.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial