A PRAÇA DO PECADO
Luiz Alpiano Viana
Em Ipueiras existe um local que foi batizado pelos conservadores de Praça do Pecado. Nos anos 70 esse assunto foi muito comentado e criticado pelas beatas, as chamadas pulgas de igreja. Nem por isso os casais pararam de freqüentá-la.
Ela está localizada no lado esquerdo da igreja matriz, com amplas calçadas e jardins arquitetonicamente projetados que convidam os visitantes a um breve passeio. Naquela época a iluminação era precária. A Prefeitura substituía constantemente as lâmpadas quebradas por vândalos, entretanto estava sempre às escuras.
Comentavam algumas pessoas que os namorados, propositalmente, as quebravam para ficar do jeito que eles queriam, escuro. O funcionário da empresa de eletrificação vivia constantemente no alto dos postes colocando lâmpadas novas e no outro dia estavam de novo quebradas.
Eu andei algumas vezes por lá, até porque era o caminho de ida e volta por onde eu passava todos os dias para o colégio. Qualquer jovem diria, sem titubear, que era mesmo um bom lugar para namorar. Não adianta dizer que não, porque a garotada sabe o que lhe satisfaz mesmo que não seja o que queiram os pais. Dificilmente eles conseguem mudar o comportamento dos filhos. Em algumas situações é perda de tempo, pois eles estão em plena busca de liberdade e identificação e disso não abrem mão. Qual de nós não conheceu a Praça do Pecado!
Quando estou em Ipueiras tenho a impressão de que volto no tempo. Num dado instante lembro-me, com esmerado detalhe, o vai-e-vem dos rapazes e moças daquela época. Paqueravam-se, beijavam-se e se agarravam num ritmo alucinante sem se preocuparem com quem estivesse por perto. Naquele chamego excitante sem experiência do que fazia, uma hora estava numa praça, outra hora noutra, A coisa mais importante era viver intensa e emocionalmente a época. Nessa permanente sintonia com o desconhecido, o jovem acaba descobrindo que a vida vale à pena. E aproveitava para vivê-la em boa companhia, à noite, nos bancos da praça da igreja.
Os bancos não eram personalizados. Não obstante, estavam sempre ocupados pelas mesmas pessoas que chegavam mais cedo e permaneciam até altas horas da manhã. Aquele que chegasse tarde não mais encontraria lugar. Era uma disputa engraçadíssima, cada um queria ficar num lugar mais escondido, menos visível. A noite silenciosa e romântica sabia que algumas gravidezes saíriam dali! Prova é que por entre as plantas dos jardins encontravam-se resquícios de absoluta liberdade sexual.
Durante a noite as pessoas mais idosas desviavam o caminho porque os casais abusavam da liberdade e sem cerimônia praticavam atos libidinosos. Até mesmo no recuado das portas da igreja eles se aninhavam esperta, cômoda e despreocupadamente para chamejarem. A sociedade conservadora não via nada disso com bons olhos, pois feria profundamente os princípios cristãos orientados pela Paróquia.
Toda reclamação sobre assunto dessa natureza era direcionada à igreja. Se as cenas eram desse jeito a ponto de senhoras e crianças não poderem ver, por que, então, as autoridades calavam? Eu vivi a fase de adolescente nessa mesma época, no entanto não dou notícia de nenhum comportamento exagerado da meninada. Tenho razão para falar assim: eu era um deles!
Esporadicamente, e sem avisar, o padre aparecia na Praça, acompanhado de duas ou três pessoas para constatar as denúncias. Outras vezes quando ele apontava no portão da casa paroquial, os casais se dispersavam para não serem identificados.
Orientados pelo sacerdote os pais se reuniam constantemente com os filhos para tratar de reeducação e aconselhamento familiar. A igreja atuava com muito rigor e conservadorismo na vida das famílias. O povo era obediente demais e aceitava as orientações e reclamações que viessem de fontes educativas como a igreja. Diziam os grupos de catequese que quem namorava naquele lugar não teria a salvação garantida e estava condenado ao purgatório, àquele lugar onde só iam as "empregadinhas domésticas"! Que discriminação, não é mesmo? É como se elas não fossem seres humanos, cidadãs, filhas de Deus.
As moças de família também freqüentavam a Praça do Pecado embora as mães não acreditassem. Como não sabiam de nada eram as primeiras a falarem mal da filha do vizinho. A imperfeição do ser humano só enxerga o cisco no olho alheio. Eu até acho que os comentários eram demasiado grandes sobre os coitados dos namorados! Quem não gosta de namorar! Qual adolescente principalmente o de nossa época, que não tem uma história! Ele sente-se envaidecido ao lembrar os grandes momentos inesquecíveis de sua juventude, sua virilidade, enfim, um homem completo na verdadeira acepção da palavra, eternamente perseguido pela mulherada.
Mesmo que a maioria das pessoas não se iniba em se amar em qualquer lugar em plena luz do dia, ainda há quem se constranja em fazê-lo em público. Por mais que o mundo tenha-se modernizado, nós da jovem guarda ainda preferimos namorar e beijar em lugar escondido, entre quatro paredes .
Mas isso depende da forma como o indivíduo foi educado. As instituições religiosas são totalmente contra, não admitem cenas de amor em lugares freqüentados por pessoas idosas e crianças. Aliás, todo excesso deve ser evitado. E é justo que o faça a Igreja porque é bom para a estruturação da família cujos frutos tendem a serem cidadãos de bem.
Mas vale lembrar que namorar é um deleite da alma e é sem dúvida a melhor coisa que se faz no mundo! Faz bem à saúde, à pele, à circulação; o olho brilha, o coração bate forte, o sangue ferve. Quem disser o contrário certamente nunca viveu um momento tão sublime. Para os que ainda não passaram pela experiência, a Pracinha do Pecado ainda existe e oferece essa oportunidade.
Aproveite-a, porém não quebre todas as lâmpadas senão fica escuro demais.
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Foto da escultura: xexe.tipos.com.br/arquivo/2004/11/28/as-coisa...
2 Comentários:
Mais um texto realista de Luiz Alpiano sobre a história de Ipueiras, bem ao estilo do cronista, com todos fs e rs.
Parabéns.
Achei muito simpático o texto do Luiz Alpiano,são memórias que ficam guardadas em nossas mentes para sempre!!Lindo e muito saudosista!Parabéns
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