BRECHÓ NO VILLAGE
Três anos atrás, meu filho mais velho morava na cidade de São Paulo e fazia um curso de teatro, profissão que pretende seguir. Fazia em uma escola onde alguns artistas já consagrados ministravam aulas e workshops.
Visitamo-lo num final de semana, dormimos no apartamento onde morava, perto da Nove de Julho. No domingo, saímos para almoçar, andando pelas ruas da capital, subindo em direção à Avenida Paulista. Diferente do corre-corre dos dias de semana, os domingos são tranqüilos, com poucos carros pelas ruas.
Naquele dia, porém, algo estava diferente. Havia muita gente nas ruas naquela região. À medida em que subíamos em direção à crista da avenida, grupos cada vez mais numerosos de pessoas estavam à nossa volta. Outro detalhe: todos vestidos com roupas extravagantes, fantasias coloridas.
Os adereços usados já indicavam o evento. Estávamos indo em direção à Parada Gay, cujo nome oficial não é esse, pois esta envolve não apenas seguidores dessa orientação sexual, mas de todas elas, incluindo os héteros apoiadores.
Era uma festa divertida, diversos tipos de pessoas estavam por lá, muitos fantasiados, outros nem tanto. Muitos balões com as cores do arco-íris, representando esse movimento. A alegria era marca da grande maioria. O dia ensolarado ajudava no estado de espírito das pessoas.
Nada tenho contra a escolha de cada um, talvez apenas um pequeno estranhamento, causado por educação mais conservadora, mas que, com o tempo, tenho tirado de minha cabeça, pelo convívio com pessoas de diferentes orientações.
Aqui nesta cidade, penso que essas questões estão também sendo superadas. É muito comum encontrar casais homossexuais pelas ruas. Como eu sei? Não perguntei, isso não é coisa que se faça, mas alguns comportamentos não me deixam mentir. Mãos dadas e pequenos afagos, mútuos, devem indicar uma relação mais íntima.
Não conheço Amsterdan ou alguma outra cidade européia, onde, dizem, a liberalidade é bem maior, mas os Estados Unidos, país até bem conservador algumas décadas atrás, estão andando com ventos mais arejados. São Francisco, na Califórnia, é um marco desses novos tipos de ares que passaram por aqui, na costa leste americana..
Houve um caso recente em que o governador de New Jersey assumiu publicamente sua condição de homossexual, “getting out of the closet”, causando uma certa celeuma pelo cargo que exercia (renunciou no dia do anúncio, com a esposa ao lado) e depois pelo processo judicial movido para a guarda da filha, mas depois, nada mais. Penso que a sociedade americana absorveu a situação.
Certos locais em Manhattan são bastante freqüentados por eles. No Village, há lojas exclusivas para esse público. Bares e casas noturnas já são comuns há um pouco mais de tempo. Como morei nesse bairro por um tempo e andava bastante pelas ruas, era possível estar perto deles.
Conheci um travesti, John, ou Johnny, como preferia, dono de um pequeno brechó, numa esquina perto da Broadway. O brechó não era legalizado, utilizava a calçada em frente a uma loja de roupas e objetos usados (esta sim, legalizada) para colocar umas mesas, caixas e araras, dispondo seus produtos. Trazia-os dentro de uma pequena van, e fazia seu trabalho itinerante, já que a este lugar vinha apenas nos finais de semana.
Era um homem alto, forte, cinquentão, e usava, invariavelmente, em todas as vezes que por lá estive, uma jaqueta que imitava pele de onça, uma calça roxa, tipo colant e um chapéu tipo militar, preto, além de uma bota de cano longo, combinando com o chapéu.
Comprei algumas coisas, todas muito baratas. Pechinchar com ele não era difícil, sempre dava o desconto que eu pedia ou fazia um preço que eu considerava acessível. Que tal um sobretudo de lã e uma jaqueta de couro, por apenas 7 dólares cada? Outro sobretudo, desta vez para mulher, por cinco? E uma maleta, dos Seabees, um grupo musical de Minnesota, dos anos 40, por 10? Uma verdadeira bagatela.
Deixei encomendadas outras coisas. Prometeu ir atrás, pois não as tinha no momento. Seu companheiro, um mexicano radicado há vários anos aqui, iria ajudá-lo nesta empreitada. Uma força a mais na busca de outros produtos baratos da cidade.
2 Comentários:
Prof. Lin Chau Ming em sua narrativa, trata a questão da diversidade de opções sexuais com a naturalidade de alguém cuja preocupação maior é a dignidade humana: trabalho, respeito, companheirismo e amizade. Trata-se de alguém que veio ao planeta para fazer amigos, além de realizar, e muito bem, seu sonho profissional. Parabéns.
Lin Chau Ming consegui falar de um assunto polêmico com muita leveza e assim deve ser. Está mais do que na hora de aprendermos a conviver e respeitar as diferenças.
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