REABILITAÇÃO
Jean Kleber Mattos
Um de meus melhores amigos, um conterrâneo, envolveu-se certa vez num acidente com arma de fogo quando morava em Goiânia. Ele saíra em grupo para uma ‘caça ao pombo” e não percebera que sua arma não era confiável.
O primeiro tiro, literalmente, “saiu pela culatra”. A carga explodiu sobre seu rosto e um chumbinho rompeu o osso frontal alojando-se no tecido do cérebro. Queda imediata. Hospitalização. Neurocirurgia de emergência. Hemiplegia.
O fato dele não conseguir andar assustava a todos. Seus familiares permaneciam ao seu lado dia e noite, ainda no hospital. Cartazes com frases de auto-ajuda estavam afixados por toda a parede do apartamento. Ao chegar alguém conhecido seu, o cumprimento, um aperto de mão, tinha a força de uma tenaz. Não falava. Olhava-nos fixamente nos olhos.
Um mês depois, voltando de uma reunião em Cuiabá, passei por Goiânia para ver como ele estava. Em casa, deitado numa rede, continuava hemiplégico mas já falava e seu costumeiro bom humor estava voltando. A rede estava úmida de urina colorida pela medicação. Meu amigo muito mal controlava a micção e a evacuação. Ainda não firmava a passada. A família, numerosa, continuava a lhe dar total apoio. Os integrantes revezavam-se nos cuidados, mesmo morando à distância. Amor, fé e orações. Ao seu lado, sua mãe pediu-me que a ajudasse a levá-lo ao banheiro.
-Tia, você tem dois cabos de vassoura? Perguntei.
Ele lançou-me um olhar assustado do tipo: "o que estará ele tramando?”
Obtidos os cabos, tentei ensinar-lhe como, em movimentos sincronizados, locomover-se apoiado nas peças de madeira. Para sua garantia neste primeiro momento, caminhamos ao seu lado, apoiando-o, eu e sua mãe.
Algum tempo depois, chegando à Fortaleza, reencontrei-o, desta vez na casa do pai. Ele já caminhava com algum desembaraço dentro de casa e no quintal. Medicação controlada. Convidei-o então para, à noite, integrar comigo um grupo de amigos que estavam indo a um forró, desses tão comuns em Fortaleza. Relutante de início, pensou melhor e aceitou o convite.
Chegados ao forró, não demorou para que todos dançássemos. Eu fora privilegiado. Dançava com Vânia, um pé de valsa. Leve como uma pluma. Meu amigo dançava com Margareth, verdadeira professora. Forró e lambada eram com ela mesma. Em dado momento ele acercou-se de mim e pediu:
-Jean, me dá a Vânia. Ela é levinha. Margareth rebola muito e eu tenho medo de cair...!
Hoje meu amigo é um fisioterapeuta diplomado, altamente prestigiado na área, atuando em Fortaleza. Faz algum tempo que não o vejo. Quando o reencontrar vou perguntar-lhe se já incluiu em seu manual de reabilitação, a técnica dos cabos de vassoura e a dança com uma mulher levinha...
3 Comentários:
Rico e interessante relato de dor e supera�o, acredito muito na ajuda divina, mas n�s tamb�m temos que dar um empurr�o, no texto perceb� que ele n�o se entregou,n�o assumiu o papel de coitado, isso foi fundamental. Acredito que nosso poder interior � ainda muito pouco conhecido, foi certamente esta for�a que levantou, seu amigo.Texto bem elaborado e de rica li�o. Parab�ns.
B�rgson Frota
A maior força que existe no homem ainda está para ser descoberta. é a força da fé, nunca perder as esperanças, é isso que esse texto passa.
Este trabalho nos faz pensar em como somos tão pobres quando por qualquer problema estamos reclamando. Reabilitação, trabalho que é uma lição para os chorões da vida.
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