PorHélder Sabóia
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“O mundo é um cavalo e o cabresto é o dinheiro”. Com esta oração o ficcionista Costa Matos inicia o romance intitulado o Rio Subterrâneo centrado na ambiência sócio-cultural da Ipueiras dos idos de 1950, início da década seguinte, onde o enfoque sociológico se volta para os conflitos políticos que se desencadeavam ao longo das virulentas campanhas eleitorais, em que os chefes políticos da localidade disputavam a liderança do poder municipal.
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Este intróito não traduz qualquer pretensão de querermos adentrar na crítica da produção literária do genial Costa Matos. Não, longe de nós qualquer intenção nesse sentido, pois, mesmo se o quiséssemos, faltar-nos-iam engenho e arte para tamanha empreitada.
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Na certa, algum dos seus pares, da honrada e vetusta Academia Cearense de Letras o farão com brilhantismo, bem à altura do porte intelectual do falecido cuja memória reverenciamos nesta noite. Mesmo nos eximindo deste ingente encargo não poderíamos deixar de ressaltar a grandeza da sua poesia, vez que profunda como o oceano e imensa como o infinito.
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Foi telúrico quando, como filho amoroso, arpejou, nas cordas do coração, o amor à terra natal. Assim falou o poeta: “Aquele riozinho é o Jatobá gemendo sob a ponte. Os feitiços da cor no anseio do horizonte e a desintegração do céu em mil perfumes. O Cristo Redentor, minha casa, as colinas, o terço ao por do sol, mãos postas, pequeninas, e a névoa do Senhor abençoando os cumes”. E, saudoso da mãe terra distante, lamuriou-se: “Fevereiro atiçou fogueiras aurorais na combustão floral que acende ipês na serra.
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Como deve estar linda agora a minha terra, se andou chovendo assim, qual leio nos jornais. Um vôo de festa de andorinhas hibernais, sobre a igrejinha branca, em leque, se descerra. E, vencendo a distância, a minha saudade erra pelo torrão que guarda as cinzas de meus pais”. Versejou, pelos apaixonados, os amores inesquecíveis e, em Bilhete Azul: “Hoje, ao pegar nas cartas que me mandastes e, ao manda-las de volta, eu me lembrei pois já não te ama o coração que amaste nem sei se ama o coração que amei....Se algum dia eu falar deste passado feliz que o tempo há muito devorou, não penses que para ti terei voltado e que a felicidade derrama seus dulçores por tudo aquilo que passou... Saudade, apenas, não te quero mais, adeus”.
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O menestrel, na sua condição humana, teve, como todos nós, momentos de incertezas e desalento quando disse “Num momento de descrença e sem esperança rasquei sem pena todos os meus versos. Desajudado e só, frente aos fados adversos, a luta é vã, sem glória ou recompensa.Quando se esmaga um poeta a indiferença pesa bem mais que os gelos milenares das paisagens sem sol dos círculos polares”.
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Na teologia escatológica vislumbrou o final dos tempos e vaticinou “Na agonia da Terra as truculentas massas profanam sem piedade as últimas carcaças da esperança e do amor, na assombração do escuro. E eu, mudo de terror, a minha angústia escondo, enquanto escuto, ao longe, pavoroso estrondo, destas horas sem Deus fecundando o futuro”. E no plano individual disse o vate: “Morrer, voar, abraçar no espaço os gênios de outras eras e colher uma flor em cada estrela acessa. Ver de perto a criação de mundos”.
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Não esqueceu de agradecer ao Senhor o dom da vida e assim orou: “Não encontrei motivo, em toda minha vida, para amaldiçoar o meu caminho. O bem que eu quero ter, sem muita lida, cedo ou tarde se integra em meu caminho. Quis Deus Nosso Senhor minha alma rica da Grande Paz, de luz, do amor profundo que eu desejei, e agora multiplica prêmios, por tudo que eu sofri no mundo”. Muito e muito mais teríamos a reproduzir da poesia do Costa Matos, enfeixadas, dentre outras, nas obras:Pirilampos.As Viagens. O Sonho das Respostas, Estações de Sonetos.
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Naquela pequena estatura, à semelhança de Rui Barbosa, se abrigava um gigante que, mesmo aprisionado na corporeidade, se manifestava, pujante, na força incontida de sua majestosa produção intelectual. Tentamos ser sucinto, ressaltando o que, de mais belo, à nossa sensibilidade, quer transmitir a riqueza multifária de sua manifestação poética. Falamos do intelectual que, aqui e alhures, conquistou vários prêmios literários. Do ser humano, ficam sua generosidade, a simplicidade própria de todo gênio, a alegria de viver e os ditos jocosos sobre as figuras folclóricas da velha Ipueiras.
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Em que pese sua erudição no campo da ontologia, não se rendeu à frieza da razão pura, que bem caracteriza todo intelectual. Permaneceu, humilde, ante à incógnita do sobrenatural, fiel à sua fé inquebrantável em Deus, que a demonstrava, com convicção, nas crônicas quinzenais no Diário do Nordeste, eivadas de profunda filosofia e, às vezes, com o registro de admiração pelo apóstolo Paulo, o precursor da evangelização ecumênica de todos os povos. Ficam, também, o exemplo de vida, de pai amoroso, do eminente professor e, acima de tudo, permanece entre nós, familiares, amigos, conterrâneos e admiradores, a luz de sua radiante presença aqui na Terra.
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E os rastros dessa luz hão de perpassar o tempo, fecundando o futuro, porque a luminescência, que se irradia lá dos páramos, carrega a eterna sabedoria de um homem simples que viveu para fazer o bem, transmitido a todos que o circundavam a preciosidade de seus conhecimentos, em especial aos discípulos, de antanho, na Ipueiras querida, na Faculdade de Filosofia em Sobral e, os de agora, nos círculos universitários aqui sediados, pois mestre consagrado de filosofia, de literatura e da língua pátria.
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Esta é a nossa sincera homenagem. Homenagem e gratidão de ex-aluno e amigo, conterrâneo e admirador.
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Francisco Hélder Catunda de Sabóia
Fortaleza-Ce
3 Comentários:
Mais uma homenagem, desta vez do ex-aluno e amigo, conterrâneo e admirador Hélder Sabóia. Obrigado, Helder. Um abraço.
Jean,
Bela homenagem e bem fundamentada presta Hélder Catunda ao nosso competente e importante poeta ipueirense Costa Matos.
dalinha Catunda
Acho que eu tinha uns dez anos de idade quando meu pai teve uma conversa comigo e o Lalu, sobre a importância do latim para o aprendizado da lingua portuguesa, tendo em vista a sua origem. Também queria que a gente "ajudasse" na missa do Padre Belarmino, toda rezada em latim. Foi aí que o Helder Sabóia entrou nas nossas vidas, escolhido que foi para as ditas aulas, ministradas sempre no início de cada noite.Era muito bom e divertido. Uma coisa importantíssima na vida da gente, proporcionada com uma boa vontade maravilhosa. E ainda tinha um prêmio, no final, para os compenetrados alunos: um doce de leite espetacular, feito pela mãe dele. Uma grande pessoa, o Hélder. Íntegro. Amigo. Um orgulho da gente.E agora escrevendo tão bem quanto o seu Mestre. Obrigado, meu irmão.
Carlito Matos.
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