DOIS DIAS A REVISITAR IPUEIRAS - PAPOS E REFLEXÕES NA ESTRADA
Para nós, era um retorno, após nossa estada lá, em agosto de 2.003, quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima, havia voltado a Fortaleza (Ce), desde quando lá estivera. Dessa época, eu menino, fizera o papel de Jacinto, o pastorzinho a quem, além das irmãs, teria aparecido a Virgem. Isso, na noite quando ali se dariam vários milagres. Não pude presenciá-los. Cansado, fui para casa dormir e, dia seguinte, ouvir eufóricos relatos em toda a cidade. Solange , á época, era interna no Ipu e, naquele dia, ali não esteve presente. Depois, na inauguração do Arco do Triunfo, seria, sim, uma das princesas (ela e Miraugusta ao lado de Elisa Maria Mourão, a rainha), registrada hoje nas fotos do “site” de Ipueiras e nos relatos de Bérgson Frota.
Nossa missão, transferir para a Associação Grupo União Familiar de Lagoa dos Tavares (AGUF-LT), presidida por Antônio Rodrigues da Silva, conhecido como “Antônio Otávio”, costume na serra a expressar “filho de Seu Otávio” (conheci até um “Luiz Luiz...), o Sítio Buriti. Tudo financiado por programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio da Secretária do Desenvolvimento Agrário, responsável pela gestão do Fundo de Terras, em articulação com órgãos do Estado do Ceará e Banco do Brasil.
O entorno a evocar “releituras” ...
Na estrada, papos, a troca de impressões, entre os três. Tudo em mim, porém, a evocar “releituras”. Estrada, a de Canindé, a nos evocar os baiões de Luís Gonzaga: “quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé”. Progressos, sem dúvida. Não se vêem mais ali burricos, nem os pobres andando a pé. Bom asfalto, o veículo desliza, comodamente, por volta dos 110 quilômetros . À margem da estrada, a anteceder o sol, forte garoa, cerração, a nos embaçar, do carro, o pára-brisa. Mesmo assim, a paisagem é, ao contrário da ocorrente em outras épocas, de forte e contínuo verde.
Quantas vezes, ao por ali passarmos, tudo seco. Tempos esses, os de verão, lembrados pela canção de Gonzaga:
Acauã vive cantando,
Durante o tempo do verão,
No silêncio das tardes agourando,
Chamando a seca p’ro sertão.
(...) Na alegria do inverno,
Canta sapo, jia e rã,
Mas, na tristeza da seca,
Só se ouve o acauã”
À nossa frente, vai surgindo, aos poucos, a Basílica de São Francisco, em Canindé. E a paisagem, em mim, desperta as muitas vezes que lá estive: a) pró-reitor de extensão da UFC, a acompanhar os trabalhos de pesquisadores sobre o imaginário de nosso povo, expresso nas promessas e ex-votos, e do agradecer das esmolas com a tríade “Deus lhe dê saúde, fortuna e felicidade”; b) o pagar das promessas de minha mãe Adaísa, em agradecimento a São Francisco por me ter poupado, garantia ela, o ir-me daqui para a outra vida, quando de meu primeiro enfarto; c) em homenagem que, por sugestão de Dona Violeta Arraes Gervaiseau (irmã de Miguel Arraes), prestávamos, ali, a Dom Hélder Câmara, quando eu a cuidar de meios de comunicação áudio-visual, integrava comissão mista (francesa e brasileira), na captação de imagens com vistas à divulgação, pelo País e Europa, da grande festa. E tantas outras, que não mais me vêm à lembrança...
Sol, enfim, a brilhar. Expedito nos chama a atenção, à margem da estrada, para a pouca utilização das terras destinadas, como outrora, à agricultura e à produção de alimentos. À nossa frente, improvisados barracos, postados ante uma visível área de fazenda ou sítio destinada à produção agrícola.
Expedito explica-nos: “È o MST!”. Solange estranha, logo, a sujeira, o desconforto das barracas. Expedito faz críticas ao movimento. E tece, saudoso, elogios a Dom Fragoso, com quem trabalhou. Para ele, agentes do MST hoje são itinerantes em todo o País, para promover a baderna. Não se assentam...
Nessa esteira, conclui-nos Expedito, é que viria navegando a Associação Grupo União Familiar de Lagoa dos Tavares (AGUF-LT), assentando-se no Buriti e na Lagoa dos Tavares, com vista à exploração ali, da serra úmida, na histórica Matriz da Serra dos Cocos, para a exploração da agricultura familiar e a produção de alimentos. “Não à esmola! Mas sim ao trabalho”, concluí comigo, novamente Gonzaga e Zé Dantas, com o baião “Vozes da Seca” a me voltar à mente...
Esmola, a um homem que é são
ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão.