UM POUCO DO BAIRRO ONDE MORO, O HARLEM.
Lin Chau Ming
Falar que moro no Harlem pode causar algum espanto no Brasil. Sim, a simples menção do nome deste bairro, junto com o de outros daqui de Nova York, como o Bronx, pode gerar um sentimento de medo, perigo, dada a história contada sobre esses lugares e na qual sobressaíam essas características. Verdadeiros guetos de marginais, locais de tráfico de drogas, violência, estes são alguns dos adjetivos no imaginário dos brasileiros sobre esses bairros.
Das vezes anteriores que vim a esta cidade, morei no Bronx, devido à proximidade ao Jardim Botânico de Nova York, que fica nesse bairro. Agora, estou no Harlem, próximo à Columbia University. Coincidências das necessidades de cada época de minha vinda para cá, aliada aos preços mais baixos dos aluguéis.
Todos os adjetivos mencionados são válidos, sim, os bairros mais periféricos da cidade, como em qualquer metrópole do mundo, possuem seus pontos negativos. É muito fácil ver, na esquina do prédio onde moro aqui, pessoas traficando drogas. Mas também é fácil ver, trabalhadores, famílias, gente simples e honesta, por essas paragens. Pra mim, é preciso saber conviver com essas diferenças, desde que possa morar com segurança. Algumas precauções devem ser tomadas, evidentemente.
Foi formado em 1658, em terras onde habitavam os índios Weckquaesgek e mesmo após 1811, quando o sistema de organização das ruas de Manhattan foi elaborado, a região ainda era pouco habitada. Com o tempo, recebeu diferentes contingentes étnicos, desde imigrantes italianos, alemães e irlandeses até, em épocas mais recentes, de habitantes de Porto Rico e outros países latinos e americanos afrodescendentes, bem como imigrantes de países do oeste da África.
Por ser um bairro grande, o Harlem têm algumas peculiaridades. Essa mescla é observada nas ruas dos bairros atualmente. Há determinadas ruas ou quarteirões onde se vê algumas características marcantes. Há um trecho da rua 125 chamado African Place, por acomodar diversas lojas que vendem produtos de origem africana. Nas calçadas desse lugar, africanos vendem um tipo especial de produto: óleos essenciais, incensos e produtos relacionados, dando um aroma agradável para as redondezas.
Em outro trecho, da rua 116, foi homenageado o patrono da independência da República Dominicana, Luis Muñoz Marin, e nessa região, representantes desse país são a maioria.
No meu prédio, a maioria dos apartamentos é ocupada por famílias oriundas de países africanos, conversei com alguns deles. Há outros mexicanos e também do Haiti. Americanos afrodescendentes completam a ocupação do prédio.
O bairro abriga alguns objetos ou locais históricos. Líderes da luta contra a escravidão nos EUA organizaram muitas das atividades em quartéis generais localizados no bairro. Conserva o último remanescente das antigas torres de observação contra incêndios da cidade, construído em 1851, nas partes mais altas da cidade, em estrutura de ferro e escada em espiral, abrigando em seu alto, um enorme sino de ferro. O ator americano Burt Lancaster cresceu no bairro, numa casa que foi demolida em 1950 para construção de uma praça. Atualmente, o bairro passa por um processo de revitalização.
Muitos dos antigos prédios estão sendo reformados ou novos prédios assumem seus lugares. Podem ser vistas muitas obras em andamento em diversos pontos do bairro. Até o ex-presidente Bill Clinton abriu um escritório político no bairro. Com isso, os preços dos imóveis subiram absurdamente nos últimos dez anos. Hoje, não se encontra um studio (kitinet, para o linguajar brasileiro) por menos que 300 mil dólares. Apartamento com 2 quartos, meio milhão de dólares. Barato, para os padrões daqui, pois no centro de Manhattan, um studio custa de 800 mil a um milhão de dólares.
A influência negra é grande no bairro. Em alguns locais daqui, a predominância dos afrodescendentes é enorme. As estatísticas mostram que hoje, cerca de 40 % dos mais de 120 mil moradores do bairro pertencem a esta categoria, seguido de perto pelos mexicanos.
É considerado um dos bairros mais influentes no desenvolvimento da música e dança. Uma das ruas do bairro se chama Duke Ellington, em homenagem ao famoso pianista de jazz americano. Há outros locais que também recebem nomes de outros nomes na área cultural
Líderes na luta dos direitos dos negros americanos também são homenageados. Há o Dr. Martin Luther King Jr. Boulevard e a Malcolm-X Avenue, este último assassinado no Harlem, em 1965.
Outra avenida se chama Frederick Douglass, nome de um negro americano, referência na luta abolicionista. Essa avenida é paralela à onde moro e também aqui perto, há a praça Jackie Robinson, jogador negro de destaque no basebol dos anos 60-70.
No bairro também esteve, nada mais do que Jesse Owens, lembram-se deste nome? Foi o atleta americano negro que nas Olimpíadas de 1936, na Alemanha, destruiu a tese de superioridade racial proposta por Hitler, ganhando quatro medalhas de ouro no atletismo.
Quando eu era adolescente, fui assistir no ginásio do Ibirapuera, a um jogo dos Harlem Globetrotters. Quem da minha geração não se lembra deste nome? Era (não sei se esse grupo ainda existe) um time de basquete, que fazia exibições de acrobacias e malabarismos com a bola cor de abóbora. Eu ficava admirado com a habilidade daqueles jogadores, talvez os antecessores dos jogadores e de algumas jogadas da NBA americana. Não sei se os jogadores dos Globetrotters eram todos do Harlem, porém, todos eram negros.
Quem sabe eu não encontre um deles por aqui, batendo ainda uma bolinha nas diversas quadras de basquete existentes no bairro?
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2 Comentários:
Fantástico texto: descritivo e amigável!
Estou escrevendo um artigo sobre Geoffrey Canada, um educador que cresceu no Harlem e criou a "Harlem Children´s Zone", uma organização focada na educação gratuito e que acompanha as crianças desde a primeira infância até a conclusão da faculdade.
Gostei demais do teu post, parabéns e continue escrevendo.
Grande abraço
Muito legal, quanto aos
Harlem Globetrottens ainda existem sim e continuam fazendo shows pelo mundo afora.
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