AS PLANTAS E NOSSOS TEMPOS MÁGICOS - CAPITULO PRIMEIRO
Por
Jean Kleber de Abreu Mattos
A
COLEÇÃO DE “ZINHA”. O COMEÇO DE TUDO
Para concluir o curso de agronomia, o
estudante precisa submeter a uma banca de profissionais um trabalho de
pesquisa, tipo banco de dados, experimental de campo, estufa ou levantamento. O
aluno procura um professor para orientá-lo na disciplina denominada Estágio
Supervisionado. Procurou-me em 1980, uma aluna dizendo
que gostaria de trabalhar com plantas medicinais. MARIA ÂNGELA DAS GRAÇAS, carinhosamente apelidada de
“Zinha”, por seus familiares. Naquela época eu ainda não trabalhava com
o assunto. Meu campo de trabalho eram hortaliças convencionais. – Não sei quase
nada sobre plantas medicinais- disse. Ela pareceu decepcionada. Tudo bem -falei -
que tal aprendermos juntos? Ela topou. Daí eu perguntei: você tem avó? – Tenho
sim e ela sabe muito de plantas medicinais. – Traga sua avó, então. Vamos
começar a aprender com ela...
Dito e feito, alguns dias depois ela
compareceu com a avó. Fomos à fazenda experimental da universidade para já
iniciar o plantio da coleção, pois a avó trouxera mudas de aproximadamente quinze
espécies. Manjerona, hortelã, manjericão, salvia, alecrim, tomilho, capuchinha e
outras. Recuperamos o nome botânico de cada uma e iniciamos a revisão bibliográfica.
Anunciamos que estávamos fazendo a coleção de forma que quem quisesse colaborar, trazendo mudas das mais diversas possíveis, seria de grande ajuda. Não demorou e
estávamos com trinta espécies no campo. Zinha apresentou o trabalho e obteve a menção
máxima. A coleção prosperou e começou a receber visitas de colegas de Brasília e
de outras estados. Um amigo meu, farmacêutico José Maria, radicado na Paraíba nos
visitou um dia e relatou que estava conduzindo um projeto semelhante em uma comunidade
daquele estado, tipo horto medicinal comunitário. Levou algumas mudas. Combinamos
que faríamos intercãmbio. Um amigo, o agrônomo Donizete Tokarski lá esteve. O irmão
dele Rogério Tokarski empresário do ramo, mantinha uma produção no Núcleo Rural
de Vagem Bonita. Era, portanto, vizinho nosso. Começava ali um intercâmbio produtivo
que teria muitos desdobramentos felizes. A coleção de Zinha começava sua história
e nos traria muitas surpresas, obviamente agradáveis.
GLOBO
RURAL
Montei
uma coleção viva de plantas medicinais na Fazenda Experimental Água Limpa, da
Universidade de Brasília. Um amigo meu farmacêutico, o José Maria, certo dia
visitou a área e ficou entusiasmado com o projeto. Ele conduzia um projeto de
fitoterapia e medicina popular no interior da Paraíba. A equipe do Globo Rural
procurou-o para filmar a experiência. Ele recusou e recomendou aos repórteres
que me procurassem para filmar a coleção da UnB. Fomos então filmados e
“saímos” no Globo Rural do dia 16 de julho de 1984, com o repórter Hamilton
Ribeiro. Depois fiquei sabendo que aquele repórter era um herói de guerra tendo
sido atingido por uma mina ao cobrir a Guerra do Vietnam. Somos amigos até
hoje. Aquela exposição deu grande popularidade ao projeto. Recebemos mais de
dez mil cartas em busca de apostilas e informações diversas. Vieram também
convites para que proferíssemos palestras em congressos e semanas agronômicas
promovidas por centros acadêmicos. Começava ali a maratona universitária que
duraria vários anos.
DEPRESSÃO
Em
1982 fui acometido de uma forte depressão, também chamada de obsessão na
nomenclatura de meus colegas espíritas. Para manter a mente ocupada, eu lia
compulsivamente o livro “Plantas Daninhas do Brasil:
terrestres, aquáticas, parasitas, tóxicas e medicinais.” de Harri
Lorenzi. Lendo-o, aprendi muito no período, embora sofrendo com a situação.
Minha noiva levou-me à Comunhão Espírita de Brasília para fazer uma consulta. O
médium recomendou-me um tratamento à base de passes magnéticos (às quartas
feiras, após a palestra) e orações diárias matinais. Dentro de dois meses
ocorreu a cura. Eu voltava do Congresso de Fitopatologia em Fortaleza num
ônibus, e quando chegamos se bem me lembro à cidade de Bom Jesus da Lapa,
senti vontade de comer macarronada, o que era inusitado, pois eu não tinha fome
e dormia mal há bastante tempo. Minha magreza era visível. Desci com minha
noiva, entramos no restaurante e fizemos o pedido. Após a macarronada senti-me
curado. A sensação era de que algo estava indo embora de mim. Nunca mais tive
aquela depressão. Já se passaram quarenta anos.
ACCORSI
Eu
estava proferindo uma palestra no Congresso Brasileiro de Olericultura em julho
de 1984 em Jaboticabal, no interior de São Paulo. No meio da palestra entrou na
sala um senhor idoso, orientado por uma recepcionista. Sentou-se ao fundo e
ficou atento. Terminada a palestra a recepcionista apresentou-se o tal senhor:
-
Este é o professor Accorsi !
Tomei
um susto. Estava eu ali diante do maior líder da medicina herbárea do Brasil.
-
Eu o ouviria com prazer por mais duas horas! -disse-me ele.
Aquela
frase teve em mim o efeito de uma unção. A partir dali ficamos grande amigos.
Por coincidência, vários centros acadêmicos do Centro-Sul, ao promoverem
encontros sobre plantas medicinais, convidavam a mim e a ele e nos alojavam
sempre no mesmo apartamento no hotel. Trocávamos ideias até altas horas. Foi
quando descobri que o professor Accorsi era espírita como eu, e que recém
escrevera um livro sobre Jesus. Tenho-o até hoje, autografado. Na ultima vez
que o vi com vida, tomamos um café com pão de queijo no aeroporto de Brasília,
em companhia de sua filha farmacêutica Walterli, momentos antes de seu embarque
para São Paulo. Ao despedir-se abraçou-me e disse:
-
Nunca abandone as plantas medicinais!
Ele
tinha então 90 anos naquele momento. Dr. Walter Radamés Accorsi faleceu dois
anos mais tarde.
ECO-92
Recebi
um e-mail de um jovem chamado Marco Antônio, convidando-me para um seminário
sobre plantas medicinais onde eu seria um dos palestrantes. O seminário
ocorreria dentro da famosa ECO-92, evento internacional a realizar-se no Rio de
Janeiro. Eu não conhecia o Marco. Conhecia sim, de ver, na TV, o pai dele,
Carlos Imperial, artista famoso da televisão e do cinema. Cheguei ao Rio na
data aprazada. Entre os convidados reconheci logo alguns amigos. Outros,
contudo, eu estava vendo pela primeira vez. Era o caso do pesquisador Silvio
Panizza, de quem eu lia os livros, e da apresentadora Maly Caran, que aparecia
no quadro "Cheiro de Mato" sobre plantas medicinais na TV Bandeirantes, assim como Silvio Panizza que a sucedeu.
-
Eu li seus artigos ! Você é meu ídolo! – disse Maly Caran no momento em que
fomos apresentados, enquanto me abraçava.
Ficamos
todos juntos hospedados numa mansão em Pedra de Guaratiba. Nossos papos
prolongavam-se noite adentro. Nossa anfitriã era Vera Fróes, conferencista
conhecida pelo enfoque místico de sua abordagem sobre plantas medicinais.
Aliás, o apelo mediúnico de quem trabalha com plantas medicinais é bastante
comum. Nossas conversas extra seminário exploravam as diferentes visões no
trato com as plantas, do enfoque indígena ao africano, passando pelo
oriental-místico. Um período enriquecedor. Na noite anterior à minha partida,
numa reunião informal com Vera Fróes e uma amiga, cada uma cantou um mantra
relacionado ao Santo Daime. Pediram-me que cantasse algo. Eu não conhecia
mantras. “Serve o que você conhecer”, disseram. Cantei então um hino a Santo
Antônio recitado em procissões de beatas no interior do Nordeste:
“Se
queres milagre
Busca
Antonio Santo
Que
por natureza
É
da Graça encanto”.
MARCELO
MEZEL
Eu
estava em Recife e havia marcado um encontro com meu amigo Marcelo Mezel,
médico acupunturista, no centro de Recife, nas proximidades do Centro de
Turismo, antiga Cadeia Pública. Uma amiga que me acompanhava encantou-se com a
conversa que então mantivemos, num bar próximo escolhido por Marcelo, ao dizer:
“Vamos conversar ali, tomando uma cachacinha”. “Meu consultório fica numa casa
com jardim e playground – dizia ele –
“meus pacientes se sentem em casa e ainda levam as crianças que ficam a
brincar. Eu abraço e cheiro meus pacientes. Esse envolvimento afetivo faz parte
do processo de cura”. ‘Cheiro’, no Nordeste, é uma forma de carinho menor que
um beijo porém maior que um abraço. Marcelo Mezel era Secretário de Saúde da
Prefeitura de Olinda.
O
SENHOR CONHECE O ROCHA ?
O
Jardim Botânico de Brasília estava promovendo uma semana de palestras sobre
plantas medicinais. Eu seria o palestrante do sábado. Na véspera, um jornal da
cidade publicou uma reportagem sobre um simpático casal que cultivava as
plantas em casa, na região de Sobradinho. Era 1996. Eu havia publicado um
pequeno livro sobre a matéria e pretendia disponibiliza-lo durante o evento.
Palestra iniciada, identifiquei na
plateia o casal que vira na reportagem. Ao final, algumas pessoas acercaram-se
da mesa. Ex-alunos, amigos e pessoas que eu ainda não conhecia. Eu ainda
autografava alguns exemplares do livro quando o referido casal chegou à mesa. A
senhora disse-me: “tenho uma pergunta a lhe fazer, mas somente ao final”.
Acenei que sim com a cabeça. Quando finalmente ficamos somente eu e o casal ela
perguntou:
-
O senhor conhece alguém de sobrenome Rocha ?
-Tenho
um aluno com esse sobrenome – respondi.
-É
desencarnado... – ela falou.
Percebi
então que estava diante de uma vidente.
Ela
continuou: “ele estava ao seu lado o tempo todo e parecia estar na torcida,
acenando positivamente com a cabeça cada vez que o senhor concluía um
raciocínio”...
-
Não estou lembrando ninguém no momento, mas vou verificar – respondi.
Já
em casa, eu estava mexendo na minha estante quando encontrei um de meus livros
de cabeceira, escrito em 1947: “Formulário Terapêutico do Doutor Dias da
ROCHA”...
ACONTECEU
EM RECIFE
Em
1987 eu recebi um convite para dar uma semana de aulas, juntamente com um
colega do Paraná, num curso de pós-graduação que aconteceria na sede da
EMATER-Pe na cidade de Carpina. Cheguei à Recife e encontrei os coordenadores.
Disseram-me que seriam 32 horas de aula. Perguntei se seriam 16 minhas mais 16
de meu colega. Confirmaram-me que seriam 32 horas para cada um. Fiquei
preocupado. Naquela época eu não tinha a experiência de dar um curso intensivo.
- Será que tenho papo para 32 horas? Pensei...
À
noite no hotel, liguei para minha mulher, Heloísa, que ficara em Brasília.
Relatei minha preocupação. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e depois
falou: “Vai dar tudo certo. Vejo um auditório. Também pessoas aplaudindo,
algumas emocionadas. Você vai ser chamado para dar um segundo módulo mais tarde”.
Estava evidente que se tratava de um flash
premonitório. Enfim, tudo correu bem. Terminado o módulo, os coordenadores me
chamaram numa sala. –“Queremos mais um módulo”- disseram. Combinamos então para
dois ou três meses depois. Dalí fomos todos para o auditório para a solenidade
de encerramento do período. Na minha vez de falar disse que me formara em
Recife e que a experiência do curso havia sido para mim um precioso reencontro.
A audiência aplaudiu e notei nas primeiras filas algumas pessoas visivelmente
emocionadas...
Maharishi Mahesh Yogi , o
guru dos beatles
O professor
Fernando Lo Iacono em seu blog descreveu os eventos ocorridos em Brasília em
março de 1985 quando o “Maharishi
Mahesh Yogi e os médicos hindus (Vaidyas)
realizaram o primeiro congresso de Ayurveda no Brasil, em Brasília, no
Hotel Nacional, com participantes de toda América Latina, USA, Europa, Canadá e
do Brasil! ... A idéia era a de se fundar uma Faculdade de Naturopatia em
Brasília - DF e oferecer ao governo brasileiro o know-how da utilização correta
das plantas medicinais locais, regionais”.
A Sociedade Maharishi fez contato com a CEME-MS para obter a
lista dos pesquisadores de plantas medicinais para convida-los. Como
cadastrado, fui convidado por telefone, se bem me lembro. Cheguei ao Hotel
Nacional ainda parcialmente desinformado sobre a natureza do congresso e seus
participantes. Ao chegar à noite para a abertura, em companhia da minha esposa
Heloísa, o meu colega Donizetti Tokarski estava na portaria. Estava havendo um
coquetel farto, quase um jantar. Já viu o guru? Ele me perguntou. Que guru?
Perguntei. O guru do Beatles ! Ele está aí...em pessoa!
Estava mesmo. Era
o Maharishi Mahesh Yogi. Depois de cumprimentar meus colegas Rogerio Tokarski, Dr. Vinhólis, Dr. Fernando Hoissel, Dra. Maria
Elizabeth Van Den Berg, e mais alguns convidados, compareci à sala de reuniões
para a sessão inaugural orientado pelo mestre de cerimônia e intérprete,
Benjamim. Na sessão, cada um expôs a titulação, o que fazia e onde trabalhava.
No segundo
dia Benjamim chamou-me e também minha esposa, bem como um colega da UnB
paquistanês, para uma sala onde teríamos uma audiência particular com o guru.
Minha mulher impressionou-se com o ritual. Precedendo a entrada do Maharishi, havia um pequeno cortejo de acólitos
tocando um pequeno sino, espargindo fumaça de incenso e entoando mântras. O
ambiente todo ornamentado com flores naturais, especialmente o trono do guru.
Não dava para crer que em seguida dialogaríamos com uma pessoa simples e bem
humorada. O Maharishi era assim. Conversamos então sobre o comércio de
fitoterápicos no Brasil.
No terceiro
dia houve uma ampla reunião onde recebi, juntamente com meus colegas, o convite
para integrar o corpo docente da Faculdade
de Naturopatia que a Sociedade pretendia inaugurar em Brasília. Compromissos
com a UnB me impediram de aceitar. Posamos então para a posteridade. Tiramos
fotos sentados numa cadeira ricamente ornamentada de flores naturais. Parecia
que nosso encontro terminava ali. Não demoraria muito porém, e eu interagiria
novamente com a Sociedade Maharishi
num outro evento, o Primeiro Encontro nacional de Pajés. Mas isso é outra
historia...
2 Comentários:
Que Maravilha! Vou aprender muito com este seu livro, pois já na 1° parte adorei. Não foi atoa que seus filhos o seguiram na Agronomia, pois com tanto conhecimento, tantas histórias e tanto amor no que faz, que é difícil não sentir vontade de lhe acompanhar. Parabéns e sucesso no seu livro. Abraços a você e sua linda família. Tereza Mourão
Que legal, pai! Muito bom ler as histórias e poder divulga-las ;) esperando os outros capítulos
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