Rio Diamante
Por
Francisco
Antônio Bezerra de Sousa
Um pequeno rio
intermitente é o rio Diamante, localizado no sertão oriental cearense, que se
forma a partir dos distritos de Livramento e Gázea no município de Ipueiras, no
sopé da serra da Ibiapaba ou Serra Grande, no “pé da serra”, como se diz
popularmente. O nome “Livramento” pode ser de origem religiosa, no sentido do
que diz o salmista: “Muitas são as aflições do justo, mas o SENHOR de todas o
livra” (Salmo 34, 19). Já a palavra “Gázea”, feminino de gázeo ou garço, que
quer dizer olho esverdeado ou verde-azulado ou cavalo cujos olhos ficaram ou
são dessa cor ou cavalo de pelagem albina, um cavalo gázeo ou “gazo”,
popularmente dito. No feminino, uma mulher de olhos esverdeados, gázea ou gaza.
Não se sabe se é por causa de algo relacionado a estes significados que os dois
lugarejos receberam os respectivos toponímicos. O fato é que ali nas suas
cercanias surge o pequeno rio.
Em seu curso, o declive
do terreno empurra-o para o sul, pois a oeste não pode seguir, devido a altitude
do sopé da Serra. Segue, então, – para dizer um lugar comum – serpenteando, faz
curvas aqui e ali, como se fora uma serpente, uma cobra coral, uma jararaca, uma
cascavel, contorcendo-se sobre o próprio dorso, para avançar.
Sua bacia abrange quatro
municípios dos sertões cearenses, Ipueiras, Ararendá, Ipaporanga e Crateús. A
nascente fica em Ipueiras e a foz em Crateús. Os ipueirenses o consideram seu,
pois nasce no município deles; na verdade têm o rio, mas dele pouco usufruem,
visto que a maior parte do seu curso situa-se nos
municípios de Ararendá e Ipaporanga. Estes dois municípios não existiam no
início do século 20. Somente havia Ipueiras e Crateús. Ipueiras originou o
município de Nova-Russas e este os outros dois. Em seu percurso atravessa a
rodovia estadual Ce-265, no trecho entre Ararendá e Nova-Russas, e a BR-404 (Ce
189), entre Ipaporanga e Crateús. Sobre a origem do nome Diamante não há
registro. Não é nome indígena, certamente. Também não se sabe se foi encontrado
algum diamante em seu leito. Por que então
teria esse nome? Se não há registro em livros, e se sua origem estava na
memória das pessoas e o nome foi transmitido por tradição oral, o passar dos anos
dificulta obter resposta. É, no entanto, como uma pedra preciosa, uma joia rara,
de inestimável valor. É de valor incalculável a água que espalha pelo sertão
árido, criando vida, matando a sede dos homens, dos animais e das plantas.
Embora esteja seco a maior parte do ano, quando chove, porém, o caudal se forma
rapidamente e extravasa o leito, espalhando-se pelas áreas ribeirinhas. Quem o
vê seco, mal pode imaginar a quantidade de água que por ali passa durante as
chuvas. Pode acontecer que uma chuva com duração de poucas horas, venha
despejar boa parte do volume de água que cairia o ano todo. Passada a chuva, aqui, ali e acolá sobram
poças d’água a céu aberto, outra parte da água se acumula abaixo da superfície,
nos solos argilosos cobertos de cascalho cristalino. O homem perfura o leito seco
do rio, faz “cacimbas” e poços, para obter água para si e para os animais. Em
seu percurso, encontra principalmente solos acinzentados, argilosos e
profundos, de relevo plano a suave ondulado, que constituem as “vargens” e as
“croas”. Uma vegetação bem característica ali brota. Nas barrancas do rio, vicejam
as ingazeiras e as oiticicas, com suas enormes copas. Estas fazem sombra
benfazeja durante o dia e escuridão aterrorizante durante a noite, e seus
frutos do tipo baga, que produzem óleo. Produto
que já foi riqueza no sertão, mas perdeu importância, a partir do surgimento
dos derivados de petróleo; nas “vargens”, as canafístulas aprofundam suas
raízes no solo argiloso e captam água para estarem verdes o ano todo e
rebrotarem quando são cortadas, mesmo quando não chove. Os jucazeiros fazem o
mesmo e as carnaubeiras, com suas folhas em forma de leque, farfalham ao sabor
do vento morno do sertão. As fruteiras também surgem aqui e ali, principalmente
cajueiros e mangueiras. Estas formam ilhas de vegetação. O sítio dos Targinos, em
Ararendá, há mais de um século, produz variados tipos de saborosas mangas. Isso,
em se falando das espécies de maior destaque, mas tantas outras estão
presentes. Afastado do rio, em relevo ondulado e suave ondulado, estão os solos
vermelho-amarelo ora argilosos, às vezes arenosos, também pedregosos. Ali outras
espécies vegetais se manifestam: juazeiro, sabiá, angico, juremas preta e
branca, imburana, marmeleiro, mufumbo, catingueira, pereiro, mandacaru e muitas
outras, cada qual com suas características intrínsecas e utilidades, inclusive
propriedades medicinais.
Em todo seu percurso, desde
a nascente, o Diamante corre livre, sem nenhum barramento, e somando-se a
outros rios vai desaguar no rio Poti. Este sai do Estado do Ceará e entra no
Estado do Piauí. O rio Poti e seus rios tributários, inclusive o Diamante, liga
os dois estados e conflui com o Rio Parnaíba, que desemboca no Oceano
Atlântico, formando o belo e selvagem Delta do Parnaíba. Este maravilhoso
acidente geográfico, mesmo tão distante e tão diferente, recebe um pouco das
águas e areias que vêm do sertão por meio do rio Poti e seus tributários, inclusive
o Diamante.
Este roteiro que
existiu por muitos anos, na atualidade do século 21 será alterado, com a construção
da barragem Fronteiras, sobre o leito do rio Poti, no município de Crateús, Ceará,
próximo à divisa com o estado do Piauí. Os piauienses temem que essa barragem
mude para sempre as condições hidrográficas do rio Poti em seu território. O
volume d’água poderá diminuir e quem sabe o Poti poderá até secar. Os seus
belos “cannions” perderão o atrativo turístico. O futuro dirá.
O rio Diamante na parte
final do seu percurso também terá suas condições hidro geográficas alteradas. Sua
foz não será em outro rio, mas na barragem. Suas águas serão represadas e
cobrirão áreas rurais, estradas e construções, mudando bastante o cenário que
existiu por muitos anos. Não deverá sofrer alteração, no entanto, a parte que
delimita o território, no qual se iniciou a estória, que se contará em outros
textos.
FRANCISCO ANTONIO BEZERRA DE SOUSA, nasceu em Nova-Russas, Ceará, em 1952. Migrou para Brasília-DF, em 1971. Graduou-se em Engenharia Agronômica na Universidade de Brasília – UnB, em 1980. Foi aluno do Professor Emérito Jean Kleber de Abreu Mattos, o qual também foi seu orientador na monografia de graduação. Ingressou no quadro de Engenheiros Agrônomos do Banco do Brasil, em 1981, onde trabalhou por 35 anos, até aposentar-se em 2016. Graduou-se em Direito, no Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, em 1997. É inscrito na OAB-DF, mas não milita na advocacia. Concluiu pós-gaduação lato sensu, em 2003, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ, Piracicaba, SP, no curso fechado MBA AGRONEGÓCIOS, patrocinado pelo Banco do Brasil. O presente artigo Rio Diamante é um capítulo do livro que está pretendendo publicar sobre a vida do seu pai DAMIÃO DE SOUSA BEZERRA, que nasceu na Fazenda Salamanta, em 1919, à época pertencente ao município de Ipueiras, Ceará, e atualmente pertencente ao Município de Ararendá, no mesmo Estado. O artigo não é técnico, mas pretende ser literário.