Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

22.4.18

MEMÓRIAS CAPÍTULO 11: O FANTASMA DA REPARTIÇÃO E O PERSEGUIDO POLÍTICO



O FANTASMA DA REPARTIÇÃO
Por
Jean Kleber Mattos
Aconteceu em Brasília em meados dos anos 1970s.
Na minha repartição havia um colega bem falante, culto, risonho e bastante eficiente. Morava em “república” com outros colegas.
Numa certa manhã não veio trabalhar. Os colegas do apartamento confirmaram que ele saíra na noite anterior e ainda não havia retornado à residência.
Decorrido dois dias sem notícias, nosso chefe solicitou à Secretaria de Segurança uma atenção especial ao caso. A polícia entrou na “republica” e recolheu alguns pertences do desaparecido, inclusive uma agenda. Os colegas da secção e mais alguns cidadãos cujos nomes estavam na agenda foram chamados a depor. O veículo do colega havia sido encontrado abandonado ao lado de um edifício chamado CASEB com uma calça, uma camisa e uma cueca sujos de sangue.
Numa varredura nos cerrados do entorno a polícia encontrou oito corpos. A mãe do desaparecido foi trazida do Nordeste para a devida identificação. Enquanto isso, o laboratório da polícia apresentava um laudo segundo o qual o sangue encontrado nas vestes não era humano.
Finalmente a roupa de um dos corpos, já em avançado estado de decomposição foi identificada pela mãe do rapaz, o enterro foi providenciado e o caso foi encerrado. Meu colega fora assassinado.
Uma missa de “réquiem” foi celebrada e os familiares voltaram ao Nordeste. Todos nós estávamos chocados com a tragédia.
Vinte anos depois estava eu no Jardim Botânico de Brasília para proferir uma palestra, quando, entre os presentes, identifiquei uma colega dos velhos tempos, D. Tânia. Não demorou muito e já conversávamos sobre os ocorridos dos anos 1970s. Mencionei então a tragédia do colega desaparecido. Ela sorriu e comentou:
- Ele está vivo !
Vendo minha cara de espanto, Tânia continuou:
- Aquela morte foi uma simulação. Ele precisava assumir outra identidade, outro sexo enfim, mas temia pelas dificuldades e pelas consequências. Resolveu então simular a própria morte e fugir para fora do país, tendo embarcado no dia do desaparecimento, quando a polícia ainda não tinha sido acionada. Enquanto os amigos, a família e a polícia lidavam com um possível assassinato, ele empreendia a fuga.
- Sou confidente dele – rebateu Tânia – esse é um segredo que prometi guardar, mas agora ele retornou ao Brasil com cidadania e identidade estrangeiras. O colega que nós conhecemos naquela época é hoje apenas um fantasma...

O PERSEGUIDO POLÍTICO
Por
Jean Kleber Mattos
Véspera de eleição para diretor da faculdade na Universidade de Brasília em 2002. Meu amigo Xavier comentava comigo sobre um fato recente. Ele havia dito a um colega na reitoria, que gostaria de indicar meu nome como candidato. Ao saber de sua intenção, o colega o advertira para o fato de que eu seria um radical de esquerda. Ri-me do fato e imediatamente reportei-me ao passado, segundo semestre de 1975.
Naquela época eu estava trabalhando na Embrapa, no Centro de Pesquisas Agropecuárias dos Cerrados (hoje Embrapa Cerrados). Adorava meu novo emprego. Com a desativação de meu departamento na Fundação Zoobotânica eu havia sido absorvido pela Empresa.
O Centro estava sendo implantado. Eu fazia parte da equipe de implantação. Tudo novo, salário dobrado e apartamento funcional. Dava-me bem com os colegas e auxiliava diretamente o diretor técnico nos preparativos do Simpósio Brasileiro dos Cerrados. Sentia-me muitíssimo bem. Finalmente uma situação favorável e boas condições de trabalho.
Durante cinco meses havíamos trabalhado na instalação dos laboratórios e elaborado os projetos de ampliação, uma vez que o Centro aproveitava as instalações de uma fazenda experimental do extinto DNPEA (Departamento Nacional de Pesquisas Agropecuárias).
Numa certa manhã o chefe administrativo mandou me chamar. Ao entrar na sala percebi que estava com um ar grave. Abatido mesmo. Pediu-me que sentasse em uma cadeira. Geralmente quando o chefe pede para a gente sentar numa cadeira para uma conversa a dois, as notícias não são boas.
Mostrou-me um envelope e disse:
-O “general” mandou uma carta dizendo que você está na lista negra da ditadura militar.
O “general” significava Serviço Nacional de Informações, o famoso SNI. Foi como se eu já esperasse. Não me sensibilizei de imediato. Apenas acenei afirmativamente com a cabeça.
E ele completou:
- Infelizmente vamos ter que demitir você. A empresa pagará todos os direitos trabalhistas, pois será por injusta causa. Eu realmente lamento muito, Jean!
Eu já havia recebido os direitos trabalhistas da Fundação Zoobotânica por ocasião da desativação do Departamento de Pesquisas. Receberia então mais uma “graninha”, desta vez da Embrapa. Com o montante eu construí uma casinha para meus pais em Fortaleza.
A notícia causou surpresa em todos os meus colegas. Durante os oito anos em que eu trabalhara em Brasília, em nenhum momento eu havia me manifestado em público sobre a ditadura militar. Eduardo Morales resumiu sua surpresa com uma frase:
- Subversivo, ele? Mas ele só conta piada...
O fato é que eu tinha uma ficha vermelha no SNI, por conta das atividades políticas ocorridas de 1964 a 1966, quando eu era graduando de agronomia em Fortaleza e em Recife. Eu havia sido membro da JUC (Juventude Universitária Católica). A “Juventude” era considerada pelos militares como uma das portas de entrada para a Ação Popular, um partido socialista clandestino que era reprimido com grande violência. Entre meus amigos mortos pela ditadura incluíam-se o padre Henrique, o Rui Frasão e o frei Tito. Eu era infinitamente menor que eles mas privara de sua amizade e companheirismo. Estava portanto “na lista” e por sorte estava vivo.
Mesmo antes de 1968, o ano mais negro da repressão com o Ato Institucional número 5, eu já havia decidido submergir. Em 1966, ano de minha graduação, eu prometera a mim mesmo afastar-me dos movimentos políticos e dedicar-me unicamente à tarefa de investir na minha capacitação técnica.
Quando eu concluí o mestrado em microbiologia dos solos em Recife, no instituto comandado por Chaves Batista, considerei que havia realizado o grande sonho da minha vida. Finalmente tornara-me um microbiologista. A partir de então, meu objetivo era unicamente o aperfeiçoamento técnico. Estudar e estudar. Desligar-me das atividades políticas tornara-se uma prioridade. Superar o sectarismo e o radicalismo. Um desafio.
Assustava-me grandemente a violência que marcava aquele período. Os guerrilheiros urbanos sequestravam embaixadores e os trocavam por companheiros presos. Na operação de sequestro geralmente morriam os seguranças do político. Nos porões da ditadura, a tortura campeava, com prisioneiros sendo mortos no cárcere. Alguns companheiros eram presos ou sequestrados na própria casa ou no emprego. Lembro-me de um que foi preso durante a cerimônia do próprio casamento. Alguns eram encontrados mortos em plena via pública após o sequestro, como fora o caso do padre Henrique em Recife.
Submergir para sobreviver era portanto o meu lema ao final dos anos 60. Inserir-me e contribuir para o desenvolvimento econômico de meu país, mesmo dentro de um modelo de agricultura ainda questionável. Tudo bem, pensei, confraternizemo-nos e trabalhemos juntos. Aprendamos junto e promovamos as mudanças lentamente, com amadurecimento e sem queimar etapas.
Comecei então a namorar o sistema. A procurar suas virtudes. A sorrir para ele. Tentativa sincera de sedução e obtenção de confiança, sem subterfúgios ou traições. A busca da paz. O exercício durou dez anos.
Tanto tempo de bom comportamento e nada. Tão logo a velha ficha de dez anos caiu, o general me mandou para o espaço. Não fui correspondido em minha tentativa de seduzir a ditadura. Para ela, eu não era confiável. Também não tinha padrinhos importantes que tivessem acompanhado a minha “regeneração”. Estava banido do paraíso.
Demorei alguns dias para desocupar o apartamento funcional. Não se encontram imóveis para alugar tipo “da noite para o dia”. Quando finalmente fui entregar as chaves do apartamento à Embrapa, o funcionário informou-me que eu excedera em dez dias (contando da data de minha demissão), o tempo de ocupação autorizada do imóvel. Teria que pagar os dez dias excedentes à Embrapa, a preço de mercado. Era um “baita” apartamento, situado na Asa Sul. Os dez dias custaram-me uma boa grana e eu ainda estava desempregado. Além disso, minha filha mais velha nascera recente e eu estava separado da mulher, que por coincidência atuava naquele momento como digitadora terceirizada, na própria Embrapa. A situação tinha ingredientes cruéis, mas a tragédia não era das maiores.
Somente anos mais tarde tomei conhecimento do que ocorrera nos bastidores. Um amigo da Embrapa contou-me sobre suas tentativas frustradas, dele e de outros, para impedir a minha demissão.
Na Fundação Zoobotânica eu também fizera amigos. Lá, eu era politicamente confiável. Além disso, a Fundação era estadual, o que facilitava as coisas. Meus amigos Francisco Valente e Silvio Brekenfeld facilitaram os trâmites e o secretário de agricultura Pedro Dantas autorizou meu regresso. Voltei para a Fundação ganhando a metade do salário da Embrapa e sem apartamento funcional mas... dando graças a Deus!
Pouco tempo depois, um outro amigo, o Orizomarden, chefe do novo departamento de pesquisas, comunicou-me que, entre outras funções na Fundação, eu seria o responsável técnico da Granja do Riacho Fundo, unidade situada ao lado de uma das residências do presidente da república, General Ernesto Geisel. Precedera-me no cargo o agrônomo Daniel Marques, que no futuro seria renomado político em Brasília.
Ora, a segurança do presidente cadastrava todos os que trabalhavam na Granja e investigavam seus antecedentes. Ficavam, portanto, “de olho” no vizinho !. Contei ao Orizomarden meu episódio na Embrapa. Ele desistiu imediatamente de minha designação. Eu podia trabalhar na Fundação Zoobotânica, mas longe do presidente Geisel. Tudo bem.
Naquele momento eu sequer imaginava que meu próximo empregador seria a Universidade de Brasília. Com o capitão Azevedo e tudo...



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