Por
Jean Kleber Mattos
Recebi uma carta-ofício da EMATER-ES datada de 13
de agosto de 1985, com o seguinte texto: “Prezado senhor: Em aditamento aos
contatos mantidos pela Dra. Antônia Lobo Olífio, técnica da EMBRATER, vimos
solicitar a V.Sa. um estágio sobre plantas medicinais para nossa Técnica em
Agropecuária Rozeli Coelho Silva, nessa universidade. Por oportuno, sugerimos
que o treinamento seja realizado no período de 16 a 27/09/85, envolvendo a
participação do Dr. Roberto, técnico da EMBRAPA. Certos de merecermos a atenção
de V.Sa. para o acima evidenciado, colhemos do ensejo para apresentar-lhe
nossos protestos de admiração e apreço. Atenciosamente. Waldemi José Hemerly.”
Apressamo-nos em confirmar o estágio solicitado e
ficamos no aguardo da chegada de Rozeli, o que se deu alguns dias depois. Em
virtude do período estabelecido pela EMATER-ES ser curto, mantivemos o ritmo
intensivo, apresentando Rozeli ao Dr. Roberto Fontes Vieira e envolvendo-a em
nossas atividades com cronograma diário, dois períodos. Ela trouxe muitas fotos
da sua base, a cidade de Rio Novo do Sul, no Espírito Santo. Havia fotos de seu
viveiro de plantas ornamentais e medicinais. Aos poucos comecei a desconfiar de
que Rozeli conhecia mais sobre plantas do que eu mesmo e estava ali na UnB como minha
estagiária. Seguimos a programação formal. Todo estagiário meu participa de
todas as atividades do viveiro e da coleção, além de ser o convidado natural
para assistir às aulas que dou sobre a matéria, nas disciplinas cadastradas e
oferecidas.
Rozeli me encantou pela dedicação, suavidade,
conhecimento sobre plantas, modéstia e história de vida. Mais tarde conheci
seus filhos, dois rapazes e uma moça, Maira. A moça viria a residir em Brasília
algum tempo depois.
Findo o estágio veio a fase de intercâmbio. Rozeli
levou as mudas de que precisava para completar a coleção do horto de sua cidade
e prometeu dividir conosco a sua rica coleção de espécies.
Em 1988 compareci, a convite
de Rozeli e de autoridades municipais, ao I Encontro sobre Plantas
Medicinais do Espírito Santo, promovido pela Escola da Família Agrícola de Rio
Novo do Sul. O evento era patrocinado pela prefeitura de Rio Novo do Sul.
Abertura bem formal com discursos de políticos e de coordenadores de projetos.
O marido de Rozeli estava entusiasmado. Percebia-se nele uma vocação para a
atividade política.
No dia seguinte à minha chegada, Rozeli levou-me
para conhecer um horto medicinal comunitário. Tudo muito bem organizado e
bonito. Canteiros e covas. Placas sinalizadoras com o nome vulgar e o nome
botânico das espécies. A coleção se formara na base do voluntariado. Cada
pessoa da comunidade podia contribuir trazendo uma ou mais mudas de alguma
planta medicinal que tinha em casa. Dezenas de espécies estavam ali. Maravilha.
Em dado momento uma placa sobre um canteiro me chamou a atenção. Estava
escrito:”alfavaca Regina”. Eu não conhecia nenhuma alfavaca Regina. Perguntei
então: “porque alfavaca Regina?”. Rozeli deu uma risada e respondeu:
- Porque foi a Regina que trouxe...ainda não
determinamos a variedade...!
Alguma friagem sofrida na viagem deixara-me
resfriado. Eu iria proferir uma conferência no segundo dia do evento e estava
ficando sem voz. Comuniquei minha preocupação aos meus colegas organizadores.
Rozeli falou: - “não se preocupe. Isso é resfriado.
Um amigo nosso na semana passada estava um lixo. O resfriado o estava matando.
Tomou a nossa tintura de alho e ficou bom em dois dias”.
Perguntei então como se preparava a tal tintura. Ela
não se fez de rogada: “São 150 a 200 gramas de alho cortado para cada litro de
álcool de cereais. São 70% de álcool e 30% de água. Uma maneira prática de
dosar o álcool é pegar um litro de álcool a 99% e retirar dele 300cc (um copo
americano), e completar o volume com água. Põe o alho e deixa curtir por cinco
dias em garrafa fechada num armário. Côa-se então e está pronta a tintura que
pode ser utilizada por dois anos. Treze gotas em 150cc (meio copo americano) é
a dose que pode ser tomada três vezes ao dia.”
Por duas vezes, pela manhã e no fim da tarde, tomei
a tintura. À noite não era recomendado tomar, pois o muco liberado pode sufocar
o paciente quando ele deita para dormir. Alho tem um cheiro ativo. O
apartamento no hotel ficou um tanto impregnado.
Incrível, amanheci praticamente curado. Proferi a
conferência com voz límpida. Meus temores não se confirmaram. Fui curado em um
dia e meio com a tintura de alho.
No dia seguinte, mala pronta, hora de retornar. Um
colega me perguntou sobre a hora de meu voo Vitória-Brasília.
- Doze horas – respondi.
- Pelos meus cálculos você vai chegar em cima da
hora se partir agora. É provável que perca o voo.
- Uma senhora ao lado falou: “está partindo agora
mesmo para Vitória uma ambulância levando um paciente. Tem um lugar sobrando.
Se o senhor quiser carona...”
Aceitei de imediato. Aboletei-me na ambulância e
seguimos viagem. Ambulâncias têm velocidade diferenciada. Além disso, não são
retidas, via de regra, nas barreiras policiais. Não perdi o meu voo.
O DESENCARNADO
Em 1994 compareci ao XVIII
Congresso Brasileiro de Nematologia em Campinas, São Paulo, onde apresentaria o
trabalho “Suscetibilidade de doze
germoplasmas de Mentha a Meloidogyne javanica”. Na ida,
meu voo fez duas escalas, Brasília-São Paulo e São Paulo-Campinas. Na segunda
escala, o avião era pequeno e houve uma pane na pressurização. Alguns
passageiros sentiram náuseas, inclusive eu. Jurei a mim mesmo naquele momento
que na volta faria o trajeto Campinas-São Paulo de ônibus. Passado o congresso,
tomei um ônibus que fazia a rota Campinas-Aeroporto de Guarulhos, ideal para
quem ia tomar o avião. Quando estávamos chegando a Bauru, senti de repente um
desdobramento. Vi o para-brisas do ônibus estilhaçando em câmara lenta. Em
seguida o choque. Forte. O ônibus colidira com outro veículo. Fui arremessado
de encontro à poltrona da frente. Meus óculos quebraram e a pulseira de meu
relógio rebentou. Um colega que viajava ao meu lado tombou sobre minha perna
esquerda. Quando dei por mim estava sangrando de um corte no supercílio. O
motorista estava morto, pois a colisão fora frontal. A porta principal estava
amassada. Não abria. Membros de uma equipe de voo que estava indo para o
aeroporto, arrancaram a porta de emergência. Do lado de fora pessoas tentavam
ajudar. Estacionaram um caminhão ao lado de nossa porta de emergência para que
tivéssemos apoio ao sair. Dois caixotes de madeira empilhados ao lado do
caminhão serviriam de degrau para ganharmos o solo. Na minha vez de descer os
caixotes desmoronaram e por um segundo fiquei pendurado segurando na
carroceria.
Logo chegaram as ambulâncias para nos levar ao
hospital. Lá chegando, puseram-me numa maca para suturar o ferimento. Na maca ao
meu lado estava o motorista. Morto. Um médico chegou e foi logo dizendo: - Esse
aqui está morto ! O colega dele piscou e disse: “está desmaiado...” – como quem
tentava avisa-lo que os pacientes nas macas ao redor podiam entrar em pânico. –
Que nada – insistiu ele – “esse aqui já é presunto...!”
Minha perna doía. Os médicos, contudo, não deram
importância ao sintoma pois eu havia chegado caminhando. A preocupação era com
a cabeça. Um radiografia foi tirada e um laudo negativando coágulo foi emitido.
Ainda no ônibus, quando eu falei que não precisava ir ao hospital, um dos
comissários aeronáuticos ponderou: “Você está com um corte feio no supercílio.
Precisa radiografar...já ouvi falar de gente que saiu serelepe de um acidente e
morreu no dia seguinte. Além disso, esse corte, se não for devidamente suturado,
vai virar uma cicatriz feia”. Esse último argumento me convenceu. Aceitei o
socorro médico.
Liberado do hospital, tomei um táxi para o
aeroporto. Negociei previamente a longa corrida em busca de um preço razoável.
Não quis esperar o transporte da empresa, que por sinal tinha um nome singelo e
elegante: chamava-se CAPRIOLI.
Eu perdera o voo. No aeroporto, como todos já
sabiam do acidente fomos relocados eficientemente para os voos mais próximos.
Liguei para a minha mulher avisando que o voo mudara mas que estava tudo bem.
Chegado a Brasília, uma semana depois fui convidado
a comparecer à INTERPOL para contribuir com a investigação do acidente e
declarar meu bom estado de saúde, informação fundamental para a Perícia de
Seguro.
Um ano depois, eu estava participando de uma mesa
mediúnica em Brasília e ao final da sessão, no momento do depoimento dos médiuns,
um colega meu relatou que uma entidade havia feito contato com ele, repetindo a
seguinte frase: “fala a palavra CAPRIOLI...ele vai lembrar!”. Nesse momento eu
levantei a mão e disse:
- “É comigo...!”
Nenhum dos colegas sabia da história.
2 Comentários:
Parabéns pela decisão de compartilhar ainda mais seus conhecimentos. Gratidão pela amizade que tem pela minha familia. Você é D+ em tudo e tudo que o cerca vira luz.
Obrigado Maira por sua bondade e gentileza.
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