GILSON, O ORQUIDÓFILO TRAPALHÃO
Gilson Soares da Silva é doutor em
Fitopatologia e professor Adjunto IV da Universidade Estadual do Maranhão.
Dentro da Fitopatologia resolveu especializar-se em Nematologia Vegetal. O
famoso professor Lordello, decano da nematologia do Brasil chamava-o “o
nematologista do Maranhão”. Conheci-o no inicio dos anos 1970s nos congressos
de fitopatologia. Identificávamo-nos por sermos iniciantes em busca de
conhecimentos e visibilidade e por gostarmos de contar piadas. Mais recentemente,
sabendo de minha opção pela pesquisa com plantas medicinais, passou a me dar
notícias das espécies utilizadas na medicina popular do Maranhão. Até enviou-me
sementes de várias espécies de manjericão. Uma preciosidade.
Gilson é um humorista nato. Sobre as
agruras que passou quando fez o doutorado dizia: “sofri mais que sovaco de
aleijado na muleta !”. Quando convidado a contar piadas em um show mostrava-se tímido e se negava, mas
gostava de colocar os colegas em situação constrangedora, tipo saia justa,
sempre que tinha chance. Certa vez em 1994, quando
estávamos indo ao XVIII Congresso Brasileiro de
Nematologia em Campinas, coincidiu que tomamos o mesmo avião. Como
embarquei em Brasília, não cheguei a vê-lo ao entrar na aeronave, cujo voo
partira do Maranhão. Chegados ao destino, no momento do desembarque, os
passageiros levantaram-se. Neste momento ele me viu e gritou – Jean!- os
passageiros voltaram-se para ele. Ele apontou para mim. Os passageiros olharam
em minha direção. E ele continuou – ‘veio para o congresso?’ Acenei que sim.
- Ótimo! – gritou ele - vamos ficar no
mesmo quarto!
Continuei acenando positivo...
- Um quarto para nós duas ! – ele
continuou.
Neste momento todos os passageiros
olharam para ele...
- Duas pessoas, pessoal ! Que é isso?
A essa altura a gargalhada foi geral.
Gilson é um orquidófilo. Mantém em São
Luis, no Maranhão, um orquidário já há bastante tempo. Aonde ele vai, fica
atento à paisagem em busca de exemplares de orquídeas que possam enriquecer a
sua coleção.
Em 1996 encontramo-nos no XXIX Congresso
Brasileiro de Fitopatologia, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Terminados
os trabalhos do dia ganhávamos a cidade. Nosso hotel ficava próximo a um bairro
residencial. Andávamos a pé curtindo a cidade. Passando por uma das ruas, Gilson
viu, num jardim, uma bela orquídea crescendo ajustada a um tronco. Ficou
tentado a colher o exemplar. Esticou o braço por sobre a cerca. Um cão
Dobermann saltou em sua direção e atacou. Providencial, aquela cerca! O susto
foi tal que quase o mata de um enfarto.
–“ Eu senti o bafo do cachorro na cara!”
– comentava ele.
De outra feita estava ele em um hotel quando
viu num jardim interno um exemplar de orquídea que ele ainda não conhecia. Para
um colecionador é o mesmo que estar vendo um pote de ouro. Desta vez resolveu
comprar. Procurou o gerente e perguntou por quanto ele venderia aquele belo
exemplar de orquídea. O gerente foi até ao local onde estava o aludido exemplar
e com um sorriso falou: - “Pode examinar o exemplar à vontade, senhor. Vai
descobrir que é uma peça de plástico muito bem elaborada...”
Em 1988 em Salvador, no quase naufrágio
do barco que levava os pesquisadores do XXI Congresso Brasileiro de
Fitopatologia, à ilha de Itaparica, Gilson foi o colega que comentou: "Eu pensava que era o maior machão até àquele dia...!
Quase borro as calças !"
Uma história que ele gosta de contar
passou-se num consultório médico. Ele estava sentindo o coração acelerado e
ficou preocupado. Ao comentar com a esposa, esta sugeriu que ele marcasse uma
consulta com o médico que a atendia regularmente e que era um cardiologista. Na
data certa estavam os dois, Gilson e a esposa, na sala de espera do
consultório. O doutor estava um pouco atrasado. A narrativa de Gilson é impagável.
Um verdadeira interpretação:
“De repente entra na sala de espera
aquele cara enorme com um vozeirão, desculpando-se pelo atraso. Dava até medo.
Quando chegou a minha vez de consultar entramos eu e minha esposa, fechamos a
porta e sentamos à mesa do lado oposto ao do doutor. Ele então tocou
delicadamente na minha mão e falou: “Conte-me tudo !”
A essa altura da narrativa surgia sempre
alguém que perguntava:
- E você ? O que fez ?
- Toquei na mão dele de volta e falei: vou
te contar !...
Esse é o nematologista Gilson. Um
repositório inestimável de causos e piadas.
PRESO TRAPALHÃO
Em nossa faculdade, por questão de
segurança, a ala dos professores é isolada por uma porta e uma grade. Cada
professor tem a chave central e um sistema de interfone à disposição dos alunos
permite a discagem para a sala do professor de seu interesse. O professor então
abre a porta do complexo para o aluno que deseja falar com ele. Eu havia
emprestado minha chave central para um colega tirar cópia e fiquei trabalhando
até mais tarde. Quando deixei minha sala percebi que estava sozinho na ala. Sem
a chave central, estava preso. Pequei o celular e liguei para um colega que
morava próximo. Ele veio e me libertou.
Dois fatos hilários contudo ocorreram na
mesma faculdade no tempo em que não havia celular.
A ala era outra, havia um bloco de
salas, cada uma com três professores. Podia-se sair pela porta frente que
dava para o corredor onde transitavam os alunos ou pela porta de trás que dava
para um corredor interno que levava à secretaria e à copa. De cima, como não
havia lage, dava para ver os laboratórios no térreo. Somente a porta da frente
tinha chave.
Certo dia, também por trabalhar até mais
tarde e também por haver emprestado minha chave, percebi que estava preso. Sem
celular, andei no corredor interno até chegar à secretaria. Fechada. Vi o
guichê da copa através do qual era servido o café e não tive dúvidas. Escalei-o
e ganhei a copa. A porta da copa não tinha chave. Entrei na secretaria e abri o
guichê de atendimento dos alunos. Passei por ele. Estava livre.
De outra feita, trabalhei por algum
tempo no laboratório do térreo e depois subi para minha sala. Na hora de ir embora,
não encontrava meu molho de chaves. De cima, do corredor interno, vi lá embaixo
o molho de chaves sobre a bancada do laboratório. Percebi que havia um cano que
descia até o laboratório. Com a agilidade e a magreza de meus quarenta anos,
segurei o cano e, apoiando os pés na parede da divisória, desci até à bancada e
peguei o molho de chaves. Subi então do mesmo modo que havia descido. Era uma
sexta feira.
Na segunda feira, quando cheguei ao
serviço percebi um movimento diferente no laboratório. O encarregado conversava
com alguns professores e uma equipe da segurança. O rapaz estava
comunicando um possível assalto. O assaltante teria descido pelo cano. Prova
disso eram as pegadas deixadas na parede. Tive que contar a aventura, tranquilizar a todos e atrair para mim a reprovação geral.
Certo dia comentando com um colega de
sala o episódio da fuga através do guichê do café, ele comentou:
- E você acha que eu já não fiz isso?
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