O ANJO DA GUARDA BAIANO
Por
Jean Kleber Mattos
O primeiro lugar onde eu vi o sol se pondo no oceano foi Salvador.
Em Recife, vejo o sol nascendo quando estou à janela de um hotel na Praia de
Boa Viagem. Em Fortaleza, comparecia às “Luaradas” na orla, em dia de lua cheia.
Ver a lua surgindo no horizonte marinho, imensa, é deslumbrante! Os grupos
reúnem-se e sentam-se sobre a areia da praia para cantar e beber.
Quando vi Salvador pela primeira vez em meados dos anos 60, século
XX, extasiei-me com a beleza da cidade. Anos mais tarde, já morando em
Brasília, certo dia cansei-me do tédio da cidade. Era um sábado de manhã.
Estacionei no aeroporto e comprei passagem para Salvador. Poucas horas depois
estava na praia com amigos. Privilégio.
Em Salvador eu encontrava minhas antigas amizades cearenses que
para lá se haviam transferido, Tereza e Marconi, e os novos amigos Carlos,
Isabel , Arminda e Evandro.
Anos 70, as Discothèques estavam em alta. A fita das
“Frenéticas” embalava os bailes:
“Mostre sua cara...
solte suas feras....
caia na gandaia
entre nessa festa!”...
Nos fins de semana o programa começava na sexta feira à noite. O
estilo Discothèque com sua dança solta ensejava mais flirts. Inicialmente
dançando em grupo, aos poucos o bailarinos iam-se dispersando e não raro, ao
cabo de algum tempo, o grupo havia crescido com o adendo de
paqueras. Novas amizades, novos namoros.
Minha amiga Tereza narrou-me certa vez que,
em uma das baladas, um moço que ela nunca vira antes acercou-se do grupo na
pista de dança. Não demorou muito e estava dançando agregado e de olho nela.
Simpatia mútua, quando parou o som, estavam de papo. Apresentações, apertos de
mão, boas vindas ao que chegava, o ritual de sempre. Parecia que o grupo o
absorvera bem.
Finda a noite, o moço ofereceu carona à
Tereza. Ela ficou em dúvida. Afinal, viera no carro do grupo e certamente
voltaria com eles. O moço, embora simpático, era até então um deconhecido, o
que gerava o receio de alguma cilada.
Estimulada pelo grupo, Tereza aceitou a
carona. Alguém do grupo falou, como de costume:
- Veja lá, hein ? Cuide bem de nossa amiga !
Ao que o moço respondeu:
- Fiquem tranquilos. Eu sou o anjo da guarda
dela !...
Todos riram e o comboio partiu. Conforme
prometido, o moço deixou Tereza em casa na tranquilidade. Ela dormiu como uma
princesa.
Na manhã seguinte, o telefone tocou ainda
cedo. Sonolenta, Tereza atendeu e levou um susto. O carro do grupo havia
capotado de volta da boate e todos tinham sido levados para o hospital. Havia
feridos mas ninguém corria risco de vida ou de sequelas graves.
Graças a Deus.
O JIPE VOADOR
Por
Jean Kleber Mattos
Estava com dezesseis anos quando, em 1962, retornei a Ipueiras.
Oito anos haviam decorrido desde a partida em janeiro de 1953. Viajei de trem
com minha mãe, D. Mundita, e a prima dela, Carlinda, professora de piano. Curta
permanência. Apenas alguns dias.
Hospedamo-nos na casa de meu padrinho, Costa Matos. Lá, fui
apresentado a um sobrinho da Alderí, dona da casa, também adolescente e hóspede
em férias. Bom companheiro.
Em moda na TV da época, os espetáculos marciais: "Tele
Catch". À tarde, para diversão das crianças, o Lalú e o Carlito, filhos do
Costa Matos, simulávamos uma luta de boxe como na TV. Encarapitados nos berços
e redes, os meninos divertiam-se com o "show". Volta e meia um golpe
mais duro escapava. Pedidos de desculpas. Quase não lembrava hoje do real nome
do colega, Marconi, pois Costa Matos, exímio em colocar apelidos, o chamava de
“Galante”. Uma óbvia referência ao perfil de paquerador, com capricho no vestir
e no pentear o cabelo que lhe compunham a figura.
Localizei recentemente o Carlito, engenheiro de pesca Carlos Maria
Moreira Costa Matos, Chefe de Gabinete do Ibama-Ceará. Lalú formou-se em
medicina. É o Dr. José Cláver Moreira Costa Matos, famoso médico com destacada
atuação em Fortaleza, no tratamento de crianças vítimas de incêndio.
No roteiro de visitas, inevitável, os miraculados. A imagem
milagrosa da Virgem de Fátima estivera em Ipueiras em 1953 e dois amigos
nossos, o Vicente que era mudo e a mãe da Isa Catunda, antes quase cega pela
catarata, haviam sido recompensados por sua fé e devoção. Incrível ver o
Vicente falar. Emocionante ver a mãe da Isa enxergar. Visitamos também Tia
Catarina que havia morado no Videl, e D. Augusta, professora, amiga de minha
mãe.
De início, o social pareceu prejudicado por minha condição
momentânea de esportista. Sócio atleta de natação do Clube dos
"Diários", eu somente permaneceria na equipe se atingisse a marca
olímpica do clube nas provas que estavam por vir. Cuidava para não consumir
álcool e dormir cedo, além de ser não fumante.
Eu já percebera que a cerveja era por certo a grande atração da
rapaziada naquela idade. À noite íamos à praça principal encontrar as moças.
Também comparecíamos às festas. Lá, encontraria meus primos Francisco e
Manuelito. Lembro-me que o Carlito observava uma das festas à janela do Paço da
Prefeitura. Em dado momento, comunicou-me que estava indo para casa, dormir.
Preparei-me para acompanhá-lo, pois tratava-se de uma criança. Ele recusou
dizendo que andava a vontade em Ipueiras, a qualquer hora do dia ou da noite.
Percebi então que a vivência em Fortaleza me fizera esquecer quão
segura era a velha Ipueiras.
Algo me encantava de modo especial. A delicada beleza das moças.
Hoje, passadas décadas, a memória alcança dois ou três nomes, se muito. Talvez
porque a identificação se dava com mais ênfase no "filho de quem",
que propriamente no nome de batismo. Assim, fazem eco em minha mente apenas os
sobrenomes: Pinho, Catunda, Aragão, Mourão, Souza .... Enfim, os nomes das
tradicionais famílias ipueirenses.
Em duas tardes, o ponto de encontro foi o Arco do Triunfo de N. S.
de Fátima. Grupo misto. As moças comentavam sobre o ganho de indulgência a quem
rezasse sob o arco. Lembraram-me de assumir uma atitude respeitosa no local.
Padre Belarmino tinha especial zelo por aquele ambiente. Aviso desnecessário.
Eu ainda estava impactado pelo encontro com os miraculados.
Numa tarde, alguns amigos convidaram-me para dar uma volta de jipe
pela cidade. Findamos na pista de pouso, perto da estação de trem. O veículo
era dirigido por Vavá, filho do Tim Mourão, ex-prefeito da cidade. Alguém falou
que íamos levantar voo. Fiquei curioso. De fato, o veículo partiu da cabeceira
da pista. O motorista com o "pé embaixo". O ponteiro do velocímetro
tremulava na marca dos cem. Os passageiros transpiravam adrenalina.
Faziam sucesso na época os "pegas" automobilísticos do
filme "Juventude Transviada" protagonizado pelo "enfant
terrible" James Dean. Eu estava ali vivenciando a versão Ipueirense.
Genial!
Na volta de trem para Fortaleza, dois ou três colegas estavam
junto. Iam à capital. Lembro-me que Manuelito integrava a comitiva. Demos preferência
a viajar no vagão restaurante. Os amigos haviam mandado "baixar"
algumas cervejas.
Grande sucesso na época com o intérprete Miltinho, os versos da
canção:
"Saudade! Criatura impertinente, entra no peito da gente e
dói como não sei o que..."
Nós cantávamos e batucávamos na mesa. Eu pensava na beleza singela
de uma das moças de Ipueiras. Não conseguia esquecê-la. Percebia agora que a
flecha de Cupido transpassara-me o coração. Havíamos prometido trocar cartas.
Romântico.
Hoje os jovens comunicam-se pela Internet. Mensagens ultrarrápidas
e coloridas. No início dos anos sessenta dominavam as cartas, postadas no
correio. Demoravam a chegar, mas traziam o cheiro e a vibração da musa. Cartas
eram cheiradas, beijadas e abraçadas. Por certo ainda o são, mesmo neste mundo
"wébico" e globalizado. Resolvi por alguns momentos esquecer a
"performance" atlética e acompanhar os amigos na cervejada.
Afinal, ninguém é de ferro!
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