Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

Minha foto
Nome:
Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

12.7.07

O DIA EM QUE MATEI MEU ANALISTA

Por
Nilze Costa e Silva


Ele ri das minhas dores de cabeça e do meu desânimo. Ri, depois fica sério, circunspecto. A cabeça faz viagem. Sei que não existo ali perto, apenas falo. Ele não se mexe, num silêncio devastador. Finalmente se resolve e as palavras resvalam num vazio sem paredes e tetos.

Entro na sala silenciosamente e observo as cortinas dançando ao vento. Deponho um bilhete na mesa. Pouco me expresso falando e penso que isso o irrita. Óculos na ponta do nariz, ele quer parecer mais velho. Olha-me enviesado e finalmente se resolve a ler: “Para o diabo com essa verdade mais verdadeira. Fique com ela. Ela é sua. Não precisa me devolvê-la, tenho defesas outras".

O olhar é longo e me alfineta. O olhar é um estilete de lâminas quase microscópicas que só me penetra e não me resolve. O silêncio do olhar me endoidece. Dou porradas na mesa como dou nesses diabinhos que me perseguem. Um olho me absolve e o outro me ordena que eu tome o meu devido lugar.

Deito-me no divã e sinto-me lúcida, quase feliz. Divago. À noite ligo e pergunto se ainda é válido o convite para o jantar. Do outro lado uma voz se alegra e confirma. Sinto e vejo o gesto da boca falando em câmara lenta. A morenidade é do rosto do analista, os cabelos dispersos, o rosto imberbe. Dele é aquele olhar omisso que me anula e me hipnotiza as esperanças.

Meu analista é assim: essa coisa inalcançável, que eu necessito domar para me sanar de corpo e mente. Um ser estranho que apenas me olha e me ouve. Só lhe vejo o movimento dos lábios e não sei lê-los. Disserta sobre as coisas mais impossíveis e inoperantes, como realidade, princípios certos, coisas exatas, autenticidades, representação fiel de uma coisa qualquer que ele julga existir. Verbalismos sem nexo que se perdem no tempo e no espaço. Meu psicanalista é assim desalmado, distrai-se ao falar, tergiversa. Quer me rebuscar, me revolver. Quer-me presa. Um verdugo de mentes, um carrasco, o que ele é.

Pois confesso ter aceito desta vez o convite para jantar. Nem jantamos. O carro deslizou pelo asfalto uma fita do Caetano, "Você me deixa a rua deserta, quando atravessa e não olha pra trás...”

Olho de soslaio o meu psicanalista. Depois, sem medo, resolvo olhá-lo de frente. Ele não se toca, não se deixa penetrar. Irritam-me a arrogância e o despotismo dos gestos. Um cínico...

Não há muito o que contar sobre o que acontece depois. Um freio brusco, uma lua grande falando de manchas antigas e de uma geometria perturbadoramente exata a olho nu. De um lado, colunas de areia. Rodeia-nos ainda um nigérrimo e imenso mar e mais dois segmentos opostos de estradas mal iluminadas. Entre gestos que se avizinham, um beijo excessivamente molhado. Duas mãos ávidas acariciam as costas largas e bem torneadas do psicanalista. Entre os dedos, a lua se faz refletir no canivete afiado.

Não há como descrever esse momento sublime. Eu tinha ali, nos meus braços, o sangue e o corpo do meu analista, agora rendido, repousando em meus ombros. Tinha as dunas, a lua e o barulho do mar. O vento varrendo os nossos cabelos e nos acariciando o rosto.
Sei que abri os olhos e sorri de felicidade. Levantei do divã e olhei em direção à janela. Sentia-me flutuar. Novamente o vento. Novamente fazia com que dançassem as cortinas.

O analista me olhou espantado e eu lhe fechei os lábios com os dedos, para que nada mais acrescentasse àquele momento divino. Despedi-me dele para sempre, sem cansaço, sem agonia.
__________________________________________________
Figura do analista:
__________________________________________________
Nilze Costa e Silva nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, tendo vindo morar no Ceará com alguns meses de idade. Graduou-se em Administração de Empresas e logo após especializou-se em Teoria da Literatura (1986), pela Universidade de Fortaleza UNIFOR). Iniciou na Literatura com o livro Viagem – Contos e Crônicas, que teve prefácio do consagrado poeta Francisco Carvalho. Sagrou-se em 1° lugar no Prêmio Estado do Ceará, com a novela no Fundo do Poço (com apresentação do contista Moreira Campos). Em 2001 fundou o grupo Poemas Violados. Promove sistematicamente a oficina de Escrita Criativa: “Palavras não são vãs”. Integra a Rede de Escritoras Brasileiras (REBRA). É colaboradora do Jornal O Povo, de Fortaleza, e conselheira do Conselho de Cultura do Estado do Ceará. No cotidiano, dedica-se a questões relacionadas aos direitos humanos. Recentemente lançou o livro de sua autoria, Fortaleza Encantada.

2 Comentários:

Blogger Jean Kleber disse...

Nilze tem o toque das grandes escritoras. Tem um agradável estilo que lhe é próprio.Gosto de ler seus artigos e neste blog seus textos só enriquecem o projeto. Valeu, Nilze.

12.7.07  
Anonymous Anônimo disse...

Nilze, li encantada o seu texto... como é gostoso imaginar, sonhar, acreditar... não se destingue o sonho do real, tudo é tão ilusoriamente real!!!! Adorei!

14.7.07  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial