PorBérgson Frota
Publicado no O Povo em 19.12.2009
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No começo ainda distante vêm-me a lembrança. E lá estava ele, a chamar-me, estirando o braço e dando-me a mão para que juntos, de calção de banho, fôssemos ver a cheia na ponte do rio que naquela manhã chuvosa inundava parte da cidade, e eu medroso apertei-a como um porto seguro e criando coragem fui.
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Depois suas mãos guiavam-me na já antiga máquina de datilografia, corrigia-me, mostrava-me os acentos, como marcar e separar parágrafos, por fim a colocar a fita bicolor vermelha e preta, coisa que não demorei a aprender.
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Corria o tempo e nos quinze anos, seu aperto de mão a parabenizar-me, e um relógio que sonhava ganhar. Suas mãos a conformar-me batendo nas costas de forma branda ensinando paciência quando eu muito precisava.
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Suas mãos levantadas ao alto, agitadas a orgulhar-me, quando discursava nos palanques eleitorais, festivos ou para alguém homenagear. Suas mãos generosas no que sempre precisei, a cuidar para que nada me faltasse.
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Suas mãos agora necessitadas das minhas no seu já frágil e incerto andar. Suas mãos meu Pai, inertes e frias deitadas a descansar para sempre, e só no meu coração sentia sem poder chorar, frias, sem movimento.
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Não as toquei, olhava doído na alma sua partida, e vezes sem conta naquela noite triste e mais longa até agora na minha vida, muito mais que seu rosto eu as fitei.
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Mãos tão queridas, instrumentos abençoados do seu coração.
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Ilustração: obtida do blog
grupos.com.br.\blog\ipueiras\permalink\36934.html onde foi publicada previamente a matéria.
Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.
5 Comentários:
Tocante depoimento, mais que uma simples crônica. Uma homenagem a seu inesquecível pai. Neste texto o escritor Bérgson Frota deixa à posteridade uma página rica de sentimento e elegância. Parabéns.
Uma das melhores crônicas que eu já lí até hoje.
Uma crônica que merece respeito.
"olhava doído na alma sua partida"
Uma pequena correção no texto. Grato por tê-lo publicado.
Bérgson Frota
Correção feita, amigo. Obrigado!
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