Por
Bérgson Frota
Quando era março chegava o inverno.
O céu escurecia de repente. Trovões, relâmpagos e grossos pingos d`água começavam a cair.
Adultos e crianças saíam pelas ruas, avenidas e diante do grande patamar em frente à igreja matriz, festejando a chegada da estação.
Subia do chão nas primeiras levas da chuva, um cheiro mormaço de terra quente, ferida e surpreendida pelos frios e grossos pingos que sem parar caíam. Parecia que o céu arrependido chorava pela longa secura da terra.
E logo nós, meninos, corríamos em direção à ponte velha, para de lá vermos o Jatobá, que recebia das cabeceiras da serra, água e mais água, barrenta, borbulhante e barulhenta. Fazendo redemoinhos e se espalhando pelo terreno antes seco, mas seu. Serpenteando na terra areienta e porosa.
Era meio-dia e quando lá para as três da tarde a chuva passava, a cidade então se preparava para a fria noite, que adentrava a madrugada com o barulho incessante dos sapos despertados.
No segundo dia o rio ainda estava cheio, permanecendo assim enquanto chovesse. E acontecia que no final da tarde começava a revoada no céu, era o tempo das tanajuras.
Corríamos nós, crianças, levando na mão uma grande folha verde de castanhola e de forma quase mecânica, começávamos a capturar e seccionar ao meio as grandes formigas.
Naquela época havia bares que pagavam por uma substancial porção de "bundas" de tanajuras, e nós, espertos que éramos, ganhávamos com a venda. De trocado a trocado íamos juntando uma boa soma, que logo se esvaía em gibis, bilas e bombons.
Para nós, crianças de Ipueiras nos anos setenta, aquela era uma época feliz, pois não só tínhamos os banhos diários no rio, como a caça das tanajuras, que rápido passava, mas que nos lembrava um novo período a repetir-se no ano seguinte.
E assim em cada início de inverno, vinham os banhos de chuva, os banhos de rio e o tempo das tanajuras, até que de criança tornamo-nos adultos e as tanajuras foram esquecidas, ficando para nós a alegria maior do bom inverno, resumido na abençoada fartura por ele sempre trazida ao forte e bravo povo do sertão.
____________________________________
Foto da tanajura(
Atta sp.): www.photografos.com.br - fotografia on-line
___________________________________
Bérgson Frota, formado em Filosofia/Licenciatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), é um prestigiado cronista ipueirense e pesquisador da história e da geografia da cidade de Ipueiras, no Ceará. É professor visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor de Grego Clássico no Seminário da Prainha - Fortaleza.
5 Comentários:
Rica e original narrativa de Bérgson Frota, sobre o fenômeno fantástico da revoada das tanajuras. Parabéns!
Legal, Bérgson,
Também curti o tempo de tanajuras.
Ainda me lembro muito bem, no patamar da igreja eu, minhas irmãs e amigas, cantando; "Cai, cai tanajura, tua bunda tem gordura" e
assim, éramos nós, crianças brincando em Ipueiras. bons tempos
Dalinha Catunda
Esta sua crônica Bergson, me fez lembrar também que no tempo das tanajuras, quando menina muitas vezes estava eu no Piquizeiro, na casa do pai Zuza, meu avô materno e em frente a casa, tinha acho que uma figueira ou um pau brasil enorme e onde com uma palha a gente fazia como a Dalinha e suas irmãs, cantando "cai... " e depois pediamos a Maria Luiza para fritar as bundas de tanajura hehehe ou tempo bom!
Este trabalho é nota MIL, nele está presente características de um estilo narrativo único, talvez desenvolvido pelo próprio autor,que se acha talvez aspirante a escritor, não sabendo que o é já. Pode se dizer, como se costuma na área da educação falar, que a inpiração para criar, é fruto de uma base propeduêtica bem tolhida, lapidada, mas que o criar em si é latente ao espírito de que o faz. É a Bérgson Frota, filho de Jeremias Catunda os meus parabéns.
Achei fotmidável seu texto. Acabei de ler uma crônica de Rubem Alves no livro Concerto para corpo e alma, que falava também sobre revoadas de tanajuras. Quando eu era criança eu adorava essas revoadas. Eu gostava de pegar tanajuras e fincar uma vareta na sua bunda e ficar vendo ela bater as asas, só que não pensava que ela estava sofrendo com essa minha atitude. Zita Alves Pisetta. Abraços.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial