Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

2.6.07

ACONTECEU NUMA FILA DO CITIBANK

Por
Lin Chau Ming

Para receber a bolsa do CNPq, tive que abrir uma conta aqui. Pra mim, banco é banco, serve para receber o salário, ter cheques/cartão para movimentar o dinheiro, fazer financiamento para alguma emergência e guardar o pouco que sobra no final do mês..
Pensando em prestigiar as instituições brasileiras, fui à agência do Banco do Brasil aqui em Nova York. A própria gerente daquela agência me disse que não era interessante abrir uma conta ali. Demoraria mais de duas semanas para ter o número da conta, pois a documentação seria encaminhada para a Flórida, não sei exatamente o motivo.

Como precisava do número da conta com urgência para poder receber a bolsa, fui a outro banco, desta vez perto da Columbia University, para facilitar o meu acesso a ele. Saindo da estação do metrô, fui ao primeiro que apareceu, o Citibank. Em São Paulo há uma agência deste banco na avenida Paulista, num prédio de arquitetura moderna, bonita, vidros azuis refletindo as imagens sôfregas das imediações, emoldurados, no alto, por arcos espaçados, em granito avermelhado.

Abri a conta sem problemas, na mesma hora e, além de ter recebido uma pequena bolsa térmica de brinde, não teria que pagar uma taxa mensal de manutenção, uma vez que o banco mantinha um convênio com a Columbia, isentando essa taxa aos que tivessem algum vínculo com a universidade.

Um mês depois, tive que ir novamente ao banco, solicitar uma cópia autenticada do meu visto, que deveria ser encaminhada ao CNPq como prova de minha viagem até aqui. Não sei porque, o banco tem uma gerente que faz o serviço de tabelionato, autenticando documentos. E para os vinculados à Columbia, as autenticações eram gratuitas, outra vantagem que soube então. Como no Brasil, odeio entrar em bancos por causa das filas. Aqui é igual também, mas parece que há mais agências e o horário de atendimento é maior, além de as agências também funcionarem aos sábados (!).

Assim que assinei uma lista de espera para ser atendido, sentei-me em uma cadeira, próxima às outras, destinadas ao público. Olhei algumas propagandas do banco pregadas no vidro que permitia ver parte da neve que ainda persistia, acumulada em cima de uma clarabóia também de vidro. O sol que batia no vidro derretia a neve, que caía em conta gotas.

Por um instante, enquanto minha mente divagava, imaginei ter visto a mulher que estava na cadeira ao lado jogar um sorriso para mim. Olhei um pouco receoso, meio de lado, virando um pouco a cabeça. Sim, ela continuava a me olhar, com um sorriso singelo estampado em seus lábios. Loira, olhos azuis, vestida com um casaco de lã azul claro. Acostumado a manter uma relativa frieza no trato com pessoas estranhas, me contive e continuei imerso nos meus pensamentos.

Nisso, a mulher faz um pequeno gesto, com as mãos, como que me chamando para conversar, e eu senti um frio na barriga; o que iria fazer, afinal, não a conhecia. Perguntou se eu estava esperando ser atendido pela gerente do primeiro biombo, em frente às cadeiras. Sim, era onde eu deveria autenticar os documentos para enviar ao CNPq. E ela disse que também precisaria falar com a mesma pessoa, que estava atendendo um senhor negro.

Confesso que fiquei um tanto desorientado nessa hora, pois não é comum as pessoas daqui ficarem conversando com desconhecidos. Além disso, sou um pouco envergonhado no meu dia a dia, apesar de alguns não acharem. Mas retribui à iniciativa dela e continuei a conversa. Falei sobre algumas trivialidades meteorológicas e depois, da demora em filas de banco e algumas situações no Brasil.

Percebendo não ser nativo, ela se interessou mais em continuar conversando comigo. Perguntou sobre a comida chinesa (ambos gostamos), falou sobre sua ascendência irlandesa e comentou que não se sentia muito atraída pela festa dessa comunidade em Nova York, que ocorreria no final de semana, a festa de Saint Patrick, organizada pela comunidade de irlandeses daqui, muito numerosa.

Chamava-se Marie, e não gostava que as pessoas confundissem com Mary, bem mais comum por aqui. Casou-se a primeira vez com um negro, ficou viúva após ele ter sido assassinado pouco depois do casamento, que não teve o apoio da família por questões raciais. O segundo casamento não deu certo, brigavam muito, também não durou muito. Do terceiro, resultou no nascimento de suas duas filhas, e logo depois, novamente, viuvez. Uma vida atribulada, cheia de dificuldades financeiras, trabalhou duro, como vendedora de uma grande loja, mas também, muitos momentos felizes, não podia reclamar.

Estava sozinha agora, com as duas filhas, morando em um apartamento alugado, com três quartos, disse-me, fazendo uma descrição detalhada da vizinhança, que considerava boa. Ela morava no bairro vizinho ao meu, perto, cerca de treze quadras e disse que costuma fazer compras num supermercado que fica mais ou menos no meio desses dois bairros. Disse-me que poderia encontrá-la por lá, esse local seria ser uma referência.

Como a fila não andava, o senhor negro ainda estava sendo atendido, continuamos a conversa. Ela achava o povo americano muito racista e mal educado, poucos dão lugar para as mulheres em ônibus ou metrô e, mesmo nas filas de banco, gestantes não têm direitos especiais.

Ficamos entretidos na nossa conversa por mais algum tempo, até que, finalmente, chegou a vez dela. Ela disse que eu poderia ir na frente, pois a conversa que ela teria seria mais demorada. Eu disse que não, que era a vez dela. Insisti, mas ela me convenceu, me levando suavemente com os braços em direção à escrivaninha da gerente. Foi de uma delicadeza cativante, não tive como negar.

Meu acerto com a gerente foi relativamente rápido, então, chegou sua vez. Eu estava realmente impressionado com a história de vida daquela mulher e também com seu jeito doce e educado e quis continuar a conversa.

Aguardei o fim de seu atendimento e, assim que ela se aproximou de mim, tomei uma iniciativa inusitada, sem muito pensar naquele momento e não muito de meu feitio: convidei-a para almoçar. Agradeceu, mas disse que teria que ir para casa. Insisti, pois queria saber mais da vida dela, conversar um pouco mais. Não precisei pressionar muito, acabou aceitando.

Havia muitos restaurantes perto dali, ela escolheu um típico americano, pois gostava de batatas. Contou-me mais detalhes de seus casamentos, dos relacionamentos que teve e de como se superou para cuidar das filhas. Tem alguma dificuldade no relacionamento com uma delas, que tem uma postura mais autoritária, mas afinal, qual mãe não tem algum tipo de problema com os filhos? Realmente, uma mulher decidida, lutadora.

Terminado o almoço, ela disse que costumava pegar táxi para voltar para casa. Pediu para ir junto com ela. Nessa cidade dos táxis amarelos, não seria difícil encontrar um. Ficamos à beira da calçada para ver se passava algum. Poucos, e todos ocupados. Tínhamos que ter paciência, logo apareceria algum vazio. O vento batia com um pouco de força e eu dei meu braço para ela segurar, para se proteger melhor. Enganchou o braço dela no meu e com a outra mão, segurava a minha, suave. Ela olhava para mim com alegria e talvez pensando em poder me encontrar outras vezes, mesmo sendo um desconhecido, não sei. Tinha ido com a minha cara. Eu também imaginava me encontrar com ela, continuarmos nossa conversa.

Finalmente, o táxi. Falou ao motorista, que tinha aparência de indiano, o endereço correto. Certifiquei-me se o motorista conhecia o local. Ela me deu um abraço apertado e um beijo no rosto. Despedimo-nos. Marie é uma gentil senhora, bem conservada, no alto de seus noventa anos de vida bem vividos e essa história interessante.

Voltei para casa com o coração aberto. Sim, quem sabe, nos encontraremos novamente, na fila do Citibank.
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Foto City Bank:
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Lin Chau Ming é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (1981), doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995) e doutor em Agronomia (Produção Vegetal) pela mesma universidade (1996). Atualmente é professor adjunto da UNESP em Botucatú-São Paulo. É editor chefe da Revista Brasileira de Plantas Medicinais. Está hoje em Nova York, na Columbia University, fazendo pós-doutorado na área de Etnobotânica.

2 Comentários:

Blogger Jean Kleber disse...

Narrativa forte e comovente de Lin Chaw Ming.E ele guarda uma surpresa para o final. Gênio.

3.6.07  
Anonymous Anônimo disse...

Muitas vezes nos fechamos e perdemos a oportunidade de conhecer pessoas e histórias interesssantes como a que nos
relatou, com muita propriedade, Lin Chaw Ming.

3.6.07  

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