PorLuiz Alpiano Viana*
Um mascate viaja pelo interior, e já no fim da tarde se preocupa com um local para dormir. A noite chega abruptamente. Muito cansado com o peso que carrega, avista, de repente, um casebre à beira do caminho.
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É uma casinha dessas de apenas dois cômodos que qualquer pessoa, por mais baixa que seja, dentro dela anda curvado. Sem pensar duas vezes, ele se dirige para lá. A porta é feita de varas transadas e por trás há um pano como quebra luz. Está fechada desde cedo, uma vez que seus ocupantes se recolhem logo que escurece.
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O visitante teme chamar já que é um desconhecido na região. Decide, então, e usa da linguagem de épocas passadas para dar uma conotação de paz, e diz: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Espera um pouco. Depois de alguns segundos uma voz rouca e senil, responde: Deus seja louvado!
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Não tarda, e pelas brechas da porta, ele vê um vulto se aproximar, e, em seguida, acende uma lamparina. O velho puxa, em dois tempos, a porta de vara que fecha a residência. Ainda pelo lado de dentro cumprimenta o transeunte: Boa noite. Seja bem vindo! Manda-o entrar e sentar-se. Na saleta de visitas, o assento é um tronco sobre duas pequenas forquilhas fincadas no solo batido.
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A casa é simples, nela não há luxo nem dinheiro, mas, pobre de espírito. Sim, isso mesmo, um casal pobre de espírito. Tudo isso logo é comprovado através dos atos corteses e humanos por eles praticados. É uma gente humilde e sadia de bons costumes à moda antiga. Indaga ao velho, o homem, se pode dormir e prontamente é acolhido.
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O casal, com a simplicidade e generosidade de campesino, oferece-lhe água e um pouco de comida que sobrara da última refeição. Após o pequeno jantar, agradece aos Céus e trata de se ajeitar num canto da sala. Os dois idosos se recolhem para seu aposento.
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Meia parede, de aproximadamente 1,30m, separa-os do hóspede. O homem põe seus pertences de um lado e se aninha no outro, do jeito que pode, para dormir. O cansaço é grande e a dormida é desconfortável demais. Uns sons estranhos chamam-no a atenção. Ouve bem compassado: Hum... Hum... Hum... Ué! Que é isso! Será que há alguém doente aqui? Ou esses octogenários ainda praticam sexo? Não acredito! Com certeza o que ele escuta não é uma oração!
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Estica-se novamente no improvisado leito, no entanto, à medida que o tempo passa os gemidos aumentam ainda mais. Dá vontade de olhar por sobre a parede, só que acha deselegante e desrespeitoso. Aliás, nem precisa de esforço para ver quem está do outro lado, porém fica atento aos gemidos que não são de sofrimentos. Não se contém, larga da dormida, anda pouco mais de um metro até a parede do quarto. Levanta-se lenta, cuidadosa e curiosamente! Seu coração bate diferente do normal, e o hum, hum, hum, não cessa. Numa visão panorâmica vê tudo o que se passa dentro da alcova.
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E que surpresa! Nas redes armadas em paralelo, o casal está sentado de frente um para o outro e fuma no mesmo cachimbo! Quando o velho puxa a fumaça - e ainda de boca cheia - passa o cachimbo e diz: Hum...Sua companheira faz a mesma coisa, sorve a fumaça e lho devolve com a mesma expressão do marido: Hum! Nesse hum, hum, hum, ocupam alguns minutos, noite adentro, fumando.
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Apesar da prevaricação, o homem ri descontraído e os deixa quietos e volta à dormida despreocupadamente. Felizmente dorme como um anjo e no outro dia, ainda cedo da manhã, segue seu destino, deixando para traz um grande mistério: O mistério do amor! O amor existe e é extensivo a todos. Não importa a forma de praticá-lo. Faz bem, traz paz e equilíbrio. E para tê-lo não precisa ser rico nem viver em luxuosas moradias.
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Figura:
site upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4e/Pretos velhos.png
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Aos 61 anos, o ipueirense
Luiz Alpiano Viana, é uma apaixonado por sua terra natal. As suas memórias e saudades de Ipueiras estão sempre presentes em suas crônicas, a exemplo de “Saudade” e “O astuto cirurgião”, narrativas que trazem de volta velhas e boas recordações. Tendo morado na cidade de Crateús/CE e em Brasília/DF, atualmente reside em Forteleza/CE e é funcionário aposentado do Banco do Brasil.
4 Comentários:
Cronista ou contista? Alpiano segue contribuindo com suas peças plenas de sentimento e vivência. Desfrutem.
Um casal de velhinhos, que bonitinho. Amei.
LUIZ!!O AMOR É LINDO EM QUALQUER IDADE,DESDE QUE SEJA SINCERO,PLENO SEM MENTIRAS!LINDO CONTO.BEIJOS GRAÇA
AMores sinceros eternizam-se de muitas maneiras... Lindo! Abraços.
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