Y-puera
No belíssimo livro de Antonio Geraldo da Cunha, “Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi”, a palavra é apresentada com o significado de “terreno alagado; charco formado pelo transbordamento dos rios, onde as águas se conservam por vários meses” e são também citadas passagens onde esta palavra é utilizada por diversos escritores brasileiros, como por exemplo Castro Alves, em “A Cachoeira de Paulo Afonso”:
E tu desces ó Nilo brasileiro,
As largas ypoeiras alagando,
E das aves o coro alviçaeiro,
Vae nas balsas teu hymno modilhando!
Não conheço Ipueiras, mas lendo os trechos citados nos livros, é possível imaginar o ambiente original onde foi fundada esta cidade do interior do Ceará. E mais ainda, com as crônicas e poesias escritas no blog do Jean Kleber, quase um ipueirense, fico imaginando a cidade.
Entrei em sites que se referem a ela, bonita, como muitas cidades do interior do Brasil, calma, apesar de agitos culturais. Como lembranças do ambiente original onde o Coronel Manuel Martins Chaves fundou a Fazenda Ipueiras, que mais tarde viria a ser dividida e onde foi fundada a cidade, ainda existem os lagos, comprovando o acerto no nome dado àquela fazenda.
Das fotografias antigas que encontrei, o rio Jatobá deve ser o pai (ou a mãe) das ipueiras da cidade, que bem plana, apresenta alguns morros a observar as terras baixas indo longe, a perder de vista. Do campo de futebol da época, de várzea, lógico, justificando o nome, tanto da cidade quanto do campo, com os jogadores dos times postados para as fotos, é possível imaginar a extensão dessas áreas. Quantos jovens não se divertiram nas peladas nesses campos, quando o futebol amador ainda tinha sua graça, servia como esporte, saúde, entretenimento e convívio social?
Além de divertimento, as terras úmidas forneciam material de boa qualidade para produtos cerâmicos, a serventia era bem grande, como podia ser vislumbrado nas palavras de Euclides da Cunha, em “Os Sertões”:
Intercorrem, ainda, paragens menos estéreis, e nos trechos em que se operou a decomposição in situ do granito, originando algumas manchas argilosas, as copas virentes dos ouricuryseiros circuitam, parenthesis breves abertos na aridez geral, as bordas das ipueiras.
Ainda hoje, nessas terras, “as ipueiras verdolengas” de “Grande Sertões: Veredas”, os agricultores retiram o alimento para a população da cidade, apesar do avanço dos produtos industrializados. Mas comer alimento fresco e saudável e poder conversar e ajudar os agricultores locais é uma decisão que ainda pode ser tomada por lá, para o bem de todos.
Também se pode ver, poucas, é verdade, infelizmente, palmeiras típicas desses lugares mais úmidos, como as carnaubeiras e os buritizeiros, altivos, porém, como dito agora, solitários, órfãos que ficaram pela ação devastadora dos ipueirenses de outrora. Muitos ipueirenses ainda se lembram dessas árvores, cantando em versos e prosas, outros lembram-se de árvores, porém, daquelas que já não mais existem na cidade.
Dos prováveis cinco lagos que existiam à época da fundação da cidade, hoje, decerto, algumas estão apenas nas lembranças dos moradores mais antigos. Calçadões margeiam uma que sobreviveu, mas a mão humana continua modificando a paisagem, espero que desta vez para a melhora da qualidade de vida dos moradores da cidade.
Porém, o bravo Jatobá sofre, mas resiste, como todo nordestino, esperando atitudes mais nobres por parte das pessoas, para poder continuar oferecendo, à noite, o que Guimarães Rosa, em Sagarana, disse: “No covo da ipueira, o coaxar dos sapos avançava longe e voltava – um... um...um... – como se corressem escalas em enorme teclado fanho.
4 Comentários:
Uma grata surpresa. Prof. Lin homenageia Ipueiras em seu primeiro artigo do ano para o blog. Algo inusitado e comovente. Lá de New York meu colega "converte-se" a Ipueiras, de tanto que a enaltecemos aqui no blog. Gratos ao Lin pela carinhosa homenagem.
Como sou um apaixonado por Ipueiras e já escrevi alguns textos sobre essa cidade, fico feliz por você ter dedicado um pouco de seu tempo na pesquisa sobre minha terra. Obrigado Lin!
Uma cidade de Tocantins também tem o mesmo nome, talvez alguém da homônima cearense não tenha tido a idéia de homenagear a terra natal?
Ou talvez porque exista um rio com "y-puera" em suas margens?
Abraços.
Lin
A origem do nome da cidade homônima do Tocantins, quem sabe, mais nova que a Ipueiras do Ceará, ainda não sabemos. Pode-se especular com várias hipóteses, portanto. Legal, sua pesquisa, Lin.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial