Por
Marcondes Rosa de Sousa
Na rua onde moro, observo papos de pessoas saídas de velório na igreja do Menino Deus, no bairro Luciano Cavalcante, de jovem brutalmente ali assassinado.
De manhã, o assassino esfaqueara a senhora, tentando arrancar-lhe a bolsa, afugentado por guardas da Câmara Municipal. À noite, na mesma rua, tentara do vizinho, estorquir dinheiro para drogas, tomara-lhe a moto, esfaqueando-lhe cabeça e costas, deixando-o a ali agonizar.
Patrulha policial, ao passar, negara-se ao socorro: "Problema de vocês. Fomos escalados para outra ocorrência". Na delegacia do bairro, policial se escusa: "Não vou sujar as botas, entrando no mangue, atrás de drogado!" No papo, dizia-se do assassino: "Matava cachorro e gatos, guardando-lhes a carne na geladeira para comer".
E do pedreiro, pai da vítima, o lacônico depoimento: "Só tinha um defeito. Era bom. Por isso, morreu como morreu".
Nos papos, o desencanto com nossos valores: honestidade, trabalho, ética. E sentidos queixumes sobre alienação de nosso marketing, onde segurança e estética urbana pautam-se pelos figurinos da visão narcísea de nossos políticos.
Entre intelectuais, dou testemunho da alienação depressiva e crescente com o chegarmos ao fundo do poço, nessa questão. O fim dos tempos! Tento ver apocalipse à luz da bíblica acepção de revelação, aviso e renovação de ciclo. Mas alguns já vêem, a nos rondar, o Anticristo, com data marcada para o "juízo final".
Da área política, ouço vozes em prol do resgate da ética. Animo-me. Daí, evocar aqui a queixa de que "a dor da gente não sai no jornal". E isso com a de um pai: "Era bom e, por isso, morreu"
Nela, o recado de nossos eleitores sobre a visão equivocada do marketing de nossos políticos: a do chão falso e manco a nos embasar o direito à vida. No País, no Ceará e nesta Fortaleza a iludir-se de ... bela!
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Obs.: publicado originalmente no jornal O Povo em Fortaleza, secção Opinião em 01/10/2007
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Marcondes Rosa de Sousa, advogado, é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECe). É uma das maiores autoridades em educação do Brasil. Ex-presidente do Conselho de Educação do Ceará e do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, é Colunista do jornal " O Povo ", onde mantém seus artigos quinzenais.
3 Comentários:
A violência urbana nos desnorteia. Difícil acreditar na banalização do assasinato. Esta crônica de Marcondes traz as cores da dura realidade. Contundente em sua narrativa, lembra a crueza dos contos de Nelson Rodrigues. Se vivo, o dramaturgo veria a realidade superar a arte. Valeu.
Marcondes, uma análise bem realista da apologia à violência. As pessoas idolatram os mais espertos e os mais poderosos, estes geralmente com caráter duvidoso em relação aos nossos tradicionais valores. A discussão atual é: quem está certo? Quem está mais preparado para a vida ou para o sistema? Não é difícil concluir, quando assistimos a uma situação como essa e nos perguntamos: quem está sofrendo nesse momento? Quem está em desespero com o resultado de toda essa prática dos atuais valores? Parabéns pelo texto. Um abraço.
O que é ser bom ?????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
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