O Inexistente
Passava por entre as pessoas como um vulto.
Viam algo por um instante ... Depois mais nada. O vulto em questão tinha duas
pernas, dois braços e uma cabeça. Era humano. Vestia-se de forma casual, alguém
comum, mas tinha uma estranha peculiaridade, ninguém se lembrava da sua
existência.
Era um eterno passante de primeira vista,
estando por todos os lugares sem deixar a mais vaga lembrança. Ele nunca soube
como isso começou, mas deixou de se importar depois de um longo tempo.
Um dia, começou a esquecer do seu rosto,
da sua voz, dos seus cacoetes... Indo desaparecer pouco a pouco. Não sentia que
estava morrendo, era algo muito pior, estava sendo apagado do papel pela
borracha.
A
Quinta Tentativa
Os
olhos viam e iam ao pisca-pisca do
faróis. Uma noite densa de chuva o evocava dos seus sonhos etílicos perdidos em
terras estranhas no seu calhambeque. A sua longevidade era um porre do qual ele
queria se livrar há muito tempo, a ausência da dor o agonizava e a solidão o
desumanizava a cada século, testemunhando maravilhas e horrores de novas
humanidades.
Estava cansado de ver ... De ouvir ... A fada
verde fazia-o esquecer da Árvore do Mundo que ele abandonara há tempos
esquecidos, desde que solvera a seiva ... “Nós estamos certos ! Vocês estão
errados ! O brado que ribombava em sua mente na boca dos tacanhos homens
formigas.
Tenta alcançar a garrafa, pegando
desajeitadamente, e a joga fora e acelera abruptamente. A atenção desaparecia,
havia apenas os olhos fixados na curva do abismo. Capotaria floresta adentro
até explodir como previa. O carro se lança no ar ... Essa era a quinta
tentativa neste século.
O Som
Ausente
O céu encontrava-se em uma densa
escuridão que engolia o brilho das estrelas, o som crepitante da madeira
queimada predominava na floresta em seu silêncio de luto. Em um entulho de
cinzas e de galhos retorcidos, emerge o peba, com os olhinhos arregalados
diante do fim, caminhando no meio da desolação, sem saber se era dia ou se era
noite, à procura de água.
Onde havia água só existia uma lama
negra e espessa como éter. Em passos curtos, o peba percorria o vale ausente,
vê, ao longe, ossos de temíveis predadores de outro tempo que não pareciam
existir, as regras, daquele mundo, foram
apagadas em um clarão. Farejava, tremendo o focinho, os ossos descarnados,
mordiscando pedaços cremados.
A terra perdera as suas emoções,
só no peba residia o instinto de viver. Percorria seus passinhos sobre colossos
caídos, passando por entre seres de metal retorcido, sem rumo na vastidão do
vazio. O pequeno animal tremia pela ausência de tudo, nunca ouvira tão terrível
silêncio ...
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Publicados na coluna Ler do
jornal “Diário do Nordeste” em 13/04/2014, e enviados por Bérgson Frota.
Sobre o autor : Antônio Luciano
Bonfim é ipueirense há muito radicado em Fortaleza, dedica-se à ficção, à
poesia e ao ensaio sobre a arte literária.
Imagem :
gimulek.blogspot.com.br
1 Comentários:
Valeu os contos, de natureza existencialista.
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