José do Vale Pinheiro
Feitosa
Olhe a palha. O leito. A cocheira geradora de dois mil anos.
Tantas estrelas guias. E homens trouxeram do nascedouro semita da mesopotâmia,
pelas águas do Rio Vermelho, ou pelo braço hoje rasgado pelo canal de Suez a
mirra, o incenso e o ouro. A imortalidade, a espiritualidade e a materialidade.
E tudo repousava sobre a palha do nascedouro. E ali mesmo a
imortalidade, a espiritualidade e a materialidade se fundiram na mensagem
única: o amor. Tão gasto, repetido como apenas sons, sem que o metabolismo
fisiológico, ideológico e político possa transformar em continuidade de cada
fragmento da respiração e dos batimentos do coração.
O amor se perde na narrativa cotidiana do viver e se
reencontra na revelação de cada ato ou ação. Assim como ele se banaliza no
dicionário e suas inúmeras acepções, rubricas, derivações e diacronismos. Mesmo
os romanos que fundaram a palavra não conseguiram traduzir o significa do amor como
nascido naquela palha de berço.
É que as palavras não são apenas um tijolo estático, elas
guardam a dinâmica do desenrolar dos fatos. E Herodes em sua mortalidade frágil
e enciumada ao matar crianças, transformou o símbolo da homenagem adivinhadora
dos magos numa ação de amor.
A rota da fuga dos pais de Jesus desde Belém, hoje com 30
mil habitantes, e encravada no centro da Cisjordânia, até a cidade do Cairo.
Pelos desertos, margeando o Delta do Nilo e chegando ao Cairo. Era o Império
Romano, mas lá Herodes não tinha força de mandar cassar o mandato dos
fundadores do cristianismo.
O amor é a humanidade transformada numa seiva perfumada. É o
estrato de seu modo de ser no mundo. Mesmo se corrompido por alguma regra do
tempo, o amor tem a regra universal e imorredoura das pupilas abertas para o aqui
e agora e tem na retina a impressão de sua seiva como parte inseparável e
necessária do mundo. E a humanidade não se divide em partes individuais, o
indivíduo só pode se conceituar como humano.
Mas hoje os evangelistas do amor não mais poderiam mover-se
em livre circulação. Um muro cerca a Cisjordânia. A Sagrada Família é barrada
todos os dias por altas muradas que as trombetas de Josué são incapazes de por
abaixo. Os soldados armados de Israel jogarão bombas de efeito moral e levarão
preso ao carpinteiro José por desobediência e ameaça ao Estado de Israel.
Ilustrações: site geocities.com/.../simbolosdonatal.htm
José do Vale Pinheiro Feitosa – nascido na cidade de Crato, Ceará, em dezembro de 1948, morando no Rio de Janeiro há 34 anos. Médico do Ministério da Saúde. Publicou o Romance Paracuru em 2003, assina matérias em alguns blogs e jornais. Em literatura agita crônicas, contos, poesia e ensaios de temas variados. Gosta de pintar e tem alguns trabalhos de escultura.
1 Comentários:
Bem vindo José do Vale. Obrigado!
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