TERRORISMO ZERO: PADRE HENRIQUE E O GUARDA SEBASTIÃO
Jean Kleber Mattos
Em 25 de julho de 1966, o Marechal Costa e Silva, então candidato à Presidência da República, era esperado por cerca de 300 pessoas que lotavam o Aeroporto Internacional dos Guararapes, em Recife. Às 08:30h, poucos minutos antes da previsão de chegada do Marechal, o serviço de som anunciou que, em virtude de pane no avião, ele estava deslocando-se por via terrestre de João Pessoa até Recife e iria, diretamente, para o prédio da SUDENE.
‘O guarda-civil Sebastião Tomaz de Aquino, o "Paraíba", outrora popular jogador de futebol do Santa Cruz, percebeu uma maleta escura abandonada junto à livraria "SODILER", localizada no saguão. Julgando que alguém a havia esquecido, pegou-a para entregá-la no balcão do DAC. Ocorreu aí uma forte explosão.
O som ampliado pelo recinto, a fumaça, os estragos produzidos e os gemidos dos feridos provocaram o pânico e a correria do público. Passados os primeiros momentos de pavor, o ato terrorista mostrou um trágico saldo de 17 vítimas.
Dessas, morreram o jornalista e secretário do governo de Pernambuco Edson Regis de Carvalho, casado e pai de cinco filhos, com um rombo no abdômen, e o vice-almirante reformado Nelson Gomes Fernandes, com o crânio esfacelado, deixando viúva e dois filhos menores.
O guarda-civil "Paraíba" feriu-se no rosto e nas pernas, o que resultou, alguns meses mais tarde, na amputação de sua perna direita (ref.: site ternuma.com.br/guara.htm).
Tempos difíceis. Eu era membro da JUC (Juventude Universitária Católica) na época e fazia parte da comunidade dos “permanentes”, estudantes que moravam numa residência do Arcebispado. Pertencíamos às equipes regionais das “juventudes”.
Ao saber da notícia da bomba ficamos apreensivos. Sabíamos que nas horas seguintes alguns líderes estudantis seriam presos para interrogatório.
Voz corrente na época, os atentados terroristas eram atribuídos a grupos trotskistas, mas a investigação era ampla e envolvia militantes de Ação Popular. Lembro-me da prisão da Ruth e do Luciano, meus amigos, felizmente soltos logo após por absoluta falta de provas de seu envolvimento.
Os grupos de juventude da igreja tinham assistentes padres. Um deles, que volta e meia reunia-se conosco era o padre Henrique. Um padre jovem, negro e bem humorado, Henrique irradiava santidade. O havíamos apelidado de “patrão”. Isso porque costumava dizer em tom de brincadeira, que D. Helder Câmara era seu patrão. Portanto, devia estrita obediência ao prelado. Outra tirada jocosa dele, principalmente quando nuvens negras pairavam sobre nós, era: “Amigos, vou para casa de mãe. Não tem nada melhor que a casa de mãe.”
Na equipe laica estávamos: eu, Tito, Waldir, Luiz e Denis. Tínhamos uma verdadeira amizade pelo “patrão”. Quase idolatria.
Em 1968, a debandada. Alguns se formaram naquele ano na universidade (meu caso), outros como Tito (que seria no futuro o famoso frei Tito) optaram pela carreira religiosa. Denis seguiu para Sorbonne com uma bolsa de Estudos. Luiz voltou para o Rio Grande do Norte e Waldir permaneceu em Recife, ainda nas águas da Ação Popular.
Já em Brasília em 1969, trabalhando na Secretaria de Agricultura, num sábado eu estava na cadeira de uma barbearia fazendo um corte. Nas mãos, uma revista MANCHETE. De repente o susto. Estampada em página inteira, a fotografia do “patrão”. Seqüestrado e morto, possivelmente pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas) embora a autoria permaneça nebulosa até hoje.
A reportagem continha detalhes. O padre Henrique havia sido seqüestrado na noite de 26 de maio de 1969, no bairro de Parnamirim, depois de participar de uma reunião com um grupo de jovens católicos. De acordo com uma testemunha, ele acabava de sair do local do encontro, quando foi abordado por três homens armados que o levaram em um veículo de marca Rural, de cor verde e branca. Às 10 horas do dia seguinte, o corpo seria encontrado num matagal da Cidade Universitária do Recife. Padre Henrique era então Coordenador da Pastoral da Arquidiocese de Olinda e Recife, professor e especialista em problemas da juventude. Fora torturado até a morte, mutilado e castrado. Comentava-se na época que o objetivo da operação seria intimidar D. Helder, considerado um opositor importante do regime militar.
A notícia foi dada nas missas, pois a imprensa estava censurada. Sua mãe, nos meses seguintes, clamou por uma investigação limpa e foi ameaçada até quando fazia compras na feira. Um indivíduo dela aproximou-se sorrateiro e disse, num sussurro, para ela calar, pois também seria morta.
Perdemos o “patrão”, nosso grande amigo, nosso ídolo, numa ação de seqüestro seguido de assassinato.
Talvez lendo essas mal traçadas linhas, alguns amigos meus entendam minha atitude atual de condenação veemente ao terrorismo, não importa sob qual bandeira seja praticado...
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Pesquisa nos sites: direitos.org.br/index.php e ternuma .com. br/ guara. htm
Para mais detalhes acessar no Google, com as palavras conjuntamente: padre henrique recife morto ou ainda aeroporto guararapes bomba.
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Nota do blog: este artigo foi anteriormente publicado no blog "Ipueiras" sob o título "Saudades do "Patrão", em 03/07/2008 http://www.grupos.com.br/blog/ipueiras/permalink/24100.html
3 Comentários:
Depois do que lí fico ainda mais abismado de leis que pregam o silêncio dos fatos da época da ditadura. Àqueles que viram e viveram intensamente tais fatos é que sabem o terror que viveram e dele foram vítimas. Ao prfessor Jean Kléber minha admiração.
O trabalho acima exposto mostra a séria necessidade que nós, brasileiros consciêntes temos de saber como foram os anos negros de tortura no nosso País.Um texto que me agradou.
A violência praticada durante a ditadura militar faz parte da memória nacional; ela precisa ser estudada, divulgada, sobretudo junto às novas gerações, para que esses crimes não se repitam. Henrique foi tão importante quanto o Tito e tantos outros jovens vítimas da ditadura; ele não pode ser esquecido.
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