DESI(ÁGUA)LDADE- PARTE III
Assim que cheguei a Nova York, observei no metrô um cartaz extremamente atraente. Mostrava uma garrafa de água mineral, envolta por algo que se assemelhava a nuvens, num tom azul escuro, ambiente meio em penumbra, com uma montanha coberta com floresta tropical ao fundo e a apenas uma palavra, colocada na parte de baixo: Intocada.
Sou um observador atento desse tipo de mídia já há algum tempo, pois me interessa saber a mudança que ele consegue fazer no comportamento das pessoas, além de avaliar seu aspecto visual. Achei aquele cartaz muito bonito, bem feito, enxuto, juntando elementos visuais simples, que reforçavam a idéia de um produto vindo de um local praticamente virgem e inexplorado do planeta, as ilhas Fiji.
Como se tratava de propaganda de água mineral engarrafada e eu não me enquadro nas características do público alvo que as empresas buscam, não me deixei influenciar. Mas milhões de americanos sim. A partir da semana seguinte, já era possível ver essas garrafas de formato meio quadrado invadir o mercado americano. E esse é apenas um aspecto de um assunto que gostaria de abordar.
O mercado americano de água mineral engarrafada é o maior do mundo. Movimenta cerca de 15 bilhões de dólares ao ano, com um total de mais de 38 bilhões de garrafas. O Brasil, por incrível que pareça, aparece na segunda colocação, seguido pelo México e China. O total mundial chegou a U$ 50 bilhões em 2006.
Do total de 50 bilhões de garrafa plástica tipo PET (todos conhecemos bem no Brasil) utilizados nos Estados Unidos anualmente, cerca de 38 bilhões vão para as águas minerais, sendo que a Nestlé é a maior, com 26% do mercado de água mineral nos Estados Unidos, seguido pela Pepsi, com 13% e pela Coca-Cola, com 11%. Esse total se refere apenas a água mineral vendida em garrafas, não entrando aí a água que é colocada nos refrigerantes, a única bebida que suplanta a água mineral em termos de volume de líquido vendido. Sim, aqui nos Estados Unidos, se bebe mais água mineral engarrafada do que se toma leite, café ou cerveja.
Trinta anos atrás, a situação era totalmente diferente. Em 1976, cada cidadão americano consumia por ano, cerca de 1,6 galões de água mineral engarrafada. Em 2006, 28,3 galões. Um salto enorme. Isso representa cerca de 18 garrafas de meio litro por mês.
Como um produto, que nada mais é do que água engarrafada, conseguiu realizar tamanha façanha?
Uma série de estratégias bem elaboradas e levadas a cabo com imenso aparato de marketing conseguiu incutir na cabeça dos americanos, desde então, que água não é simplesmente esse líquido (que era) encontrado em abundância na natureza.
Uma das águas minerais mais populares aqui, a mais vendida, Poland Spring, de Maine, no início do século passado, alardeava que seu produto tinha “a força da natureza.” A Perrier, francesa, em 1977, quando entrou no mercado americano, dizia nas propagandas que o produto não era apenas água, era uma bebida. Em um ano triplicou suas vendas. Continuou com uma estratégia de vendas que incluía a participação de celebridades em comerciais na televisão, incluindo Orson Welles, associando com o aspecto “saúde”, tendo patrocinado diversas Maratonas de Nova York.
A Evian, marca de água mineral da Danone, buscou relacionar sua água com a juventude, esportes, buscando em atletas sua inserção, não esquecendo também de artistas, como Madonna, que carregava garrafas dessa marca em suas aparições musicais. Essa empresa foi a primeira a usar garrafas do tipo PET, em 1984, e ao que parece, iniciando esse padrão mundial.
Atualmente vários artistas são pagos para consumirem ou se deixarem fotografar com garrafas de água mineral. A Maratona de Nova York deste ano tem o patrocínio da Poland Spring e assim vão fechando o cerco ao consumidor. As pessoas não compram apenas água, compram um “conceito de vida”, que coisa, não?
Tamanha intensidade nas propagandas, o americano comum passou a desdenhar de sua água doméstica e de fontes, passando a consumir a das garrafas plásticas, afinal, era fashion, além de ser “mais saudável”. Mesmo com a proibição, pelo FDA, de se associar água mineral a aspectos relacionados a saúde, ficou incutida na cabeça das pessoas que a água mineral era superior à água de torneira. Não existe, até agora, nenhum estudo científico que comprove tal afirmação, a água de torneira é tão saudável quanto qualquer outra água mineral engarrafada consumida.
E a água de torneira sai quase de graça para o consumidor. Com o preço de apenas uma garrafa mineral engarrafada de meio litro em São Francisco, na Califórnia, daria para se tomar água da torneira por um período de 10 anos, 5 meses e 21 dias. Ou, fazendo as contas de modo inverso, uma conta mensal de água de uma casa seria de 9.000 dólares, caso fosse consumida água mineral. Quase nunca fazemos essas contas ao contrário, mas permitem enxergarmos o mesmo assunto por outro ângulo.
No texto seguinte, outras questões acerca dessas garrafas, aguardem um pouco só, agora, pausa para tomar um gole d’água, tap water, a água “torneiral” daqui...
2 Comentários:
Mais um excelente artigo do Prof. Lin Chau Ming da série sobre água. Desfrutem!
uma pergunta simples; realmente a agua mineral engarrafada contém mesmo os minerais? ou é uma agua morta?
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