CARMINHA
Jean Kleber Mattos
O trabalho honesto de qualquer pessoa sempre me comoveu. A admiração por quem segue firme no trabalho, por humilde que seja, era-me inevitável. Desde que me tive por gente foi assim. Abominando a esperteza vil, a malandragem irresponsável e perniciosa, sempre admirei a força dos que optam pelo trabalho honesto ainda que duro. Em relação à Carminha, admiração e encantamento faziam par.
A perda precoce dos dentes incisivos é bastante comum nos interioranos do Brasil, certamente em função de alguma carência mineral. Carminha não fugia à regra. Perdera-os. O sorriso era discreto, tímido. Divino.
A miscigenação no Brasil nos brinda todos os dias com um caleidoscópio racial de grande riqueza. Em Recife, cuja civilização teve a marca de diversas etnias e populações incluindo índios, negros, portugueses, franceses e holandeses, o fenômeno tem uma espetacular expressividade. Algumas pessoas têm o cabelo duro dos negros e a pele branca, sardenta, certamente herdada do europeu. Carminha era assim. Nem magra nem obesa. Era “cheinha”, um termo comumente utilizado no Nordeste, significando alguém não tão volumoso como uma “boazuda”. Algo mais próximo da gostosinha...!
Corria o ano de 1966. Ao final dele eu me formaria em agronomia. Filho de classe média apenas remediada, meus pais eram professores. Eu carregava comigo as expectativas de ascensão social da família. Fazer de Carminha minha companheira, dividir a existência com ela, era apenas um devaneio. Um saboroso devaneio. Nunca tive oportunidade de declarar-lhe minha afeição. Cumprimentava-me sempre com um sorriso, imediatamente retribuído. Nossos olhares eram plenos de cumplicidade...
Passado algum tempo de minha saída da república, quando acamado por uma enfermidade, visitou-me no novo endereço em companhia de uma colega. O mesmo silêncio. O mesmo doce sorriso. A mesma tez branca, macia. E aquelas deliciosas sardas.
Meu Deus! Eu estava apaixonado por Carminha!
2 Comentários:
Uma bela história de amor! O amor é lindo, meu amigo! História parecida com essa vou enviar para o Blog.
Jean Kleber,
Obrigada por abrir as portas do passado e nos presentear com esse pequeno conto, que conta de maneira tão singela a história de um amor.
Um abraço,
Dalinha Catunda
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