Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

Minha foto
Nome:
Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

26.11.08

RÉU CONFESSO: NA CASA DE JOSÉ DE ALENCAR, NÃO!

Por
Raymundo Netto
*
Sim, confesso, eu sabia... Ao passar de ônibus, algumas vezes, em frente à Base Aérea de Fortaleza, achei estranha aquela “segunda” portaria por trás do portal original projetado pelo húngaro Emílio Hinko ao final da década de 1930. Pensei logo: “Será que vão ter coragem de derrubar o portal da Base Aérea?” Não acreditei, a princípio, mas depois caí em mim: lembrei morar no Ceará; onde amnésia não é doença, é tradição. Devido horas acumuladas de trabalho, também fui deixando para depois, esquecendo... e calei.
*
Não deu outra: descaracterizaram a fachada da Base. Pior é que o macete já havia aprendido: se colocam out-doors e/ou tapumes em frente de uma casa, ou vedam-lhe as portas e janelas com tijolos, é só esperar, vão derrubar!Sabem, antes eu sofria mais, hoje, agüento com pesar, afinal, é evidente que o governo não poderia comprar tudo quanto é casa abandonada da cidade. Porém, não dá para aceitar é que instituições públicas, principalmente aquelas abrigadas em prédios históricos, não se responsabilizem em “guardar” esse patrimônio tão raro no Estado e muito mais ainda na sempre “deslumbrada” Fortaleza. O Comando da Base Aérea, em questão, “voou” ao não pedir orientação e permissão das autoridades competentes antes de efetivar tal crime.
*
Isto, depois de assistirmos a outras obras, como a construção do Mercado Central que sacrificou, estupidamente, casas e árvores centenárias, e o planejamento (?) do trajeto do Metrofor por cima da Estação de Parangaba, a primeira de Fortaleza. Bobagem feita, alguns ousam questionar e lamentar o quanto será preciso retirar dos cofres públicos para salvar a “estaçãozinha”.
*
Concordo, pode ser muito dinheiro, mas é bom que se pague mesmo para que doravante sirva de exemplo para os futuros gestores: não abrimos mão de nossa História! Pensem bem antes... ANTES!Já não bastasse nosso litoral estar sendo todo vendido a estrangeiros que constroem uns bichos caribenhos — para eles, é resort; para nós, reazar mesmo — que devastam e descaracterizam o meio ambiente com a exploração predatória, além de expulsar os nativos da região.
*
Diante de tudo isso, a Universidade Federal do Ceará decide instalar o Instituto de Cultura e Arte/ICA no Sítio Alagadiço Novo. Primeiro fizeram a besteira (uma piada de mau gosto) de mudar o nome do bairro de Alagadiço Novo para José de Alencar, e agora corremos o risco de acabarem com o próprio sítio, tragando, em troca de interesses superficiais, a casa do Alencar e as ruínas do primeiro engenho a vapor do Ceará.
*
É lógico que os respeitosos idealizadores do infeliz projeto, tão cheios de boa vontade e com intuito de “aumentar o trânsito” no local — daí meu receio do “atropelamento trágico”—, não se responsabilizarão quando daqui a dez anos ninguém mais lembrar o que existia preservado por ali, talvez, justamente pela ausência de “trânsito”. E mais: colocar “redomas” de vidro e passarelas metálicas em torno da casa ou do engenho garantirão apenas que se tornem mais um arremedo histórico disneylânico, como tantas outras peças cenográficas para turista ver, espalhadas na cidade.Será que o sítio resistiria à barbárie etílica e jovial de uma primeira calourada? Sei não...
*
A Universidade com seu vasto batalhão de pesquisadores e estudiosos em História e Cultura é que deveria estar à frente dos movimentos, e não apenas das palestras e discursos pomposos de preservação. Aliás, eles deveriam unir-se no sentido de enriquecer esses equipamentos culturais, fazê-los ressurgir em significado, emergi-los das cinzas do descaso, também, histórico.Por que não implantar o Instituto no Campus do Pici, tão abandonado e necessitado de melhorias? Acho até que a presença dos tais cursos por lá, atrairiam iniciativas positivas da direção e estimulassem os nossos estudantes a trabalharem em benefício das inúmeras comunidades carentes do entorno.
*
Que nos sirva como exemplo, em Quixadá, a vigília dos moradores sobre os escombros de uma casa, ao lado da praça da Estação, que resistiu 117 anos, sendo destruída durante única noite, para “que não desabasse sozinha”. Assim, meus amigos, é por essas e outras que Fortaleza está cada vez mais parecida com qualquer outra atrasada cidade do mundo: sem lembranças, sem identidade e sem futuro.
*
Foto do sítio arqueológico: jornal O POVO - Fortaleza-Ce.
*
Raymundo Netto é escritor, apaixonado nem sabe o porquê por esta Fortaleza, e a ela dedicou o romance Um Conto no Passado – cadeiras na calçada e mais algumas horas.

2 Comentários:

Blogger Jean Kleber disse...

Artigo incisivo. Um aguilhão. Mas é necessário. Que acontece em Fortaleza? Porque esse desamor à nossa história? Fica a pergunta! Obrigado, Raymundo!

26.11.08  
Blogger Dalinha Catunda disse...

O lúcido e oportuno texto de Raymundo Netto, deixa-me um pouco mais aliviada. Sei que "uma andorinha só não faz verão" mas se todas saissem do comodismo de seus frechais, certamente a história seria escrita de outra forma.Não sofro da síndrome do saudosísmo, mas acho que não é mais do que nossa obrigação preservarmos nossa história. E, se pouco podemos fazer, façamos então como Raymundo Netto, vamos pôr a boca no trombone.
Dalinha Catunda

3.12.08  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial