Por Bérgson Frota
Quando chegava a quaresma, a meninada nos longínquos anos 70 guardava as baladeiras e desmontava armadilhas, poupando munição pra outros tempos.
É pecado mortal matar qualquer animal neste período. Vão rezar, completava uma senhora ao ouvir de longe a reprimenda do primeiro.
Mas já era março, o começo das chuvas. Se tinha mandacaru florido e o fogo-pagô a cantar, era bom inverno, e naquele tinha.
Eram anúncios de chuva forte, de enchente do Jatobá, e para concluir tínhamos estas coisas a nos ocupar, a recortar de alegria o inverno na feliz infância.
As noites vinham chuvosas e frias, cheias de trovões e relâmpagos a nos assustar.
E quando de dia chovia, repetia-se os banhos nas praças, a correria pelas últimas bocas-de-jacaré ainda existentes e à debandada para ponte.
E lá vinha, das altas cabeceiras da Ibiapaba azulada, a primeira leva barrenta a trazer a água amarronzada e grossa que de dois a três dias já estava limpa e propícia ao banho.
A garotada pulava da ponte junto com os adultos, e rápido voltavam nadando, subindo o aterro e novamente chegando à ponte.
E lá ia um salto mortal, e lá ia um canga-pé (salto difícil), por fim saltos a se cansar até quase escurecer, ou quando o pai vinha antes buscar.
Na noite o coaxar alto dos sapos, que chamávamos de “zoada de cururu”.
Quando era hora de dormir, ficava uma “música” a nos embalar, além do som dos batráquios, dos pingos secos, mas constantes nas telhas, da chuva fina que ainda teimava a cair, completava os vaga-lumes que enchiam o “céu” do quarto, circundando os mosquiteiros.
Assim começávamos a saudar e viver as curtas, mas inesquecíveis estações invernosas do sertão.
***
Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzido artigos de relevância atual.
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