Rio de Janeiro , 2004
Houve tempo em que a cidade tinha pelo
na axila
E em que os parques usavam cinto de
castidade
As gaivotas do Pharoux não contavam em
absoluto
Com a posterior invenção dos
kamikazes
De resto, a metrópole era
inexpugnável
Com Joãozinho da Lapa e Ataliba de
Lara.
Houve tempo em que se dizia:
LU-GO-LI-NA
U, loura; O, morena; I, ruiva; A,
mulata!
Vogais! tônico para o cabelo da
poesia
Já escrevi, certa vez, vossa triste
balada
Entre os minuetos sutis do comércio
imediato
As portadoras de êxtase e de
permanganato!
Houve um tempo em que um morro era
apenas um morro
E não um camelô de colete
brilhante
Piscando intermitente o grito de
socorro
Da livre concorrência: um pequeno
gigante
Que nunca se curvava, ou somente nos
dias
Em que o Melo Maluco praticava
acrobacias.
Houve tempo em que se exclamava:
Asfalto!
Em que se comentava: Verso livre! com
receio...
Em que, para se mostrar, alguém dizia
alto:
"Então às seis, sob a marquise do
Passeio..."
Em que se ia ver a bem-amada
sepulcral
Decompor o espectro de um sorvete na
Paschoal
Houve tempo em que o amor era
melancolia
E a tuberculose se chamava
consumpção
De geométrico na cidade só
existia
A palamenta dos ioles, de
manhã...
Mas em compensação, que abundância de
tudo!
Água, sonhos, marfim, nádegas, pão,
veludo!
Houve tempo em que apareceu diante do
espelho
A flapper cheia de it, a esfuziante
miss
A boca em coração, a saia acima do
joelho
Sempre a tremelicar os ombros e os
quadris
Nos shimmies: a mulher moderna... Ó
Nancy! Ó Nita!
Que vos transformastes em dízima
infinita...
Houve tempo... e em verdade eu vos
digo: havia tempo
Tempo para a peteca e tempo para o
soneto
Tempo para trabalhar e para dar tempo
ao tempo
Tempo para envelhecer sem ficar
obsoleto...
Eis por que, para que volte o tempo, e
o sonho, e a rima
Eu
fiz, de humor irônico, esta poesia acima
***
Foto: site biografia.inf.br
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