ENCONTRO DE
PAJÉS
Por Jean Kleber Mattos
Aconteceu na
Chapada dos Guimarães o Primeiro Encontro nacional de Pajés de 22 a 25 de
outubro de 1987. Os jornais noticiavam que era promovido pela FUNAI, o que era
verdade, mas havia um convênio com a Sociedade Maharishi para o financiamento
parcial do evento. Uma colega nossa da FUNAI, que eu conhecera no curso de pós
graduação em Pernambuco, Ronice, convidou-me, bem como a alguns estudiosos de
plantas medicinais. A Sociedade Maharishi enviou um botânico e alguns
assessores. Partimos de Brasília num voo para Cuiabá no dia 21. De Cuiabá,
fomos todos de ônibus para a Chapada. O cenário do encontro era o Sítio
Morrinhos, cedido pelos proprietários somente para o evento. Calculava-se o
comparecimento de cerca de 100 pajés de diferentes etnias.
Lá encontrei
vários colegas de jornadas de plantas medicinais: o Dr. Carlos Alberto do
Hospital Regional de Planaltina, Dra. Evani e a botânica Maria Luiza, do projeto
“Fitoterapia” de Olinda, em Pernambuco e o jornalista Francisco Pereira,
estudante de comunicação da UnB cujo trabalho final de mestrado era um vídeo
sobre plantas medicinais, com o qual eu estava colaborando. O superintendente
regional da FUNAI, Eraldo Fernandes em entrevista havia dito que a expectativa
era a troca de saberes entre as aldeias e as universidades, bem como a criação
de um Conselho de Pajés e de uma escola de medicina de saber indígena.
Os Xavantes
haviam sido contratados para fazer o cenário, que constava de uma grande oca central,
que seria o auditório, rodeado de ocas menores onde se abrigariam os pajés das
diversas etnias e seus familiares. Não havia cadeiras no “auditório”. A plateia
se acomodava no chão mesmo. Cada pajé era convidado a falar e demonstrar que
uso fazia das plantas que trouxera como amostras. Havia intérpretes das etnias,
geralmente jovens estudantes descendentes que falavam português e também a
língua da tribo. O sistema de som era perfeito. Como as práticas de cura por
vezes envolvem mantras e transes mediúnicos com danças, havia espaço suficiente
para tais manifestações. Índios famosos estavam presentes, tais como Raoni Metuktire, Takumã
Kamaiurá e Jerônimo que, presumia-se, havia ultrapassado os cem anos. Eu tinha
curiosidade de saber como o Raoni se alimentava portando aquele botoque labial
que o caracterizava. Almocei ao seu lado certa feita. Nenhum problema. Comia de
colher, confortavelmente.
Alguns eventos extra reunião mereceram minha especial atenção. O banho de cachoeira foi um. Havia várias cachoeiras na área. Numa manhã grupos que se formaram espontaneamente, em torno de dez pessoas cada um partiram para o banho de cachoeira. Meu grupo incluía colegas de Brasília, Recife e Goiânia. Quase ninguém lavara roupa de banho. O jeito era tomar banho de vestido mesmo ou sunga. Maria Luiza me falou de um grupo que incluía três índios, que, desinibidos, tiraram os calções e banharam-se pelados. Os homens e mulheres brancos do grupo, para não constrangerem os índios, fizeram o mesmo. Quando eu soube, comentei: “Errei de grupo...!”. Numa manhã, em pequeno grupo, passamos mais de uma hora ouvindo Takumã Kamaiurá sobre o episódio do desaparecimento do filho menino de um cacique. De como ele, utilizando recursos de magia, obteve sucesso no encontro do garoto que perdido na floresta foi guiado de volta até à aldeia com a ajuda de gamos encantados. O dia e a hora precisos em que a criança reencontraria a aldeia foram previstos por ele. E se confirmaram. Um privilégio ouvi-lo... Um pajé bem idoso, se bem me lembro um guarani, disse na assembleia que antes de utilizar a planta chamava um espírito que se juntava à planta. Perguntaram-lhe: e como você faz isso? Cantando... - respondeu ele. Pode cantar para nós? Perguntou o moderador. – Sim, respondeu ele. E começou a entoar um mantra. Fez-se um silencio sepulcral enquanto ele cantava. Algumas pessoas da plateia começaram a entrar em transe. Um diretor do INCRA que estava ao meu lado perguntou com olhar assustado: afinal, o que está acontecendo aqui?...
Entre os brancos rolavam alguns fenômenos. Uma amiga minha jurava estar vendo um “caboclo” devidamente caracterizado, seguindo nosso grupo de cachoeira e nós nada estávamos vendo...Um dos colegas da equipe Mararishi tinha o dom da premunição. Logo começou a ser solicitado a fazer adivinhações. Um casal simpático que morava na região e que se integrou ao nosso grupo estava se divertindo com as adivinhações até que a esposa perguntou – Este será meu último casamento? O adivinho respondeu quase de chofre: não !... Silêncio. Situação constrangedora. O marido, que estava ao lado, entrou em pânico. Mais tarde, comentei com colegas que o dom deve ser utilizado com responsabilidade. Nem tudo pode ser dito. À noite, o grupo todo ia para o bar tomar chope. Descobriram que Dra. Evani Araújo tocava violão. Ninguém queria largar a doutora. A cantoria prolongava-se até tarde. Musicas dos anos 60s. Evani mal tinha iniciado uma das tais e uma mocinha falou: “minha mãe cantava essa música para eu dormir”...(todos riram).
Ligações interurbanas eram feitas em cabines no meio da cidade. Eu precisava ligar para Brasília, para dar noticias à Heloísa. No meio do papo ela me perguntou: “tem aí um rapaz bem branco com barba curta, parecendo um espanhol?” Tem ...é da equipe da Sociedade Mararishi. Interessante, disse ela:... “ele pertence a uma sociedade religiosa mas não se liga em espiritualidade. É cético. Tem uma ligação forte com a Espanha não sei se com uma mulher...parece que tem uma criança envolvida...” Dei risada da adivinhação. Despedimo-nos. Nem bem saí da cabine dei de cara com o rapaz. Começamos a conversar e no meio da conversa perguntei se ele se sentia um cético. Ele confirmou, desconfiado. Falei então de sua possível ligação com a Espanha e de uma criança envolvida. Ele arregalou os olhos e perguntou: “como você soube disso?” - “Via EMBRATEL, amigo” – respondi.
Alguns eventos extra reunião mereceram minha especial atenção. O banho de cachoeira foi um. Havia várias cachoeiras na área. Numa manhã grupos que se formaram espontaneamente, em torno de dez pessoas cada um partiram para o banho de cachoeira. Meu grupo incluía colegas de Brasília, Recife e Goiânia. Quase ninguém lavara roupa de banho. O jeito era tomar banho de vestido mesmo ou sunga. Maria Luiza me falou de um grupo que incluía três índios, que, desinibidos, tiraram os calções e banharam-se pelados. Os homens e mulheres brancos do grupo, para não constrangerem os índios, fizeram o mesmo. Quando eu soube, comentei: “Errei de grupo...!”. Numa manhã, em pequeno grupo, passamos mais de uma hora ouvindo Takumã Kamaiurá sobre o episódio do desaparecimento do filho menino de um cacique. De como ele, utilizando recursos de magia, obteve sucesso no encontro do garoto que perdido na floresta foi guiado de volta até à aldeia com a ajuda de gamos encantados. O dia e a hora precisos em que a criança reencontraria a aldeia foram previstos por ele. E se confirmaram. Um privilégio ouvi-lo... Um pajé bem idoso, se bem me lembro um guarani, disse na assembleia que antes de utilizar a planta chamava um espírito que se juntava à planta. Perguntaram-lhe: e como você faz isso? Cantando... - respondeu ele. Pode cantar para nós? Perguntou o moderador. – Sim, respondeu ele. E começou a entoar um mantra. Fez-se um silencio sepulcral enquanto ele cantava. Algumas pessoas da plateia começaram a entrar em transe. Um diretor do INCRA que estava ao meu lado perguntou com olhar assustado: afinal, o que está acontecendo aqui?...
Entre os brancos rolavam alguns fenômenos. Uma amiga minha jurava estar vendo um “caboclo” devidamente caracterizado, seguindo nosso grupo de cachoeira e nós nada estávamos vendo...Um dos colegas da equipe Mararishi tinha o dom da premunição. Logo começou a ser solicitado a fazer adivinhações. Um casal simpático que morava na região e que se integrou ao nosso grupo estava se divertindo com as adivinhações até que a esposa perguntou – Este será meu último casamento? O adivinho respondeu quase de chofre: não !... Silêncio. Situação constrangedora. O marido, que estava ao lado, entrou em pânico. Mais tarde, comentei com colegas que o dom deve ser utilizado com responsabilidade. Nem tudo pode ser dito. À noite, o grupo todo ia para o bar tomar chope. Descobriram que Dra. Evani Araújo tocava violão. Ninguém queria largar a doutora. A cantoria prolongava-se até tarde. Musicas dos anos 60s. Evani mal tinha iniciado uma das tais e uma mocinha falou: “minha mãe cantava essa música para eu dormir”...(todos riram).
Ligações interurbanas eram feitas em cabines no meio da cidade. Eu precisava ligar para Brasília, para dar noticias à Heloísa. No meio do papo ela me perguntou: “tem aí um rapaz bem branco com barba curta, parecendo um espanhol?” Tem ...é da equipe da Sociedade Mararishi. Interessante, disse ela:... “ele pertence a uma sociedade religiosa mas não se liga em espiritualidade. É cético. Tem uma ligação forte com a Espanha não sei se com uma mulher...parece que tem uma criança envolvida...” Dei risada da adivinhação. Despedimo-nos. Nem bem saí da cabine dei de cara com o rapaz. Começamos a conversar e no meio da conversa perguntei se ele se sentia um cético. Ele confirmou, desconfiado. Falei então de sua possível ligação com a Espanha e de uma criança envolvida. Ele arregalou os olhos e perguntou: “como você soube disso?” - “Via EMBRATEL, amigo” – respondi.
No terceiro dia a entrada foi liberada para a imprensa. Rede Globo com destaque. Filmavam e entrevistavam os destaques, notadamente o cacique Raoni. O acampamento era bem iluminado, portanto favorável para boas imagens e para a identificação do que interessava à mídia. A beleza das mulheres Terena chamava a atenção. Uma delas estava com seu nenê no colo e amamentando. Certamente saiu em todos os vídeos.
Quando terminou o encontro, voltamos para Brasília. Aqui recebi uma carta de uma importante filha de índios, se não me engano uma enfermeira, Sandra, relatando uma experiência extra sensorial. Quando ela foi se despedir de Jerônimo, o pajé centenário, ele segurou por um instante suas duas mãos. De repente ele viu-se transportada para um plano astral onde não havia a barreira do idioma. Ele deu a mensagem e num clic ela estava de volta à presença física dele.
Numa noite, de volta do acampamento o carro passou por uma área de cerrado totalmente escura. Milhares de vagalumes voando. Poucas vezes na vida vi tanta beleza. Lembrei-me dos versos de meu padrinho de crisma, o poeta cearense Costa Matos:
PIRILAMPOS
Por
José Costa Matos
Por
José Costa Matos
Mal chega o inverno, à
noite, o bando aéreo
Dos vagalumes esburaca a bruma...
Parecem bolhas de oiro e luz na espuma
Negra de um oceano de mistério...
Parecem bolhas de oiro e luz na espuma
Negra de um oceano de mistério...
Serão fagulhas verdes da
bigorna
Em que Deus faz estrelas? São fagulhas
Que voejam costurando como agulhas,
O noturno lençol que o mundo exorna?
Que voejam costurando como agulhas,
O noturno lençol que o mundo exorna?
Aladas, misteriosas
ardentias...
Deles, só sei que surgem já crescidos,
Demandando ideais desconhecidos
E que são pagens fiéis das invernias.
Demandando ideais desconhecidos
E que são pagens fiéis das invernias.
Mistério igual a minha
vida empalma:
Aos temporais dos fados,
- bons e adversos -,
Nascem revoadas brancas dos meus versos...
Pirilampos da noite de minh´alma...
Nascem revoadas brancas dos meus versos...
Pirilampos da noite de minh´alma...
*
(Ipueiras-CE, 1947)

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