PorLembro-me que quando era fins de setembro e princípio de outubro costumava ir de bicicleta ao Lamarão. Um terreno próximo à Ipueiras, mas para o lado do sertão.
Meus avós maternos estavam lá. Passavam sempre esse período no sítio, pois era o tempo do caju, e este não faltava. Meu avô costumava também usar a madeira dos pés de sândalo e fazer baús, mesas e cadeiras.
Naquele sítio antes tinha mais sândalo e agora só restavam cinco pés, a madeira cheirosa e amarronzada fazia com que fosse cobiçado, serrados e transformados em molduras e outros utensílios como estantes e esculturas, fora as que meu avô se especializou.
Portanto junto aos restantes pés de sândalo, havia muitos cajueiros já floridos, uns com o avermelhado ou amarelado caju pendurado e outros já caídos ao chão folhoso.
Havia uma depressão de pedras e pouco mato, num caminho já feito pelo tanto andar dos que desciam ao rio. Lá só se via cacimbas no rio Jatobá seco, que neste trecho dava uma curva longa e fechada para o rio Acaraú.
Quando voltava para casa do sítio levava duas cestas de cajus, percorrendo uma trilha de modo que passava por baixo dos sândalos com o ar fresco e cheiroso das sombras das árvores.
Na casa minha avó escolhia os cajus, separando-os das castanhas. Cumprida esta missão, ia de bicicleta em direção ao açude que pela região chamava-se o açude do Lamarão, cheio no inverno, mas baixo nesta estação.
Soprava um ar fresco que tinha cheiro de peixe. O peixe que nunca lhe faltava.
Assim repetia-se essa história, sempre na segunda metade do ano.
Hoje já adulto lembro do sítio no Lamarão, o sítio dos cinco sândalos, o acarinhar dos avós que depois partiram para Fortaleza para duas ou três vezes lá voltarem.
Quando cheiro um perfume cuja essência maior é o sândalo ou vejo o caju em abundância nos supermercados, tais aromas e visões, fazem-me viajar mentalmente a infância e lembrar tardes e manhãs, e também noites mágicas lá passadas, no sítio do Lamarão. E sem conter as lágrimas, sentir saudades daquele casal idoso e querido, que hoje, ambos já partidos na madrugada da vida tanto me marcaram.
Foto: Açude do Papagaio em Ipueiras. Acervo de Paulo Pinho.
Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.

Mais uma relevante contribuição ao conhecimento da história de Ipueiras, de nosso colaborador, professor Bérgson Frota. Obrigado, amigo!
ResponderExcluirParabéns pela crônica amigo, bons tempos àqueles que a gente ia para o açude, principalmente no inverno. Fico feliz em saber que o açude ainda existe.
ResponderExcluirO açude do Lamarão, ah que saudade, os sítios ficavam verde no inverno, mas mesmo neste tempo de agosto a novembro era bom passar um domingo nadando neste açude que se não me falha a memória poucas vezes secou. Valew grande escritor.
ResponderExcluirO lamarão foi para mim o melhor açude da minha infância, quando morava em Ipueiras.Ainda por volta de 1968.A lembrança do açude e dos sítios na crônica me encheu de saudades.
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